Muitas são as reflexões que surgem. Cabo Verde apostou muito no investimento de estrangeiros, sobretudo no setor turístico, para alavancar o seu desenvolvimento.
Essa estratégia foi justificada, em parte, pela falta de recursos locais, pela incapacidade de gestão da nossa gente e pela falta de capital. Foi também escolhida na ilusão de que trazer ricos, de uma forma ou de outra, iria beneficiar o nosso país. Esta foi também uma forma de ganhar dinheiro para aqueles serviam de mediadores aos investidores vindos de fora.
De fato, a procura da mão de obra que interessa ao investidor estrangeiro e o turismo criou postos de trabalho para muitas pessoas. Entretanto, depois de 30 anos, no meio deste desastre criado pelo atual vírus, que se aproveita das nossas deslocações para espalhar uma doença, podemos analisar, com um outro olhar, os ganhos dessa escolha estratégica: um salário mínimo de 15 mil escudos que não permite nenhum indivíduo viver dignamente, a subida do custo de vida nas ilhas do turismo de massa e uma confirmada dependência do estrangeiro. Outrossim, perdemos os valores duma tradição que valorizava o sacrifício de cada dia para procurar o pão quotidiano e desenvolveu-se, em contrapartida, uma mentalidade que procura o “dinheiro fácil”. E, muito mais grave, não aprendemos a reconhecer e desenvolver, com a tecnologias modernas, os próprios recursos locais. Assim, costumamos ouvir: “es terra ca ta da nada” ou “ali ca ta dze nada”.
Para alguns, que chegam de fora, vendo um Cabo Verde seco mas, de uma certa forma, desenvolvido, ficam estupefatos e falam em milagre. Também vemos que se criou uma imigração vinda dos países africanos. Confirma-se, assim, que em Cabo Verde existem mais oportunidades de que em outros sítios e do que há 30 anos atrás.
Mas será que esse desenvolvimento beneficiou a todos? Nestes anos, em Cabo Verde, a distância entre pobres e ricos aumentou seis vezes mais e, como no resto do mundo, isso confirma que Cabo Verde está a desenvolver-se para uma elite, deixando que o povo se alimente de migalhas. O Bispo Paulino Évora, numa entrevista ao Jornal Terra Nova, há 4 anos atrás, disse: “Cabo Verde desenvolveu mas o povo/homem ficou de fora”.
Quando o povo/homem fica fora, todo Cabo Verde perde e vê-se as grades nas janelas das casas e os jovens, filhos de pobres como de ricos, que se perdem nas drogas. Está-se a perder a capacidade hospitaleira e o calor humano que, no fundo, são as verdadeiras atrações turísticas (Morabeza) do nosso país. O milagre é dado pelo amor de quem, sacrificando-se, do estrangeiro mandava recursos para casa e que, pela simpatia dos cabo-verdianos, humildes e alegres, atraíam amigos pelo mundo. Se reconhecemos a morna como património imaterial da humanidade é porque reconhecemos nessa expressão cultural a expressão de sentimentos e valores humanos que nos identificam e que podem falar aos homens e culturas de todos os tempos. Mas, se hoje estamos a perder os valores humanos, que são a explicação do nosso milagre, perdemos o conteúdo de qualquer expressão cultural.
Temos hoje a ocasião de tornar positiva uma situação que se apresenta, à primeira vista, muito negativa. Agora, com o turismo estagnado, não nos resta outra escolha senão olhar para a nossa terra (à qual pertence o mar) e à nossa gente. Um olhar profundo e amável nos ajudará a descobrir muitos recursos e criar capacidades para a sua correta exploração. Nos ajudará também a redescobrir o trabalho cansativo que pede dedicação mas cria satisfação e harmonia de relação entre nós. Um trabalho que não deve imediatamente ou necessariamente procurar dinheiro, numa lógica do lucro pelo lucro, mas capaz garantir sustentabilidade. Não temos de rejeitar o que o mundo de hoje nos oferece mas, sermos capazes de inseri-lo numa dimensão humana que tem ao centro o serviço da pessoa.
Temos de recuperar todas as fontes, cujas águas, nestes últimos 30 anos foram todos os dias parar ao mar. Além disso, temos, através da mediação, de convencer os herdeiros de grandes extensões de terras, muitas vezes inutilizadas, a permitirem o seu bom uso para agricultura. Desenvolvimento que estamos a propor, não se alcança a partir do gabinete ou copiando, acriticamente experiências do estrangeiro. Mas consegue-se, a partir duma relação profunda com cada metro quadrado da terra e do mar de Cabo Verde. Temos de valorizar a nossa gente e o nosso país que como sabemos é rico de sol e vento (energia gratuita), duma terra fértil (terra vulcânica) e dum mar extraordinariamente rico.
Não devemos permitir que seja o dinheiro a unidade de medida do que fazemos mas o bem estar das pessoas em todas as suas dimensões tendo em conta que nenhum percurso humano é imediato mas está sempre sujeito à lei da gradualidade confirmando assim o nosso ser humano como recurso principal ao qual reservamos o máximo cuidado para que não se estrague e porque somos conscientes que é ele o único fim do nosso percurso de desenvolvimento.
Frei Silvino Benetti, da Comissão de Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Irmãos Capuchinhos de Cabo Verde