Do preço do gás butano: - O regresso à lenha e o incremento do furto de energia

PorAntónio Ludgero Correia,11 out 2021 8:33

“O problema não é que eles não enxergam uma solução, mas que eles não enxergam o problema.” Charles F. Keterring

Enquanto o país sai à rua contestando o novo tarifário da energia elétrica – adentro, aliás, da estratégia visando levar o Governo a governar na rua – o Cabo Verde profundo regressa à saga do derrube de árvores para fazer lenha e investe forte na aquisição de fogareiros elétricos (verdadeiros sorvedouros de energia elétrica). E, apesar das incongruências, ninguém diz nada, ninguém faz nada. Porquê?!!

Porque se é verdade que todo o mundo está verdadeiramente preocupado com o novo tarifário da energia elétrica, porque não se questiona o ataque às prateleiras dos fogareiros elétricos, grandes consumidores de eletricidade, por parte de pessoas de baixa renda? Ou todos sabem o que se passa e ficam mudos e quedos e isso reflete uma cumplicidade a todos os títulos questionável; ou acredita-se que a renda do cabo-verdiano que aufere de um a três salários mínimos permite-lhe dar-se ao luxo de cozinhar a eletricidade em um momento em que todo o mundo contesta os altos custos desse bem essencial. De todo o modo, há algo cheirando mal no reino da Dinamarca.

As perguntas que não se querem calar são estas: PORQUE CIDADÃOS DE BAIXA RENDA ESTÃO MIGRANDO DO GÁS DE COZINHA (o nosso velho conhecido gás butano) PARA FOGAREIROS ELÉTRICOS, EM UM MOMENTO EM QUE O CUSTO DA ELETRICIDADE VAI AUMENTAR? PORQUE FAMÍLIAS DO MUNDO RURAL ESTÃO SE VOLTANDO PARA O ABATE DE ÁRVORES PARA PRODUZIR LENHA PARA COZER SEUS ALIMENTOS, EM UM MOMENTO EM QUE, APARENTEMENTE, TODO O MUNDO ESTÁ PREOCUPADO COM AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS?

A resposta é uma só, simples e rasa: o preço do gás butano tem estado a subir em flecha. Paga-se já 2.013 CVE (1913 + 100) para ter uma garrafa de 12,5 Kg de gás à porta de casa. Ultrapassámos a barreira psicológica dos 2.000 CVE por um botijão.

Em um país onde o rendimento das famílias anda pela hora da morte, como encaixar o novo preço do gás butano no orçamento familiar?

O Governo sempre pode recorrer ao orçamento retificativo, adiando, por tempo indeterminado, o pagamento dos recursos utilizados para financiar a retificação do orçamento.

O zé-povinho, esse, no mês em que “enche” o botijão, vai comer menos e pôr alguns calotes. A não ser que volte às práticas de antanho, pegue na sua catana, e entre a desmatar os micro oásis de vegetação para produzir lenha para cozer os alimentos e alimentar o seu forno rudimentar de fabrico de pão e bolacha artesanais. Pode, também, adquirir fogareiros elétricos (os tais sorvedouros de eletricidade) para confecionar seus alimentos.

Mas porque optar por sorvedouros elétricos, se o objetivo é baixar (ou manter) a fatura de energia? A resposta todo o mundo sabe, embora uns quantos, com ampla responsabilidade na matéria, continuem ta da pa dodu. A energia elétrica consumida por esses fogareiros é roubada (eu acho que é furtada, mas se a provedora do bem diz que é roubada, lá sabe ela) na rede, através de gatos e expedientes outros.

Colocando a questão da forma como estou fazendo, já vejo gente resmungando “PORQUE O GAJO NÃO SAI ENTÃO À RUA, CONTESTANDO O PREÇO DO GÁS?”.

Bem… Não saio à rua contestando o preço do gás porque acredito que, aplicando o algoritmo aprovado, a Reguladora só podia chegar a esse valor. Depois, porque sabendo onde está a falha, me parece mais justo levar as pessoas e o Governo a refletir nas consequências das coisas estarem a ser feitas da forma como estão sendo feitas e não da maneira como deveriam ser feitas. É uma questão de POLÍTICA ENERGÉTICA E… AMBIENTAL.

