Testemunho de uma médica repatriada do Brasil para Cabo Verde

PorRuth Neves dos Santos,28 mai 2020 17:31

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Repatriada com Dignidade e Honra por um Estado que embora considerado na esfera global de país periférico “subdesenvolvido” é sim um país Central “Desenvolvido” no que diz respeito aos Direitos Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana

Como estudante Cabo-Verdiana e mãe de uma criança de 4 anos residente no Brasil, Doutoranda do Programa de Saúde Global e Sustentabilidade da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, me dirijo a todos os CABO-VERDIANOS em especial ao Ministério dos Negócios Estrangeiros na Pessoa do Ministro Luís Felipe Tavares, à Embaixada de Cabo Verde nas pessoas da Sra. Fátima Almeida (Conselheira Diplomática), o Sr. Júlio Cesar Correia (Oficial da Embaixada), e ao Consulado de Cabo Verde em São Paulo nas pessoas do Consul Emmanuel Rocha e seu Assessor o Sr. Luís Rogério, para expor resumidamente o que foi o processo do Repatriamento do Brasil para Cabo Verde e o início da quarentena em que já nós nos encontramos. Isto, com o objetivo maior de expressar meu sentimento de gratidão e de orgulho de ser filha destas desgarradas ilhas no Atlântico.

Quero reconhecer e parabenizar a todos os CABO-VERDIANOS pelos esforços e medidas tomadas no enfrentamento da pandemia do “novo Coronavírus”, SARS-Cov-2, Covid-19, consoante reconhecido em 11 de março de 2020 pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Bolsista de Cabo Verde fui ao Brasil no início dos anos 2000 cursar medicina na Universidade de São Paulo. Após graduar, com desejo de complementar meus estudos capacitando me cada vez melhor para servir meu país, aproveitei as oportunidades de estudo na Universidade de São Paulo, por conta própria permaneci no Brasil a despeito de todas as dificuldades socio econômicas de estar longe da família e da terra. Prestei prova para especialidade médica de Clínica geral de Família e Comunidade, com uma Bolsa empréstimo feita aqui em CABO VERDE com o BCA, concluí a pós-graduação. Ao final da pós-graduação e envolvida com o ensino e pesquisa na Universidade, surgiu a oportunidade de ser contratada pela própria Universidade através da Fundação Faculdade de Medicina para trabalhar no projeto Região Oeste na Atenção Primária a Saúde onde permaneci até 2018. Neste período casei me, tive uma filha de uma relação abençoada que porém ao cabo de 7 anos conheceu inúmeras dificuldades por vezes intransponíveis o que resultou no divórcio mantendo contudo uma relação de amizade e confiança na tomada de algumas decisões salvaguardando a segurança da nossa filha.

Em dezembro de 2019 após a qualificação do meu projeto de doutorado, cujo tema da pesquisa é “ANÁLISE DA IMPLEMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA COM RELAÇÃO À SÁUDE E REABILITAÇÃO EM CABO VERDE” projetei o retorno definitivo para CABO VERDE, com o objetivo de iniciar as pesquisas de campo para o desenvolvimento da tese de doutorado sob orientação a distância, a medida que me inseriria como um recurso técnico de CABO VERDE. Contudo, veio a pandemia e mudou todas as previsões de datas dos planos traçados, e hoje me encontro aqui no Hotel Pérola em quarentena.

Fui repatriada com minha filha e mais cerca de 80 Cabo-Verdianos no Voo 9700 da Companhia Aérea Brasileira Azul.

Um voo resultante de uma NEGOCIAÇÃO DIPLOMÁTICA BEM SUCEDIDA do Ministério dos Negócios Estrangeiros de CABO VERDE com as autoridades brasileiras,como governo brasileiro e com uma Identidade Religiosa que tinha cerca de 51 missionários Cabo-Verdianos que estavam no Brasil.

Como cidadã Cabo-Verdiana, venho a público manifestar meu sentimento de gratidão e dizer que fui repatriada com Dignidade e Honra por um Estado que embora seja na esfera global considerado país periférico “subdesenvolvido” comporta pela sua cultura e boa governança como um país Central “Desenvolvido” no que diz respeito aos Direitos Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana.

