Guilherme da Cunha Dantas pode ser considerado o primeiro escritor cabo-verdiano (na época, no sentido regional). O facto de ter nascido e morado quase toda a vida em Cabo Verde (Brava, 1849 – Santiago, 1888), o período de produção literária, a quantidade, qualidade e diversidade da sua obra, que trazem como referência a sociedade e a cultura do arquipélago, são factores que assim o atestam.
É interessante mencionar dois autores mais antigos, mas que não se enquadram efectivamente na definição escritor(a) cabo-verdiano(a): Antónia Gertrudes Pusich (São Nicolau, 1806 – Lisboa, 1883), não apresenta as mesmas características de Guilherme Dantas. Embora nascida em Cabo Verde, cedo foi viver para Portugal tendo-se integrado na vida literária e social da metrópole, não fazendo das ilhas tema da sua obra; e José Evaristo d’Almeida (Portugal, sec.XIX – Guiné-Bissau, séc.XX), autor do romance de temática cabo-verdiana O Escravo, publicado em Lisboa em 1856, que viveu apenas alguns anos em Cabo Verde e a obra restringe-se a esse romance e mais dois poemas onde o arquipélago está presente.
Contos Singelos, obra fundacional
No mesmo ano em que conclui o ensino secundário na Escola Real de Mafra (Portugal), Guilherme da Cunha [Dantas] publica Contos Singelos (Mafra, 1867) – coincidentemente, no ano em que nasce o poeta patrício Eugénio Tavares – que dedica ao “amado pai e mestre” [Vitorino Dantas Pereira] e aos “colegas estudantes”.
Contos Singelos, o livro de estreia de Guilherme Dantas, cuja estética é a do romantismo, mais precisamente, do ultra-romantismo português (1860-1870), é constituído por dois contos: “Cenas da ilha Brava”, cuja história ocorre na Brava, ilha natal do autor e “Cenas de Mafra”, baseado na sua vivência estudantil em Mafra, dedicado ao amigo pessoal, Eduardo de Barros e Matos.
Em “Nhô José Pedro ou cenas da Ilha Brava”, situando-se longe da terra natal, numa metrópole que define como “terra estranha”, o narrador conta a história de José Pedro, cobrindo três gerações, onde mostra a complexidade da sociedade local baseada nas relações raciais, no tipo de actividades económicas, nas crenças, nos costumes, na gastronomia.
“Cenas de Mafra”, é uma história de amor e ciúme juvenil, que decorre entre Mafra e Ericeira – na época, muito procuradas por famílias lisboetas para as suas férias de Verão – com episódios dramáticos que incluem morte da protagonista e desafio para um duelo entre dois rivais.
Obra Completa
Regressado a Cabo Verde, pelos finais de 1868, Guilherme Dantas entrou para a administração pública como amanuense da Contadoria da Junta da Fazenda e é designado para prestar serviço como encarregado da guarda e conservação (bibliotecário) na recém-criada Biblioteca e Museu Nacionais de Cabo Verde, de 1871 a 1876.
A partir de 1872, Guilherme Dantas publica poemas, contos e crónicas no Novo almanach de lembranças luso-brazileiro (Lisboa, 1851-1930) e no jornal A Imprensa (Praia, 1880-1881).
Em 1877, juntamente com Joaquim Augusto Barreto (Santiago, 1854 – São Vicente, 1878), colabora no primeiro jornal não oficial, o Independente (Praia, 1877-1889), um “jornal politico litterario e commercial, dedicado aos interesses da provincia de Cabo Verde”.
Guilherme Dantas, conforme José Lopes da Silva (São Nicolau, 1872 – São Vicente, 1962) foi um poeta lírico e romântico, mas como jornalista foi um temível polemista na linha de Augusto Barreto e Eugénio Tavares, além de escrever artigos de crítica literária.
A sua obra, reunida e publicada postumamente, é constituída por Poesias (Praia, 1996); Memórias dum Pobre Rapaz (Praia, 2007), romance; e Contos e Bosquejos (Praia, 2017), contos e crónicas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 893 de 9 de Janeiro de 2019.