Toni Morrison, preta nobel

PorEurídice Monteiro,20 ago 2019 6:22

Agosto começou com uma melodia triste. No dia 5, mal tínhamos entrado pelo mês adentro, perdemos uma das mais talentosas e irreverentes escritoras do século vinte.

Pelos romances e outros escritos que deu à estampa, Toni Morrison foi laureada, em 1993, com o Nobel Prize in Literature (Prémio Nobel da Literatura), tendo sido a primeira e até hoje ainda a única escritora negra a ser galardoada, no domínio da literatura, com esse medalhão de prestígio e reconhecimento mundial.

Quando a consagrada Academia Sueca decidiu atribuir o prémio nobel a esta afro-americana justificou que a motivação para essa atribuição da distinção deve-se ao facto de se estar perante uma escritora cujas narrativas são caracterizadas por uma força visionária e substância poética, dando relevo a um aspecto essencial da realidade americana.

Pela sua sensibilidade, humanidade e estilo literário, mas também por causa da sua bravura, coragem, rigor e vigor historiográfico quando aborda temas sempre escamoteados, como o preconceito racial nos Estados Unidos da América, Toni Morrison foi distinguida com uma série de outros prémios, incluindo o National Book Critics Circle Award, atribuído ao seu livro Song of Solomon, e o Pulitzer Prize for Fiction para a sua ficção histórica memorável Beloved. Recebeu ainda outras distinções honoríficas, tendo sido agraciada, durante a presidência de Barack Obama, com a Presidential Medal of Freedom (Medalha Presidencial da Liberdade), aquela que é considerada como a maior de todas as condecorações civis dos Estados Unidos da América.

Deixou inúmeras obras de ficção e nãoficção, entre as quais onze romances fabulosos: The Bluest Eye (1970), Sula (1974), Song of Solomon (1977), Tar Baby (1981), Beloved (1987), Jazz (1992), Paradise (1999), Love (2003), A Mercy (2008), Home (2012) e, por fim, God help the child (2015). A sua escrita aborda a vida da população negra, abarcando as mais diversas situações imaginárias enfrentadas pela comunidade negra nos Estados Unidos da América e focando principalmente nas experiências das mulheres negras, desde o período da escravatura aos dias de hoje em que a beleza e a aparência seguem padrões mediatizados por modelos comerciais brancos. Com esse enfoque, Toni Morrison retrata a forma como o racismo, o sexismo e a exploração do corpo e do trabalho atingem particularmente a vida das meninas e das mulheres afro-americanas, em diferentes contextos e circunstância.

Exemplo extremo e dramático encontra-se no livro Beloved, que incide sobre a questão do infanticídio na sociedade escravocrata, dando particular destaque ao caso de uma mãe que faz a dura escolha de matar o seu bebé para salvá-lo de uma vida inteira submetida à escravatura. Foi com este livro de ficção que Toni Morrison conquistou um Pulitzer em 1988.

Nascida em Lorain, no estado de Ohio, a 18 de Fevereiro de 1931, com o nome de baptismo Chloe Anthony Wofford, ela era originária de uma modesta família afroamericana. Filha de um metalúrgico sindicalista e de uma dona de casa. Cresceu à sombra do desaire da grande depressão de 1929 que não só teve impacto nos Estados Unidos da América, como um pouco por todo o mundo moderno.

Pela sua origem social, experimentou de tudo um pouco à medida que ia crescendo e tomando consciência da realidade da vida em seu redor. Devido a algumas das dificuldades económicas por que passava a sua família e por causa do meio social onde se encontrava inserida, chegou a trabalhar como empregada doméstica ainda durante uma fase da sua adolescência.

Apesar das circunstâncias e da aparência, ela sabia o valor do conhecimento, do livro e da leitura. Lia muito. Lia clássicos da literatura universal e ouvia estórias contadas da tradição afro-americana relatando a luta e resistência de vidas negras no decurso da história dos Estados Unidos da América, lia textos de homens e mulheres, conhecia livros de autores como Jane Austen e Liev Tolstói. Pode-se dizer que este é um típico caso em que a leitura teve o poder de mudar o destino de uma vida. Porque escrever exige muita leitura, desde sempre.

Mais tarde, teve acesso à universidade e formou-se em Filologia Inglesa pela Howard University, uma universidade marcadamente negra em Washington, D.C. Trabalhou como editora da Random House, em Nova York. Enquanto editora, fez emergir uma nova geração de autores afro-americanos, incluindo nomes como Gayl Jones e Angela Davis, e publicou a célebre autobiografia de Muhammad Ali.

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Na vida pessoal, em 1958, casou-se com um arquitecto jamaicano, com quem teve dois filhos e de quem divorciou-se, em 1964, quando os filhos eram ainda crianças. Com base no nominho pelo qual era tratada em casa e adoptando o apelido de seu ex-marido jamaicano, criou o seu próprio pseudónimo literário: Toni Morrison. Dedicou-se à literatura e à docência em diferentes universidades americanas, tendo-se aposentado como professora de humanidades na Princeton University, em 2006. Morreu aos 88 anos de idade, no dia 5 de Agosto de 2019.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 924 de 14 de Agosto de 2019. 

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Autoria:Eurídice Monteiro,20 ago 2019 6:22

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  20 ago 2019 6:22

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