A grande utopia falhou. A teoria era falsa. Sem sentido até, como no-lo mostrou von Mises.
Os amanhãs, afinal, não cantam…
As viúvas de Moscovo, perante o fracasso retumbante do romance socialista, entraram, então, numa profunda crise existencial.
Que pena, o sr. Marx estava completamente errado e o “socialismo real” era apenas, e quando muito, um triste escombro de misérias, opressão e genocídio.
As sociedades planificadas não conduzem à prosperidade.
Raymond Aron, um pensador francês que amava a liberdade e a autonomia das pessoas comuns, face à arbitrariedade da ideologia colectivista, captou a raiz do problema, numa célebre distinção entre a alma liberal-conservadora e a vocação totalitária dos socialistas militantes:
“O conservador é humilde. Reconhece que o mundo e a vida são complicados. A única coisa de que tem certeza é que a incerteza requer a liberdade, para que a verdade seja descoberta por um processo de concorrência e debate que não tem fim. O socialista, por sua vez, acha que a vida e o mundo são facilmente compreensíveis; sabe de tudo e quer impor a estreiteza da sua experiência – ou seja, a sua ignorância e arrogância – aos seus concidadãos”.
Com base nisso, Aron combateu, sagazmente, os loucos da “gauche” parisiense, admiradores do estalinismo e da utopia marxista.
A partir de 1989, todavia, os intelectuais, que exalaram, embevecidos, esse “ópio” ideológico tão promissor, passaram, num relance, do dogmatismo ao niilismo agressivo, desapontados já com a dura realidade deste mundo.
O saldo é deveras trágico e está bem exposto no Livro Negro sobre o Comunismo – Crimes, Terror, Repressão, editado, em 1997, por Stéphane Courtois et al..
É um balanço que deixa os discípulos de Marx sem argumento, perante uma experiência histórica tão neurótica e desumanizante.
O capitalismo democrático, o inimigo mortal, venceu. 5 a 0.
Friedrich Hayek, discípulo de Mises, Smith e Montesquieu, estava certo.
O socialismo é, bem vistas as coisas, um imenso Caminho para a Servidão. Não serve para nada. Só gerou, aqui e ali, sociedades miseráveis e repressivas, dominadas por uma nomenclatura abusiva.
Que fazer, repetindo a célebre pergunta de Lenine?
Havia que procurar uma bóia de salvação.
Algo que pudesse, nalguma medida, resgatar os bons préstimos da velha Utopia.
Urgentemente! Era necessário salvar a honra do convento…
Com aquela sabedoria típica da bíblica serpente, os filhos, netos & enteados de Karl Marx, em franco desespero de causa e já desacreditados, lançaram, como “ultima ratio”, o olhar para cima, para o Norte da Europa.
Escandinávia. Eureka! Para cima, nos dias que correm, todos os santos ajudam. Está tudo ali.
Contemplai, ó gente, esse “socialismo que deu certo”! O grande “ideal” afinal não morreu. Karl Marx ressuscitou.
Será verdade? Não, não é.
Que pena. É pura mentira. Um logro. Mais uma estória de carochinha.
No Norte da Europa não existe nenhum “socialismo”.
Trata-se de mais uma ilusão ideológica com pés de barro.
O modelo escandinavo, que surgiu, mormente no século XIX, a partir do esforço individual de grandes capitalistas e empreendedores, nada tem a ver com as balelas socialistas. As suas bases são outras.
A prosperidade nórdica nada deve, em bom rigor, ao socialismo.
Examinemos cuidadosamente a realidade, esse terror da mente totalitária.
No caso da Suécia, foi a Igreja que lançou, em 1734, as fundações do Estado social, construindo asilos para as pessoas mais desfavorecidas.
No meu 2.º livro, editado em 2016, cito o notável economista Stefan Karlsson, que desfez impiedosamente certos mitos de esquerda.
O bem-estar na Suécia é, historicamente, fruto do capitalismo.
Graças ao livre-mercado e ao pujante Estado de direito, a Suécia teve um crescimento extraordinário entre 1870 e 1950, tornando-se, em pouco tempo, um dos países mais prósperos do mundo.
Porque se fala, até hoje, do famoso “prémio Nobel”?
Alfred Nobel (1833-1896) foi um engenheiro, inventor e empreendedor sueco.
Registou centenas de patentes. E fez fortuna. Era um modelo de empresário capitalista bem-sucedido e foi, também, um filantropo exemplar (nota: nos países socialistas não existem filantropos, ups…).
A dinamite, sem a qual não seria possível abrir estradas no difícil relevo da ilha de Santo Antão, é um dos produtos da sua criatividade.
Os países escandinavos, todos eles, protegem amplamente a propriedade privada, ocupando os primeiros lugares no mundo (: exactamente o contrário do princípio capital do socialismo, que foi, desde sempre, a colectivização dos meios de produção), adoptam políticas macroeconómicas prudentes (a Dinamarca, por exemplo, possui uma inflação muito baixa e um Banco Central com larga autonomia), sendo países bastante abertos ao comércio internacional e à atracção do investimento externo, aliás sem quaisquer complexos de natureza ideológica, como se vê, por vezes, nestas pobres plagas do Atlântico.
