Efectivamente, em 2014 abriu-se a vinculação à Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), dos países de língua portuguesa não ibero-americanos (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, e Timor-Leste), na qualidade de observadores-colaboradores. Nesse mesmo ano, a república hispano falante da Guiné Equatorial incorporou-se à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) como membro de pleno direito. E a partir de 2016 são vários os países hispano falantes ou ibero-americanos (Uruguai, Argentina, Chile e Andorra) que se ligaram à CPLP como observadores associados, tal como a própria OEI. São, igualmente, numerosas as declarações de mandatários dos nossos países e de organismos internacionais que apontam para a articulação de um “Espaço Multinacional da Iberofonia”, sem excepções geográficas; e no âmbito da sociedade civil, do académico ao desportivo, diversas iniciativas começam a estruturar-se como solução “pan-ibérica”.
Onde está a fundamentação profunda desta aproximação entre sociedades e países de continentes diferentes? O fundamento essencial representa-o a afinidade substancial entre as duas principais línguas ibéricas, o espanhol e o português, os únicos dois grandes idiomas internacionais – grandes quantitativamente – que são, ao mesmo tempo e em linhas gerais, reciprocamente compreensíveis. Se, filologicamente, o espanhol e o português são línguas diferentes, em termos comunicacionais chegam a perceber-se como se fossem practicamente um só idioma.
Esta realidade única faz com que, em termos geopolíticos, geolinguísticos e geoculturais, se possa falar de um grande espaço multinacional de países de línguas ibéricas que abarca todos os continentes e que está composto por uma trintena de nações e mais de 800 milhões de pessoas. Trata-se da décima parte do planeta em termos demográficos – cerca da quinta em superfície – e do primeiro bloco linguístico do mundo ao unir o espanhol – segunda língua materna e de comunicação internacional, falada por mais de 570 milhões de seres humanos – e o português – segunda língua ibérica e latina, com mais 230 milhões.
Neste contexto, é importante assinalar que a relação de intercompreensão hispano-lusófona não é simétrica, de modo que o espanhol é compreendido quase perfeitamente nos países de língua portuguesa, enquanto que o português, particularmente o de Portugal, se entende em menor grau, por razões fonéticas, nos países hispânicos. Igualmente, no interior desse grande espaço convivem uma multitude de outras línguas que o enriquecem em todos os continentes. O caso da língua nacional caboverdeana, o crioulo, é particularmente paradigmático, pois, falado por quase toda a população, projecta a potência cultural de Cabo Verde no mundo inteiro. Porém, o denominador linguístico comum de o iberófono a nível internacional é constituído pelos grandes idiomas veiculares ibéricos, o espanhol e o português, ou, mais exactamente, pela base linguística comum reconhecida pela sua afinidade substantiva.
A plena articulação deste espaço multinacional daria maior visibilidade e influência ao conjunto dos países iberófonos, promoveria a cooperação horizontal e triangular entre Estados e sociedades da América, Europa, África e Ásia, e contribuiria para equilibrar em termos geoculturais – e em benefício da maior diversidade de toda a Comunidade Internacional – alguns aspectos e cosmovisões homogeneizadores da globalização em curso.
Perante esta realidade, devemos reconhecer que, diferentemente dos hispano falantes e brasileiros, Portugal foi historicamente contrário à aproximação dos países africanos lusófonos ao espaço hispânico e ibero-americano. Portugal não deve temer uma perda de influência ou “status” se os países africanos – Estados soberanos – decidem estreitar relações com a América Latina e com o conjunto de países de língua espanhola.
Diante deste repto e desta realidade, Cabo Verde – simultaneamente com Angola, Moçambique e outros países – pode desempenhar um papel muito importante, como singular país de língua ibérica de África que conta com uma particular visão geopolítica no atual contexto crescentemente globalizado. Cabo Verde forma parte de uma Macaronésia que o irmana com outros arquipélagos de línguas portuguesa e espanhola, como Açores ou Canárias, espaço que constitue um marco de clara convergência atlântica entre África, Europa e América. E Cabo Verde é o único Estado soberano que forma parte integrante da Macaronésia... A sua actuação decidida, como a de Angola e outros países, pode ser a solução para conseguir a perfeita articulação do Espaço Multinacional da Iberofonia.
Dou-lhes uma pista: tanto a Organização de Estados Ibero-americanos, que, para melhor entendermos, é a “UNESCO” ibero-americana, como a Organização Ibero-americana de Segurança Social (OISS), por exemplo, contam entre os seus membros de pleno direito com a república africana e hispano falante da Guiné Equatorial. Por esse motivo, não existe nenhuma razão de fundo para impedir que Cabo Verde, ou São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, se possam beneficiar de uma cooperação multilateral prestigiosa que nos dias de hoje favorece dezenas de países de todo o mundo com os quais, além disso, mantêm afinidades linguísticas e culturais.
Sem dúvida alguma, chegou o momento de estabelecer plenamente o Espaço Mundial da Iberofonia, e, nisso, pode corresponder a Cabo Verde um protagonismo muito significativo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 905 de 03 de Abril de 2019.