Do pedido de repatriamento, das respostas do Consulado e Embaixada, do início da viagem no aeroporto de Viracopos em Campinas – SP com presença do consulado de Cabo Verde em SP, na pessoa do Sr. Luís Rogerio no apoio e coordenação do embarque de todos nós Cabo-Verdianos; a chegada no Aeroporto Internacional da Praia com os serviços fronteiriços, dos serviços de vigilância sanitária, as pessoas das forças armadas e segurança nacional com uma organização coordenada da nossa distribuição para os hotéis de cumprimento da quarentena, as pessoas do apoio e movimentação das bagagens no aeroporto ao Check-in no Hotel foi tudo muito bem organizado e operado com muito respeito e humanidade, mesmo diante de toda a tensão que traz a questão dos riscos imposto pela pandemia do “novo Coronavírus”, SARS-Cov-2, Covid-19.

As medidas de distanciamento e segurança epidemiológica para prevenção de contágio e transmissão do vírus estiveram a todo tempo em destaque e colocados em prática de acordo com todos os recursos disponíveis e dentro de um ambiente acolhedor e seguro.

Deixo aqui nesta nota publica meu sentimento de GRATIDÃO ao Governo de CABO VERDE e a todos os Cabo-Verdianos pelo processo de repatriamento bem sucedido e pelo tratamento digno que nos foi dado.

Aproveitando gostaria de:

  • 1. Parabenizar Cabo Verde que por meio de um governo democraticamente eleito, e apoiado pelas forças políticas nacionais estão focados no combate ao Coronavírus. E em especial pela resolução nº73/2020.
  • 2. Parabenizar o Ministério da Saúde de Cabo Verde e aos colegas de todas as áreas de Saúde, as ONGs, aos órgãos de Comunicação, e a todos homens, mulheres e crianças no território nacional que vêm agindo com seriedade e responsabilidade no enfrentamento da pandemia do Coronavírus.

Aproveito também como médica para fazer um apelo ao povo Cabo-Verdiano, dizendo o seguinte:

  • 1. Por mais que os resultados em Cabo Verde estejam melhores que em algumas regiões do mundo, a pandemia continua sendo uma ameaça para todos nós.
  • 2. Se por um lado houve um trabalho conjunto para controlar a magnitude da disseminação do vírus no território com o distanciamento social, agora se faz muito importante e necessário o uso obrigatório das máscaras de proteção, pois a proteção ela é individual e coletiva em que a responsabilidade do autocuidado impacta fortemente na saúde pública e na economia do país.
  • 3. Prevenir não dói e custa pouco.
  • 4. Face à evolução da pandemia em que já nos encontramos em quase todas as ilhas saindo do estado de emergência, APELO A TODOS NÃO AFROUXAR nas medidas de cuidado pois ainda não podemos cantar a vitória sobre o Coronavírus, mesmo nas ilhas ou regiões do país onde até hoje não foram notificados casos confirmados de Covid-19 deve-se manter todos os cuidados.
  • 5. O vírus continua existindo e é invisível, faz-se necessário mantermos conscientes dos riscos,seguir as medidas de enfrentamento da pandemia de forma coletiva no desconfinamento social.
  • 6. Lembrar sempre que ainda estamos em estado de calamidade pública para que a retomada dos direitos e garantias individuais nesta fase da saída de estado de emergência a circulação e comercialização, sejam feitas com responsabilidade pelo direito sanitário à saúde e o bem estar público. Lembrar que a conquista alcançada em diminuir a incidência da doença no país foi em grande parte resultante do isolamento social o que permitiu ao Serviço Nacional de Saúde dar resposta nos cuidados a todos os doentes.
  • 7. E por fim e não menos importante, PARA EVITAR QUE VENHAMOS A RETROCEDER é necessário que continuemos todos a cumprir aquilo que as autoridades em saúde estão a nos pedir:
  • 7.1.1 Cumprir rigorosamente o uso das máscaras e seguir todas as orientações sobre o uso e descarte adequado das máscaras
  • 7.1.2 Manter o distanciamento social
  • 7.1.3 Manter a etiqueta respiratória
  • 7.1.4 Manter a lavagem frequente das mãos com água e sabão,quando possível e disponível o uso do álcool gel a 70% na ausência de condições para a devida lavagem das mãos.
  • 7.1.5 E quando necessário, cumprir rigorosamente o isolamento social

Porque a saúde é um bem individual e público, e não deixa de ser um recurso para o desenvolvimento social e econômico para qualquer país e para a sustentabilidade da saúde global.

Ruth Neves dos Santos

Médica e Estudante repatriada do Brasil a 25/05/20

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Autoria:Ruth Neves dos Santos,28 mai 2020 17:31

Editado porSara Almeida  em  8 mar 2021 23:20

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