Democracia significava, portanto, o governo do povo, sendo que o poder era autorizado e controlado pelas pessoas sobre as quais ele era exercido. O conceito foi criado, assim, para descrever uma realidade em desenvolvimento – a natureza de cidade-estado em que o conjunto dos cidadãos se governava a si próprio. Este governo comportava duas características. A primeira prende-se com a composição do governo, sendo que, em Atenas, no seu centro havia uma Assembleia na qual todos os cidadãos tinham o direito de participar. A segunda consistia no preenchimento de quase todos os cargos governamentais e de administração das leis por cidadãos escolhidos por eleições competitivas mas à sorte, tendo um cidadão vulgar, pelo menos uma vez na vida, uma boa hipótese de ser escolhido.
A história da democracia mostra que, na mesma altura em que o governo popular foi introduzido na Grécia, surgiu também em Roma. Os romanos chamavam o seu sistema de república. Há indícios de que a inclusão desse conceito no dicionário da política teria suscitado polémicas entre os pensadores. Montesquieu, por exemplo, fazia distinção entre três espécies de governos: o monárquico, o republicano e o despótico, defendendo que, no Governo republicano, o povo em seu conjunto, ou apenas uma parte do povo, possui o poder soberano. Isso significa que, para Montesquieu, na república, quando o povo em conjunto possui o poder soberano, se está na presença de uma democracia e quando esse poder fica nas mãos de uma parte do povo, se está perante uma aristocracia. A democracia é vista como um tipo de governo que deriva do governo republicano. Esta teoria democrática, realista e moderada de Montesquieu teria inspirado muitas Constituições Políticas do século XIX.
Rousseau, por sua vez, distinguia três espécies de governos. A diferença residia no facto de os classificar de governo democrático ou republicano, governo aristocrático e governo monárquico. Assim, num governo democrático ou republicano, todos os cidadãos teriam os mesmos talentos e as mesmas fortunas. Rousseau defendia uma democracia radicalmente igualitária, atomista e numérica, em que a própria liberdade se fundia na igualdade. Contudo, desde sempre, pareceu difícil, para não dizer impossível, de pôr em prática este tipo de governo. Por esta razão é que Rousseau reconhecia que uma verdadeira democracia nunca existiu e nunca existirá.
Em Roma, o direito de participação no governo republicano restringiu-se, no princípio, aos patrícios ou aristocratas. Só com o tempo, o povo comum viria a entrar no sistema. Tal como em Atenas, o direito de participar foi restringido aos homens, o que aconteceu igualmente em todas as democracias e repúblicas posteriores, até ao século XX. Devido à influência de Roma, a república chegou a governar sobre toda a Itália e muito para além dela. Porém, após os primeiros séculos na Grécia e na Itália, a ascensão do governo popular estagnou, começando a declinar até desaparecer.
Todavia, no início do século XII, o governo popular reapareceu em muitas cidades do norte da Itália. Pela segunda vez, foi em cidades-estado relativamente pequenas que os governos populares se desenvolveram e não em grandes regiões ou países. Desta vez, a participação nos órgãos governativos restringiu-se, primeiro, aos membros das famílias da classe alta. Mas, com o tempo, os habitantes das cidades que se situavam mais abaixo na escala socioeconómica começaram a exigir o direito de participação e, mais uma vez, após sucessivas lutas de classes, ganharam esse direito de participar no governo da cidade.
Embora sendo muito contestadas, essas repúblicas, durante mais de dois séculos, floresceram em muitas cidades italianas. Contudo, em meados do século XIV, começaram a declinar a favor dos governos autoritários. As cidades-estado foram desaparecendo para dar lugar ao estado-nação ou país. As vilas e as cidades passaram a ser incorporadas nesta entidade maior e mais poderosa.
Mais tarde, vieram a aparecer na Inglaterra, na Escandinávia, nos Países Baixos, na Suíça e em toda a zona norte do Mediterrâneo, regimes que tinham um governo nacional e um Parlamento nacional composto por representantes eleitos, ao contrário do que caracterizava o sistema democrático na Grécia e o sistema republicano na Itália. Muitos estudiosos mostram que esses regimes expandiram-se a larga escala mas, até há dois séculos atrás, a história era muito parca em verdadeiros exemplos de democracias, pois a democracia parecia mais um assunto para os filósofos elaborarem as suas teorias do que um verdadeiro sistema político para os povos adoptarem e praticarem, sendo que, mesmo nos raros casos em que uma democracia existia realmente, a maioria dos adultos não estava autorizada a participar na vida política.
No seu livro já clássico, Democracy, Robert Dahl fez ilustração da satisfação mundial pelo facto de, durante a segunda metade do século XX, o mundo ter sido testemunha de uma mudança política extraordinária e sem precedentes. Essa mudança política tornou-se significativa nas últimas duas décadas desse século, quando ocorreu a nível mundial a multiplicação de processos de transição para a democracia liberal. A chamada «terceira vaga de democratização», como é cartografada no livro The Third Wave: Democratization in the Late Twentieth Century (1991) de Samuel P. Huntington, marcou a América Latina, a Europa de Leste e a África, tendo significado, respectivamente, o fim dos regimes militares, do comunismo e dos regimes monopartidários.
Entre os anos de 1980 e 1990, o mundo fez progressos significativos na abertura de sistemas políticos e na expansão de liberdades políticas. De acordo com os dados do PNUD, cerca de 81 países (29 da África Subsariana, 23 da Europa, 14 da América Latina, 10 da Ásia e 5 dos países Árabes) deram passos significativos no sentido da democracia e, hoje, mais de uma centena e meia dos países do mundo têm eleições multipartidárias.
Tornou-se evidente que a expansão global da onda democrática coincidiu com uma grave crise da democracia nos países centrais onde já se encontrava consolidada, crise essa que ficou conhecida com uma dupla patologia: a patologia da participação, devido ao aumento alarmante da abstenção eleitoral; a patologia da representação, pelo facto dos cidadãos se sentirem pouco representados por aqueles que elegeram. É este o ponto de situação que tem levado a fenómenos populistas nos últimos tempos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 894 de16 de Janeiro de 2019.