Eles conhecem, perfeitamente, o valor do capitalismo e a sua imensa capacidade de inovação, a tal “destruição criativa” de que falava Joseph Schumpeter.
Estive na Suécia na década de 1990. E vi então, no dia-a-dia, o quão vibrante e livre é essa sociedade no seu todo.
Estocolmo é uma cidade maravilhosa. A ordem, a disciplina, a beleza ecológica e arquitectónica, o civismo daquela gente, tudo isso impressionou-me favoravelmente. É um povo sensato que não acredita em revoluções violentas e, por isso, conservou a sua monarquia, com mudanças graduais à boa maneira inglesa.
Grandes marcas de fama mundial – como a Nokia, fundada em 1865, Ericsson, de 1876, Volvo, Saab, etc. – germinaram precisamente nos países da Escandinávia. Donde a prosperidade material dessas sociedades tolerantes, que souberam apostar, com seriedade, numa tecnologia avançada e de ponta.
Todos eles, sem excepção, aboliram o salário mínimo – o que, para uma mente esquerdista, é uma autêntica heresia! –, seguindo o conselho de Milton Friedman (o salário mínimo faz aumentar o desemprego). E possuem uma forte ética do trabalho e de respeito pelas regras sociais.
O capital social é precioso e desempenha um papel crucial no desenvolvimento das nações (não, meus senhores, a infra-estrutura não determina, como supunha o socialismo “científico”, a superestrutura).
A larga maioria da população nórdica é de orientação religiosa luterana.
O imposto sobre as pessoas físicas é elevado, mas a carga tributária sobre as empresas é das mais baixas do mundo, em todos esses países. A legislação laboral é flexível. A aposta na competitividade é evidente.
É muito fácil abrir uma empresa e fazer negócios nesses países nórdicos, ao contrário de feudos marxistas como Cuba ou Venezuela, onde o Estado-patrão, cioso das suas prerrogativas, mantém o sector privado num controlo assaz apertado, com rédea curta, esvaziando-o completamente de significado, no meio, aliás, de sumptuosas regulamentações, peias burocráticas, tabelas oficiais, má vontade e proibições sem fim, que fariam Jean-Baptiste Colbert – secretário de estado da Casa Real e encarregado dos negócios da Marinha, no tempo do rei Luís XIV – parecer um puro anjo do “neoliberalismo”!
Na Noruega, o ex-Primeiro-Ministro Jens Stoltenberg, do partido trabalhista, privatizou várias empresas estatais. Mais um herético, pelos padrões dos cérebros terceiro-mundistas!
Há um outro dado muitíssimo importante, que não existe, refira-se, em nenhum país socialista do mundo: nos países do norte da Europa, a corrupção é muito baixa, quase inexistente, e o poder judicial é competente, forte e imparcial, garantindo, sem temor, as liberdades individuais e a rule of law. Os juízes, ali, não são o braço armado do partido único.
Como é possível então que alguém, no seu perfeito juízo, fale de “socialismo escandinavo”?
Realmente, isso só existe na cabeça de indivíduos fanáticos e mal informados. Não tem nenhuma base factual. Resulta apenas do delírio ideológico.
Não é por acaso que, no índice de 2019 da Heritage Foundation (https://www.heritage.org/index/), que mede a liberdade económica no mundo, seguindo vários parâmetros exigentes, a Islândia aparece no 11.º lugar, a Dinamarca no 14.º, a Suécia no 19.º, a Finlândia no 20.º e a Noruega no 26.º, à frente de países desenvolvidos como Israel, Coreia do Sul ou Japão.
O princípio dominante das sociedades nórdicas é este: li-ber-da-de.
O resto é pura mistificação. Estão mais para Adam Smith do que para o barbudo Marx, o teórico da “ditadura do proletariado”.
Portugal, que já é um país livre, relativamente desenvolvido e aberto, integrado, hoje, na União Europeia, ocupa o 62.º lugar. A França está no 71.º.
Isto para vermos, comparativamente, a imensa liberdade que reina, de facto, nas terras da Escandinávia, ao contrário de certos mitos, de teor socialista, que circulam por aí, explorando a ignorância alheia.
O socialismo sempre apostou as suas fichas no cinismo, no ódio à liberdade e na capacidade de produzir mentiras de compensação, em cascata.
O que não consegue produzir são sociedades prósperas, livres, confiantes e civilizadas.
Isto, quando muito, ficará adiado para o Dia de São Nunca.
Eis a essência da utopia colectivista: seduzir as massas com promessas bonitas (pelo menos numa análise superficial) e irrealizáveis.
Karl Marx, o charlatão que gastou volumes e mais volumes de papel para criticar o capitalismo, não foi capaz, todavia, de ir além de um parágrafo, ou pouco mais, para descrever, n’ A Ideologia Alemã, por volta de 1845, a futura “sociedade comunista” e a sua específica organização político-social.
Não havia nada a dizer! O vazio impôs-se fragorosamente. O silêncio vale ouro, dir-se-ia.
O encanto da utopia é a sua ingénua estupidez.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 924 de 14 de Agosto de 2019.