Ensino Remoto de Emergência (ERE) pode ser um agente de contaminação em contexto de pandemia (I)

PorMaria Luísa Inocêncio,19 dez 2020 8:23

Doutora em Ciências da Educação
Doutora em Ciências da Educação

​Este artigo tem como propósito objetivo refletir sobre a viabilidade dos processos de ensino aprendizagem em ambientes virtuais, em alternativa ao paradigma de educação tradicional que impõe exclusividade aos seus principais agentes a presença física e local.

Visa também ajudar a equacionar os fatores de sucesso no processo de ensino e aprendizagem em ambientes eletrónicos de emergência.

A presencialidade como elemento indispensável de aprendizagem tende a passar à história. Partilhamos a ideia de Ramos (2020) quando afirma que a sala de aula, como espaço de encontro regular, onde as práticas pedagógicas são desenhadas “para ambientes estáveis, previsíveis e expetáveis (…) e para o espaço físico” e as metodologias previamente determinadas, já não são suficientes para responder com maior eficácia às exigências atuais.

Face às novas possibilidades tecnológicas, os ambientes emergentes e de contextos de aprendizagem propendem a ser mais ecléticos, diversificados, eficazes e melhor ajustados às reais circunstâncias e dinâmicas educativas (Silva, 2020).

Em Cabo Verde, em decorrência do agravamento da situação epidemiológica e com a declaração, em abril de 2020, do Estado de Emergência no país, encerraram-se os estabelecimentos de ensino, tendo sido suspensas as aulas presenciais. Com o isolamento domiciliário “forçado” dos principais agentes educativos e, face às dificuldades advenientes do período de confinamento e da crise económica provocada pela Covid-19, o Ministério da Educação (ME) recorreu ao Ensino Remoto de Emergência (ERE) como a solução possível emergencial, até ao regresso ao fluxo normalda atividade presencial em sala de aula. Ou seja, o ERE surgiu como resposta a uma situação excecional que se impunha para minimizar o impacto da descontinuidade abrupta da atividade letiva assim como para mitigar as consequências negativas que o confinamento pudesse ter no bem-estar pessoal e familiar dos estudantes.

Nesse contexto, a produção de vídeo aulas com recurso à televisão como tecnologia de mediatização (transmissão) de conteúdos surge como a solução possível para viabilizar a continuidade dos processos educativos nos ensinos básico e secundário.

Ensino Remoto de Emergência (ERE) expõe fragilidades sociais

O recurso ao ERE veio expor muitas das discrepâncias e vulnerabilidades sociais existentes no seio de inúmeras famílias cabo-verdianas, exacerbando as condições de desigualdade de oportunidades para uma educação de qualidade. De facto, fatores estruturais e uma variedade de condições pré-existentes (pobreza e falta de energia elétrica…) condicionaram o acesso de todos às vídeo aulas. Os conteúdos dessas aulas chegaram em suporte papel (impresso) aos alunos cujos pais não tinham televisor em casa, não obstante as desvantagens que este tipo de suporte apresenta quando comparado com o poderoso écran televisivo.

O acesso à educação de qualidade não pode ser um luxo de que apenas alguns podem beneficiar, mas responsabilidade social e direito assegurado pela escola inclusiva. Importa perceber que não basta que políticas articuladas e integradoras sejam implementadas, é fundamental que essas políticas tenham impacto e sejam promotoras de uma educação de qualidade e de equidade no acesso e protejam os mais vulneráveis. (UNESCO, 2020)

Ensino Remoto de Emergência versus Ensino a Distância (EaD)

Muito embora exista alguma similitude entre estes dois conceitos – Ensino Remoto de Emergência e Ensino a Distância – é necessário entender que os mesmos possuem significados díspares, pelo que o seu uso não deve ocorrer de maneira indiscriminada, desadequada e abusiva. O ERE não é um modelo de ensino a distância, já que não corresponde aos fatores de qualidade que o processo de EaD implica. Observemos, ainda que sucintamente, o que cada um significa e quando os utilizar.

