Esta vontade de partir, ou como diz o poeta, de se ausentar de Cabo Verde, parece que faz parte do nosso ADN. No século passado, para fazer um curso superior era mesmo obrigatório ir para o estrangeiro porque não tínhamos universidades no país. Felizmente, a realidade mudou e hoje temos universidades e escolas de ensino superior, algumas ministrando cursos de elevado nível. Mas mesmo assim, a vontade de ir estudar fora mantêm-se.
A vontade de ausentar dos jovens é natural e até saudável. Querem conhecer novos mundos, coisas que só acompanham pela internet, conhecer outras culturas, enfim…. Tenho dito, e estou disso convencida, que ir para a universidade não é só ir para uma escola qualquer com esse título. É ir para um mundo em que a busca do conhecimento, a prática do pensamento crítico, o desafio intelectual, são uma constante. É ir para um espaço onde diariamente se convive com pessoas de outras partes do país ou do mundo. É sair do nosso lugar de conforto e tornarmo-nos mais fortes, resilientes e inovadores pelo conjunto de conhecimentos científico e culturais que adquirimos e pelas experiências que passamos.
Por isso não concordo com os discursos políticos de ter universidades em todas as ilhas. Não temos, nem teremos neste século, recursos financeiros para dotar cada ilha com uma UNIVERSIDADE. Mas temos e teremos cada vez mais (se nos esforçarmos) capacidade e meios para que os nossos jovens tenham acesso a boas universidades no país ou no estrangeiro. Universidades em que circule o conhecimento endógeno e o proveniente de outras partes do mundo, com professores de grandes universidades africanas e de outros continentes que sejam também leitores, professores temporários nas universidades de Cabo Verde.
Quem teve oportunidade de frequentar uma universidade com prestígio reconhecido sabe do que estou a falar!
Compreendo, pois, e apoio a vontade dos nossos jovens de ainda quererem ir para o exterior continuar os estudos e ter oportunidade de ver exposições, visitar museus, assistir a concertos, ir ao cinema, ou simplesmente perder-se numa grande biblioteca!
O ano escolar começa na Europa (destino da grande maioria dos nossos estudantes) em meados de Setembro. Também nos Estados Unidos da América. Os resultados das candidaturas nacionais estão a sair e no final do mês de Agosto os estudantes começam a partir para os países onde irão ficar nos próximos anos.
Sucede que neste ano de 2021, teremos eleições presidenciais em Outubro.
Muito temos insistidos com os jovens que até lá completam 18 anos para se recensearem e para se prepararem para votar pela 1ª vez.
Infelizmente, centenas de estudantes não vão conseguir votar nas presidenciais de Outubro. Tudo porque as comissões de recenseamento interpretam que a nossa lei faz uma exigência impreterível de registo presencial no local de recenseamento da nova residência. Assim, um jovem que esteja na Praia até dia 12 de Agosto (último dia para recensear ou pedir transferência da inscrição, de acordo com o calendário eleitoral publicado pela CNE) e já saiba que no dia 17 de Outubro estará em Lisboa, por exemplo, não pode pedir a sua transferência para Lisboa! Para fazer isso teria de estar já em Lisboa. Faz algum sentido esta norma, ou este entendimento da norma?!
Considerando que o Código Eleitoral permite que uma pessoa seja oficiosamente inscrita no recenseamento (art.35º), como justificar que a própria pessoa, já sabendo o lugar onde estará a residir no momento das eleições, não possa requerer a transferência da sua inscrição no local onde ainda está a residir?
O Tribunal Constitucional tem tido uma jurisprudência muito assertiva no sentido de afastar obstáculos normativos que violam o direito à participação política dos candidatos às eleições, sejam eles partidos, grupos de cidadãos ou pessoas singulares. Esta jurisprudência está acessível e devia ser conhecida e estudada por quem está a frente de qualquer fase importante do processo eleitoral, de forma a que se compreendesse melhor a importância das normas e princípios da Constituição da República. Evitaríamos, com esse conhecimento, algumas reclamações!
Acresce que estamos a viver tempos novos, determinados pela pandemia do COVID-19. Por causa desta situação, aperfeiçoou-se o uso das tecnologias para facilitar aos cidadãos o exercício dos seus direitos. Hoje, para fazer uma candidatura, para solicitar uma diligência ou para obter o meu certificado de vacina, já não preciso estar presente num qualquer balcão público. Faço-o através do computador, em qualquer local. Mas para pedir a transferência de inscrição no recenseamento eleitoral, tenho de ir a correr para Lisboa ou para qualquer outra cidade onde estarei a residir na data das eleições. Não interessa que não haja ligações aéreas, nem que os bilhetes estejam ao preço da morte, nem que o Centro Comum de Vistos esteja fechado para vistos de turismo (porque os de estudante ainda estão a ser tratados). O cidadão que se desenrasque caso queira muito votar. Que falta de bom senso é esta?
Sendo o direito de votar um direito constitucional e um elemento determinante para o reforço da democracia do nosso país, entendo que a interpretação da comissão de recenseamento da Praia que não aceitou o pedido de uma jovem para que a sua inscrição fosse transferida para Lisboa, local onde estará a residir permanentemente a partir de início de Setembro, é inconstitucional e muito lesiva do direito de participação política desta recém adulta que tanto anseia por votar.
Praia, aos 11 de agosto de 2021
Lígia Dias Fonseca