Em um país situado no enfiamento do Sahel, onde quase não chove ou chove mal e porcamente, em pleno século XXI, com todo o mundo preocupado com o ambiente, a preocupação com a manutenção (se não o aumento) da cobertura verde do território deveria estar no centro das atenções dos poderes públicos.

Ademais, estamos perante uma realidade em que as contas da empresa da eletricidade só começaram a sair do vermelho depois que o algoritmo de cálculo das tarifas passou a incluir as perdas não acautelas (os tais furtos que as campanhas da empresa chamam de roubo), i. e., depois que os consumidores PAGANTES passaram a pagar pelo seu consumo e pelo consumo dos GATOS.

Quer tudo isso dizer que o Governo da República – dispondo de elementos que o levam a projetar maior agressão ambiental na sequência do aumento galopante dos preços do gás de cozinha – continua deixando tudo nas mãos do soberano MERCADO. É fé a mais!

Quer isso dizer também que – sendo previsível o aumento do furto de energia elétrica em consequência do seu custo, pouco menos que proibitivo, e da eleição de fogareiros elétricos, alimentados clandestinamente, para substituir o gás butano – a fatura de energia que cada um de nós vai pagar incluirá, para além do nosso consumo, o consumo daqueles que migraram do butano para os fogareiros, e, ainda assim, nos limitamos a questionar o tarifário final da energia elétrica, deixando de fora a questão da lei do menor esforço da empresa e apadrinhada pelo poder. Não podendo acautelar os furtos, vai de cobrar aos pacóvios que pagam caladinhos.

Imaginem que alguém que nos fornece o leite começa, de repente, a constatar que as suas contas não saem do vermelho, porque lhe andam a furtar o leite, e vai de começar a cobrar-nos tanto pelo leite que consumimos como pelo leite que lhe vêm roubando! Que compre um cachorro grande, contrate uma empresa de vigilância, faça o diabo-a-quatro, que acautele o furto do leite, de modo a que paguemos apenas o leite que encomendamos e consumimos. Por aí.

De todo o modo, este libelo tem um escopo único: SUGERIR AO GOVERNO QUE INTERVENHA NO PREÇO A PAGAR POR UM BEM TÃO ESSENCIAL QUANTO O GÁS DE COZINHA. Uma questão de política energética e ambiental.

Se é certo que o algoritmo com que trabalha a reguladora chega aos 1.913 CVE por botijão de 12,5 Kg, nada impede que o Governo garanta à distribuidora do gás esse montante, pondo de pé um dispositivo para cobrir o diferencial entre o PVP (Preço de Venda ao Público) e o Preço calculado pela ARME (Agência Reguladora Multissectorial da Economia). Sei que este Governo é alérgico a subvenções, mas, caramba!, não vejo melhor aplicação para o FUNDO DO AMBIEENTE do que a subvenção dos preços do gás de cozinha. É claro que o Fundo do Ambiente é apenas um exemplo (um bom exemplo, se me desculparem a imodéstia). Mas haveria outros recursos a considerar: o Tesouro Público poderia contribuir (é uma boa causa); parte do diferencial poderia ser diluído no preço da gasolina; etc., etc.

Daí que nada impede que o Estado fixe, para um ano económico, o PVP do botijão de butano de 12,5 Kg em 1.500 CVE, por exemplo, fixando a modalidade de financiamento do diferencial de preço – diluição no preço da gasolina, fundos do Tesouro Público, Fundo do Ambiente, que sei eu?!

Por outro lado, tudo aponta no sentido de a formação do tarifário da energia elétrica precisar também ser mais transparente. Mas isso serão contas de outro rosário.

De momento – e para proteger o ambiente, aligeirar o peso dos consumos de energia furtada e manter-nos na senda do progresso e da aposentadoria da catana e da lenha – que se debruce sobre um esquema de subvenção do PVP do gás butano. Quem fala de botijões de 12,5 Kg, fala também, claro está, das garrafas de 55 Kg e das botijas mais pequenas. Um preço razoável (afinal, estamos a falar de um bem essencial) com validade anual e, of course, sujeito a ajustes a cada exercício económico.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1036 de 6 de Outubro de 2021. 

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Autoria:António Ludgero Correia,11 out 2021 8:33

Editado porAndre Amaral  em  11 out 2021 8:33

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