Tendo em conta este novo contexto global é oportuno questionar-se se a pandemia não terá por efeito de acrescentar o fosso económico que existe entre os países mais desenvolvidos e os mais pobres, em particular de África, e o que se pode fazer par mitigar e tentar superar este risco.
A divergência económica
Estima-se que no período 1870-1990 o rendimento per capita dos países mais pobres do planeta tem caído numa proporção de cinco vezes em relação ao dos países mais ricos[1]. Segundo este estudo essa divergência económica se deve a padrões de performance muito diferentes entre os dois grupos de países.
Ora, olhando de 1990 para cá, convém observar alguns fatores que de certa forma acrescentam os riscos de consolidar a divergência económica, entre os quais importa salientar:
(i)a concentração das economias em atividades de comercialização de matérias primas não transformadas (e.g. petróleo bruto, minérios, cacau ou caju) ou no turismo. Essa fraca diversificação das exportações deve-se em parte ao reduzido grau de penetração tecnológica e digitalização das economias; assim sendo os países continuam a ser consumidores de bens e serviços de alta valor acrescentada provenientes de fora do continente, o que equivale a exportar empregos;
(ii) a fraca taxa de mobilização de recursos internos das economias devido à limitada competitividade das empresas nacionais no nível global e à fraca taxa de poupança nacional; isso tem por consequência que aos provedores normais de recursos ao estado por via de tributação (as empresas e os agregados familiares) tem de se substituir agentes exteriores por via de endividamento;
(iii) o círculo invirtuoso da baixa produtividade da dívida que já se tem debatido nestas colunas num artigo anterior e que a qualquer momento poderá desaguar numa nova crise, mas desta vez mais aguda que nos períodos entre 1995 e 2005, pela natureza predominantemente comercial da mesma.
O desafio do crescimento do setor informal
O corolário da situação descrita acima para os estados africanos é uma acrescentada evolução da proporção do setor informal nas economias uma vez que os governos costumam ser os maiores atores económicos, ou em outras palavras, os maiores compradores de bens e serviços às empresas.
Com a queda do preço das matérias primas no mercado internacional e a baixa no setor do turismo gerado pela covid-19, as finanças estatais estão tensas e uma fatia cada vez crescente do orçamento tem de ser direcionada ao pagamento de juros da dívida em vez de ser injetada na economia nacional. Logo, muitas empresas se encontram sem rendimentos e, portanto, incapazes de proporcionar oportunidades de empregos formais à sociedade. Em África a proporção dos empregos informais foi estimada a uma média de 75% entre 2000 e 2016[2] e a recessão económica causada pela pandemia do covid-19 poderá ter o efeito de piorar este quadro.
Sabe-se que em relação ao setor formal, ambos os salários e a produtividade são significativamente inferiores e que de forma geral o trabalhador do setor informal não tem nem segurança de saúde nem proteção social. Uma acrescentada taxa de informalidade levará portanto, efetivamente, a uma pauperização da população, com os efeitos conhecidos de debilidade social e insegurança.
No entanto, é útil observar que a informalidade tem persistido nas economias africanas não obstante as melhorias do quadro regulatório que se vem observando nos últimos anos, o que questiona os padrões de performance económica e a pertinência real das altas taxas e crescimento do continente observados nos últimos anos.
O imperativo de reinventar o modelo de crescimento
Observa-se que em África, como também sucedeu em América Latina, houve a partir dos anos 1980s um processo de desindustrialização prematura e uma expansão do mercado informal que se pode rastrear à larga adoção do Consenso de Washington ao nível internacional como política de base para fomentar o desenvolvimento[3].
Ao inverso, os países da Ásia do Leste deram continuidade a um processo de industrialização que já tinha iniciado em vários países em desenvolvimento entre os anos 1950s até o fim dos anos 1970s. Perseguiram, com intencionalidade, na via de desenvolvimento liderado pelo estado com intervenções estratégicas que fomentaram e ampararam o desenvolvimento da capacidade produtiva local, gerando grandes números de empregos em atividades de manufatura com alta intensidade de mão de obra.
Hoje em dia essa estratégia de Estado desenvolvimentista se vê em aplicação em países tais o Vietnam, a Malásia, mas também o Marrocos, o Ruanda ou a Etiópia.
Outrossim, o boom dos preços das matérias primas nos anos 2000s, despoletado pelo alto crescimento da China, acelerou uma re-primarização das exportações africanas e tem estado à base do crescimento do PIB no continente nos últimos 20 a 25 anos.
Assim sendo, a crise do covid-19 veio revelar a vulnerabilidade deste modelo de crescimento baseado não na industrialização, mas sim na exportação de matérias primas ou de serviços sem valor acrescentado. Daí que a melhoria do quadro regulatório supracitada não ter surtido os efeitos desejados, em termos de dinamização do setor privado.
Logo, o fomento da indústria ligeira de exportação incluindo o agronegócio, suportada com intencionalidade pelos estados, aparece como a solução adequada para dinamizar e estruturar o um setor privado nacional forte que criará empregos formais a certa escala[4]. O setor do turismo que também é gerador de empregos, pode ser transformado por via do turismo medical, estético ou de formação.
A longo prazo um maior investimento na promoção e no ensino das disciplinas STEM (siglo inglês para Ciências, Tecnologias, Engenharia e Matemática) e uma melhoria no acesso às tecnologias pelas empresas e a juventude serão essenciais para que África possa dar um passo firme pela frente no que tange à sua produtividade, competitividade e capacidade de criar empregos formais a grande escala.
[1]Pritchett, L. (1997). Divergence, Big time. The Journal of Economic Perspectives - Vol. 11 No. 3, 3-17.
[2]Banco Mundial. (2019). World Development Report 2019 - The changing nature of work.
[3] Paus, E. (2018). "The future is not what it used to be" in Confronting Dystopia - The new technological revolution and the future of work. Eva Paus Ed. Ithaca, New York: Cornell University Press.
[4] Chandra, V. (2018). "Light manufacturing can create good jobs in Sub-saharan Africa" in Confronting dystopia - The new technological revolution and the future of work. EvaPaus Ed. Ithaca, New York: Cornell University Press.