Não deixemos cair o Nosso Património

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“A degradação ou o desaparecimento de um bem do património cultural e natural constitui um empobrecimento efetivo do património de todos os povos do mundo”. In: UNESCO, Conservação para a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural.

Introdução 

O centro histórico das cidades de Cabo Verde é importante pois, como escreveu Viollet-le-Duc, (arquitecto francês 1814 – 1879) “como se pode explicar o presente e o futuro sem conhecermos o passado”? 

O aglomerado humano onde vivemos é um património comum a todas as pessoas, com valor social e também económico. Por isso, os bairros dos nossos aglomerados, as ruas e os sítios por onde nos deslocamos diariamente devem ser cuidados pelos seus habitantes bem como pelas autoridades competentes porque, como tal, merecem ser desfrutados e protegidos.

A atenção e o cuidado dado pelos cidadãos ao seu habitat isto é, ao espaço onde os seres vivos vivem e se desenvolvem, são tão importantes como o cuidado que se deve ter para com o património construído. É pois, importante e necessário dar formação e informação aos jovens cidadãos acerca do lugar que habitam, para aprenderem a olhar e a ver a nossa paisagem, os espaços públicos onde nos encontramos, as nossas casas, as nossas ruas, como foram desenhadas, construídas, usadas e transformadas, e ajudar-lhes a entender como têm evoluído e sobretudo a refletir como podem ser melhoradas na ótica do futuro sustentável. 

Objetivos

Este apontamento sobre o estado de algumas das nossas construções antigas que conseguiram resistir à malevolência do tempo, como se o tempo realmente consertasse edifícios e, à fúria devastadora e predadora contra o património por acharem que este impede o desenvolvimento, tem como objetivo:

- Alertar para o apelo mudo e clemente que todos os dias as construções antigas das nossas ilhas estão fazendo, de modo a juntarmos esforços para que a nossa memória construída não desmorone e caia por motivos vários e, antes pelo contrário consigamos recuperá-los para mostrarmos aos nossos filhos, netos e futuras gerações; 

- Sensibilizar para a importância do património construído de Cabo Verde e para situações existentes no contexto histórico, estético, visual de abandono e de vandalização;

- Divulgar nos meios de comunicação e, entre os amigos do património, algum do trabalho ainda a desenvolver após a conclusão do inventário do património pelas entidades competentes.

Responsabilidades

Deixar cair um património construído por se alegar que o mesmo não é propriedade do governo ou não é do município, não nos iliba da quota de responsabilidade partilhada pois, ao falar do património estamos sempre a cuidar simultaneamente de pessoas e de coisas. Pelo que, quando salvamos o património, salvamos a herança e a memória mas também “a humanidade, as pessoas concretas que não podem ter uma vida digna e justa sem a salvaguarda da cultura, da aprendizagem e de identidades abertas, disponíveis e respeitadoras da riqueza da diversidade”.(G. d’Oliveira Martins, Expresso 29/4/2019). 

Outros aspetos que se devem ter também em conta são:

- Assim como John Ruskin, Dvorak (Arquiteto Max Dvorak 1874-1921) enxergou na especulação imobiliária uma inimiga para a preservação do património e citamos: 

“Muitas vezes a modernização e embelezamento da cidade são apenas um pretexto, uma vez que a verdadeira motivação encontra-se nos ganhos obtidos pelos especuladores imobiliários em prejuízo da comunidade. É contra eles que se devem erguer aqueles que realmente prezam a imagem artística de sua pátria”. in “ Catecismo da Preservação do Monumento” Pags 77 e 84). 

Conclusões e recomendações 

- Assim como já se ensina educação ambiental nas escolas de Cabo Verde, temos de insistir na importância da participação efetiva das nossas escolas na sensibilização dos mais jovens relativamente à importância do património cultural, como “riqueza comum e elemento criador de valor, de desenvolvimento, de liberdade e de paz”.(Oliveira Martins, Expresso 29/4/19). 

- Também é urgente retomar a continuação da formação dos técnicos superiores nacionais em universidades estrangeiras tais como no Brasil, Espanha, Itália nomeadamente, para haver capacidade e sensibilidade oportuna ao atender as demandas. 

- E, à semelhança do que acontece em outros países, “ Deve-se prever, legislar e regulamentar sobre incentivos para a preservação de imóveis integrantes do Património Histórico e Cultural Imóvel dos Centros Históricos das nossas cidades” in “Conservação do Património Construído Manual de Boas Práticas”, da autoria do signatário. 

Três exemplos de situações

Somente a título de exemplo do apelo que fazemos às entidades competentes responsáveis, mencionaremos algumas das várias construções existentes em algumas ilhas de Cabo Verde, que carecem de intervenção e, suportam as preocupações acima expressas pois, as ações de preservação não podem nem devem resumir-se a uma lista de edifícios a proteger em cada uma das nossas cidades.

- Quartel Jaime Mota, situado na rua Andrade Corvo, na zona histórica da cidade da Praia, ilha de Santiago, construção do século XIX; 

- Sobrado de Dr. Di Xuma Manuel Ferreira, também conhecido por sobrado de Nhô Ubaldinho sito no Centro Histórico da cidade de São Filipe na ilha do Fogo, construído na primeira metade do Século XX;

- Fortim d’El Rei localizado sobre o monte que domina a Baía do Porto Grande na cidade do Mindelo, ilha de São Vicente, construído no início da segunda metade do Século XIX. 

Sugestão: Carecem todos de intervenção urgente com vista à valorização técnica, funcional, social e arquitetónica dos mesmos após serem restaurados.

A invocação da memória do nosso património histórico leva-nos à certeza de que só cuidamos do que conhecemos e, só protegemos o que amamos.

Preservemos hoje o nosso património construído, antes que caia! 

Sabemos que o futuro jamais será igual ao passado e que, ninguém deseja “uma volta ao passado” pois isso seria com certeza um insucesso. 

O que se pretende é sim: a preservação oportuna dos valores culturais, olhar para o futuro sem saudosismo pois, sendo a cidade um organismo vivo em transformação constante, não podemos prescindir da sua renovação tendo sempre em mente que construir o futuro não implica a destruição do passado.

Por isso, precisamos de:

- arquitetos e engenheiros capazes de construir e planificar um futuro melhor para as nossas cidades, com coragem e qualidade, sem repetir os erros de outras cidades. Ademais, se preservarmos o nosso património atempadamente, não chegaremos à situação de ter de fazer o restauro do mesmo; 

- realizar estudo de identificação e avaliação do valor económico e social do património cultural construído de Cabo Verde, com foco no desenvolvimento nacional equilibrado, com apoio mecenático e também do Ministério da Cultura e das Industrias Criativas do nosso país.

- apoiar ações concertadas entre as Câmaras Municipais e o Instituto do Património Cultural, para o bem do nosso património em geral.

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Autoria:Manuel Spencer Lopes Dos Santos,24 set 2019 6:54

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  28 set 2019 10:39

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