António José da Rosa, licenciado em Direito e Filosofia pela Universidade de Lisboa em 1928.
Aos 23 anos, recém-regressado a São Vicente, desenvolveu uma actividade política antigovernamental, agitando a população e organizando protestos que resultaram em desacatos.
Na decorrência da situação grave que se vivia na ilha do Porto Grande, nos dias 18, 24 e 25 de Janeiro de 1929, o jovem advogado António José da Rosa, que viria a ser director do jornal O Eco de Cabo Verde (Praia, 1933-1935), liderou uma “acção agitadora”, tendo feito correr entre os operários, estudantes do Liceu Infante D. Henrique e outros indivíduos, cópias de um protesto “ofensivo ao Governo da Colónia e de alguns professores do mesmo Liceu”, do que resultou uma manifestação pública no dia 24 em frente da residência do juiz de direito, reclamando a merecida providência por parte das autoridades locais.
No dia seguinte, gerou-se um tumulto, com agressão à pedrada, contra a Administração do Concelho, em que foi ferido o comandante da polícia.
Apuradas as responsabilidades, ao bacharel António José da Rosa foi fixada residência na comarca de Santiago, pelo tempo de dois anos, pelo Governador Coronel Guedes Vaz (1926-1931), e a “Associação Operária Caboverdeana de Socorros Mútuos”, fundada em 1921, acusada de se ter “desviado do fim para que foi instituída, tendo tomado parte activa nos referidos acontecimentos, tornando-se portanto um elemento de desordem e de ameaça ao socego público da ilha, que urge se ponha cobro”, tendo sido, por isso, encerrada e dissolvida.
Doutor Rosinha protagonizou no Tribunal da Praia defesas brilhantes em julgamentos que ficaram célebres. Destaca-se, a título exemplificativo, o julgamento do grupo dos primeiros presos políticos, em 1961.
Conta-se que as sessões do tribunal prolongavam-se até à noite com a sala completamente apinhada. O Doutor Rosinha foi brilhante e arguto na sua argumentação.
Os rapazes saíram livres (e aos ombros da multidão), tendo sido o Doutor Rosinha o verdadeiro herói. A PIDE nunca se reconciliou com o desfecho, tanto é que eram recorrentemente chamados a responder, num assédio permanente até 1974.
Em 1978, com a criação do Instituto do Patrocínio e Assistência Judiciários (IPAJ), Doutor Rosinha foi nomeado para fazer parte da sua Comissão Instaladora. No acto de tomada de posse o Advogado recusa-se a ler o juramento na parte que diz respeito à “fidelidade total aos objectivos do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde”, por não se identificar com o PAIGC.
Doutor Rosinha é autor da morna “’M bâ Nós Senhora di Monte”, que ainda hoje é muito popular e cantada na comunidade bravense nos Estados Unidos da América.
‘M bâ Nós Senhora di Monte
Flor di Brava más fresquinho
Pa’n bâ bebê na sé fonte
Tudo mel di sé carinho.
Sol reiâ, lua subí
Na céu di note nublado,
Simâ um flor nós alma abrí
Na rua neba detado.
Canto el dâ co nha olhar
Coraçam saltâ’l na peto,
Comâ qu’el djobê um djeto
P’el dâ di meu um lugar.
Canto és cantano quel morna,
Qui na sodade és papiâ,
Bem dento di mi um madorna
Qui dâ’m mágoa di’n tchorâ.
‘M fitchâ nha par na nha peto
‘M pertâ’l co odjo fitchado,
Dipós ‘n djobê um djeto
‘M pô ta tchorâ ‘ngatchado.
Pamó lembrâ’m nha cretcheu
‘M creba pa serba nós dós
Neba é sodade na céu,
Tristeza é el dento nós.
Canto qui lua scorâ
Qui strela cambâ na céu
Inda ‘n staba ta sonhâ
Co rosto di nha cretcheu.
‘M bem somâ na djanela
Pa’n odjâ dia rompê.
‘M odjâ na rua um strela
Nha cretcheu bem co manchê.
Letra: Dr. António José da Rosa
Música: Raúl de Pina
https://soundcloud.com/tofaria/nossa-senhora-di-monte-dr-rosa
Doutor Rosinha, o “advogado dos pobres”, foi condecorado, a título póstumo, em 2013, pelo Presidente Jorge Carlos Fonseca com a Primeira Classe da Medalha de Mérito como um “exemplo de coragem, independência e dedicação para todos os advogados e amantes da Justiça”.
Entre as letras, um porto de abrigo
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“O mar vagueia onduloso sob os meus pensamentos
A memória bravia lança o leme:
Recordar é preciso.
O movimento vaivém nas águas-lembranças
dos meus marejados olhos transborda-me a vida,
salgando-me o rosto e o gosto”
– Conceição Evaristo, escritora e poeta brasileira,
in Cadernos Negros, vol. 15
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 964 de 20 de Maio de 2020.