Tomemos como referência para esta evocação o ano de 1897, quando Luiz Loff de Vasconcellos, indo da Brava, passou a viver em São Vicente e faz a sua estreia na escrita com a publicação do livro de contos Ecos d’Aldeia – tinha então 36 anos. Seguiu-se uma presença assídua no mundo da literatura e do jornalismo até pouco antes da sua morte, em 1923.
Advogado e periodista, Luiz Loff de Vasconcellos foi director e proprietário da “Revista de Cabo Verde” (São Vicente, 1899), director de “A Opinião” (São Vicente, 1902-1903) e proprietário de “O Independente” (Praia, 1912-1913). Publicou Memorial dos habitantes da ilha de S. Vicente de Cabo Verde (1900); Perdição da Pátria (1900); O Extermínio de Cabo Verde: pavorosas revelações (1903), entre outros, incluindo a elaboração de uma colecção de mornas, ainda inédita.
Nessa época, as elites urbanas, letradas e educadas de acordo com os padrões europeus, pugnavam, de forma generalizada, pela “causa africana”, reivindicando a formação de africanos educados e não de nativos europeizados, a igualdade de condições no emprego e na partilha de bens sociais (educação, saúde, habitação, etc.), a melhoria económica e social das populações africanas e a equidade de representação em órgãos de governo e da administração colonial. É a isso que se veio a designar Nativismo e motivo de debate na imprensa periódica nas duas primeiras décadas do século XX.
Em Cabo Verde, a emergência desse sentimento veio a ser o resultado do efeito da convergência de determinadas condições, endógenas e exógenas, que se foram instalando e desenvolvendo ao longo de várias décadas.
A primeira e mais ampla condição endógena foi a falta de interesse e o abandono secular de Portugal. A recusa do regime de adjacência reclamada pela elite intelectual e a ideia propalada, por certos políticos, da venda de algumas colónias para pagar as dívidas de Portugal, na sequência do Ultimatum inglês e da crise financeira de 1891, foram os motivos próximos. Estes, extremados pela situação das fomes, que causavam uma vida de sofrimento e miséria e muitas mortes, forçando a emigração para as roças de São Tomé.
Só a pobreza das ilhas explica o pouco interesse de Portugal. Desde muito cedo as populações transplantadas para o Arquipélago tinham ficado entregues a si próprias, resolvendo por si problemas de vária ordem: de comércio, de cultivo da terra, de defesa contra a pirataria, de fixação e de criação de núcleos populacionais no interior das ilhas. De modo que uma descuidada tutela e uma desleixada administração colonial nunca permitiram o desenvolvimento moral e material de Cabo Verde, pelo que terão gerado graves ressentimentos e muitos agravos contra a Metrópole, como os jornais relataram na altura.
Em 1900, Luiz Loff de Vasconcellos fez um balanço negro da administração de Cabo Verde: As leis que se decretavam para a província, ou eram inexequíveis, ou atrofiadoras; não havia escolas, para instrução conveniente dos naturais; não havia indústria por falta de protecção; não havia um regime pautal conducente à sua prosperidade; o comércio estava atrofiado por mil e uma peias; a agricultura estava em estado rudimentar, por falta de introdução de novos processos práticos; o socorro aos familiares devido às crises alimentícias absorvia uma boa parte da receita da província; a arborização estava descurada; os naturais das ilhas viviam sem instrução, sem crenças, sem orientação definida, descalço, esfarrapado e coberto de misérias; havia uma oligarquia que era vazia de senso e de patriotismo, que assaltava os cofres públicos, espalhava a intriga e sacrificava o povo; a administração pública era acanhada e subordinada incondicionalmente à vontade do Ministro da Marinha e Ultramar.
Olhando à situação por ilhas, São Vicente, a ilha que, devido ao seu movimento portuário, rendia anualmente cerca de 160 contos de réis, que eram depois consumidos nas diferentes ilhas para assegurar a sua subsistência, não tinha uma ponte cais que satisfizesse, uma doca, um plano inclinado, um armazém para depósito de mercadorias e de materiais inflamáveis; o comércio definhava-se por falta de protecção, a navegação fugia para as Canárias; os passageiros não desembarcavam, porque as facilidades sanitárias eram muito pobres. Santo Antão, fulcral pela sua contribuição agrícola, estava sem caminhos para exportar os seus produtos, a sua agricultura sem protecção, com vastíssimos campos incultos. São Nicolau, pedindo inutilmente o auxílio do governo para o desenvolvimento do importante estabelecimento de educação que era o seu Seminario-Liceu. Sal tinha a sua indústria de sal completamente perdida, por falta de diligência do governo em obter do Brasil a redução do imposto sobre a importação daquele produto. Boa Vista estava aniquilada por falta de providências administrativas que facilitassem e desenvolvessem a criação de gado para que estava vocacionada e a extinção dos gafanhotos, que destruíam as plantações. A ilha do Maio, completamente abandonada. A ilha de Santiago, podendo exportar para cima de quatrocentos contos de réis em semente de purgueira, não exportava nem a metade desse valor por falta de um regime agrícola adequado. As ilhas do Fogo e Brava estavam, por sua vez, abandonadas aos caprichos da Natureza.
O motivo de relutância do governo de Lisboa no desenvolvimento das suas colónias, na opinião de Loff de Vasconcellos (1900), era “o receio que as colónias se desenvolvam e, a breve trecho se emancipem, sem ficarem nossos mercados [...]. Têm medo da emancipação africana!”.
A posição da elite intelectual sobre esta questão era simples: já que a Metrópole não queria nem a colónia nem torná-la território adjacente, ao menos que respeitasse os seus habitantes; que não os vendesse, mas que os deixasse em paz, seguindo o seu próprio caminho; que os abandonasse!
É neste ambiente social e político que Luiz Loff de Vasconcellos, considerado o ideólogo da Geração de 90 e mentor de Eugénio Tavares e José Lopes, se agiganta como patriota e um dos homens que mais batalhou para o progresso da sua terra, tendo, inclusive, defendido a necessidade de haver dois governadores, um para o Sotavento e outro para o Barlavento.
Luiz Loff de Vasconcellos, um patriota e um exemplo a ser seguido nos dias de hoje!
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Entre as letras, um porto de abrigo
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 948 de 29 de Janeiro de 2020.