Governo minoritário

PorEurídice Monteiro,22 out 2019 6:33

«Agora quanto entrar pelo taxi ou pelo restaurante adentro uma mulher negra, tenha-se muito cuidado, ela pode ser deputada.»

No passado dia 6 de Outubro, o nosso país irmão – Portugal – foi a votos para a eleição dos 230 deputados nacionais que representarão a nação portuguesa na próxima legislatura, que começará no dia 21 de Outubro. Os resultados eleitorais têm suscitado muita discussão, com os ânimos à flor da pele. Para já, apesar de alguns sinais evidentes de extremismos galopantes, há pelo menos três indicadores que ajudam a acreditar na democracia que se vive na república portuguesa neste momento: 

1) Sem a maioria absoluta, o partido socialista (PS) que venceu as eleições é incitado a negociar com os seus potenciais aliados da esquerda (BE, PCP, Os Verdes, PAN e Livre). Isto significa, com efeito, que há lugar para diálogo permanente em nome da desejável estabilidade governativa durante os próximos quatro anos, denotandose a reconfirmação de um espaço próprio conquistado pelos pequenos partidos na Assembleia da República e da sua vitalidade no sistema democrático português. Isto é sem dúvida um sinal de maturidade da democracia portuguesa e merece uma salva de palmas. Mas, o que esta fragmentação parlamentar implicará? É o que podemos cogitar mais adiante. Por agora, fica este registo.

2) As mulheres ganharam uma maior visibilidade na Assembleia da República. Conseguiram uma representação de 38%, aproximando-se do limiar mínimo de 40% estabelecido pela lei da paridade, revista em 2018 pelo Conselho de Ministros, que passou a incluir a ordenação paritária dos dois primeiros lugares e a rejeição das listas incumpridoras. Com estes dados, pode-se já dizer que as mulheres tendem a deixar de ser marionetas e caixas de ressonâncias de interesses dos partidos dominados por homens, por agrupamentos familiares e pelas igrejas, passando a ter força e expressão própria na Assembleia da República e, de modo particular, em uma ou outra bancada parlamentar. 

3) As minorias raciais tor­naram-se politicamente relevantes, traduzindo essa relevância política na eleição de três activistas negras, algo inédito na democracia portuguesa. O facto de serem todas mulheres (Beatriz Gomes Dias, Joacine Katar Moreira e Romualda Nunes Fernandes) e em três partidos diferentes (BE, PS e Livre) tem o seu significado. Isso significa, acima de todas as coisas, que as minorias raciais e, principalmente, as mulheres negras estão a recusar a invisibilidade, o silêncio e a marginalização que social e historicamente atravessa as suas vidas. Como diz meu amigo angolano António Tomas, «agora quanto entrar pelo taxi ou pelo restaurante adentro uma mulher negra, tenha-se muito cuidado, ela pode ser deputada.» Pode-se também dizer que, finalmente, depois destes anos todos após o 25 de Abril, o lugar da mulher negra já não é naturalmente na área de serviços da Assembleia da República com o balde e a esfregona. Pode-se vê-las das galerias e na televisão. Uma delas gagueja quando fala, mas, para a felicidade da nação portuguesa, nenhuma delas gagueja quando pensa. E é por isso que elas estão a dar que falar em Portugal. É certo que há já algum tempo, um número crescente de mulheres tem disputado as eleições naquele país e algumas têm desempenhado com brilhan­tismo a posição que conquistaram. Desta vez, essas três mulheres inesperadas conseguiram a sua sorte. Tudo isto é um marco histórico e será ainda mais significante se Portugal deixar de lado todo o tipo de preconceito e receber convictamente estas incríveis cidadãs na Assembleia da República. Portugal é que fica a ganhar!

Governo minoritário.

Logo na semana a seguir às eleições, aparentemente recomposto da perda da maioria absoluta que semanas antes estava ao alcance da sua mão, António Costa principiou uma esperada operação pública de charme e jogo diplomático às sedes dos partidos políticos encostados mais à esquerda que conseguiram alguma representação parlamentar. Costa foi sondar o apoio político dos seus antigos aliados, tendo recebido uma nega do Jerónimo de Sousa, líder do partido da foice e do martelo (Partido Comunista Português) e a manifestação de alguma disponibilidade para a negociação de um acordo escrito da parte de Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda. De igual modo, também foi bater às portas de Os Verdes, do PAN (Pessoas, Animais e Natureza) e do Livre. 

Da direita, ainda que com o distanciamento necessário, o PSD de Rui Rio manifestou abertura para entendimento orçamento a orçamento, o que agravou a crise pela liderança nos sociais-democratas nestes dias pós-eleitorais. Assunção Cristas parece que sumiu de vez, depois de ter perdido toda a credibilidade e as eleições. O cargo já ficou vago e, pelo que tudo indica, apenas os mais novos, que do jota se despontaram, parecem interessados em resgatar o partido que Freitas do Amaral fundou. 

No fim de meia volta à esquerda e dos alvoroços à direita, avaliando a geringonça dos últimos quatro anos (que permitiu ao PS, partido derrotado nas urnas pela coligação de Passos Coelho [PSD] e Paulo Portas [CDS-PP], formar governo com o apoio parlamentar da extremaesquerda e assegurar a estabilidade governativa durante uma legislatura a custa de um acordo escrito com BE, PCP e Os Verdes) e atendendo à actual fragmentação parlamentar, resultante das eleições do passado dia 6 de Outubro, a comissão política do partido socialista português entendeu que desta vez o cenário é outro e, por isso, deu cartas brancas ao seu secretário-geral António Costa para formar sozinho o governo, com base única e exclusivamente no seu programa eleitoral, sem acordo escrito com os antigos e novos aliados, até porque, bastará ao PS (pressupõese!) que os partidos da esquerda se abstenham nos momentos decisivos. E assim, conseguirá (presumese!) se fazer valer apenas com os seus deputados contra os deputados da direita unida.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 933 de 16 de Outubro de 2019. 

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Autoria:Eurídice Monteiro,22 out 2019 6:33

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  22 out 2019 6:33

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