O termo Remoto, que significa distante no espaço físico, remete para um distanciamento tão-somente geográfico. O Ensino é considerado remoto porque os principais agentes educativos (professores e alunos) estão privados, por força de lei, de estarem presencialmente no mesmo espaço local. É de Emergência porque surge de uma adaptação não planeada e improvisada para dar resposta a uma situação considerada temporária, pontual que se decreta (Behar, 2020). Tanto assim é que o ERE é chamado de solução “penso rápido” (Martins, 2020). Nada mais verdadeiro.

A discussão acerca do(s) modelo(s) de ensino não presencial, que melhor se ajusta(m) às necessidades e especificidades do nosso país, torna-se absolutamente necessária sob pena de o ERE vir a transformar-se num “agente infecioso de rápida propagação, sendo promotor de tolerância à baixa qualidade e amplificador de resistência à Educação Online!”, como assertivamente alerta Neuza Pedro (2020).

É importante perceber que em Cabo Verde, o que efetivamente, aconteceu não foi o ensino a distância, já que este não se compactua com práticas de reduzida qualidade. Não se pode permitir que o EaD ganhe má reputação e que se crie ceticismo em relação à sua qualidade.

O ensino a distância, ou simplesmente EaD, é uma modalidade de ensino eminentemente de comunicação assíncrona que remonta ao séc. XVIII. Com uma longevidade assinalável e experiência fundamentada em evidência científica, hoje em dia, no que tange à EaD “já não são aceitáveis conceções, discursos e práticas tradicionalistas pouco informadas e reticência em relação ao modelo de ensino dotado de especificidades e características próprias para promover a educação” (Pedro, 2020).

Sem pretender, nesta reflexão, esmiuçar o conceito de EaD e as suas potencialidades no contexto da educação em Cabo Verde o que, oportunamente, será feito, limitar-nos-emos a duas abordagens centradas nos conceitos de Formação a Distância (FaD) e de Ensino a Distância, para se perceber o conjunto de ingredientes chave que constituem as suas principais características. A primeira abordagem é de 2001 e vem do campo da Formação Profissional de Portugal e, a segunda, de 2019, está associada ao Regime Jurídico de Educação Superior a Distância do mesmo país, a saber:

1) “[FaD] É um método de formação com reduzida intervenção presencial do formador, em que se recorre à utilização de materiais didácticos diversos em suporte escrito, áudio, vídeo, informático ou multimédia, com vista não só à aquisição de conhecimentos, como também à avaliação do progresso do formando. (…) A formação à distância compreende uma componente de ensino-aprendizagem à distância com tutoria e uma componente presencial, materializado pela realização de sessões presenciais em locais específicos e com objetivos determinados”

2) Entende-se por Ensino a Distância um ensino predominantemente ministrado com a separação física entre os participantes do processo educativo, designadamente docentes e estudantes, em que: i) A interação e a participação são inteiramente mediadas e apoiadas por equipas online e suporte académico e tecnológico; ii) O desenho curricular é orientado para permitir o acesso sem limites de tempo e lugar aos conteúdos, processo e contextos de ensino e aprendizagem; (iii) O modelo pedagógico é especialmente concebido para o ensino e aprendizagem em ambientes virtuais” (Pedro, 2020).

Conclusivamente, diríamos com Dias (2020) que o EaD de qualidade não significa fazer os alunos assistirem a horas de vídeo com o professor a expor matéria, sendo certo que uma das suas principais peculiaridades é precisamente o predomínio de atividades que não exigem simultaneidade de presenças (o professor e os alunos estão fisicamente separados). Se devidamente adaptado e instalado no sistema educativo cabo-verdiano poderá responder na perfeição às exigências do processo de ensino-aprendizagem e à situação de distanciamento social imposta pela pandemia da Covid-19. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 994 de 16 de Dezembro de 2020.

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Autoria:Maria Luísa Inocêncio,19 dez 2020 8:23

Editado pormaria Fortes  em  20 dez 2020 9:22

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