A rapidez com que tudo está a acontecer vem contrariar as expectativas de que pelo fim do Verão e último trimestres de 2021 o pior da pandemia teria sido ultrapassado. A aplicação massiva de vacinas a partir dos primeiros meses do ano parecia justificar esta crença, mas o caracter desigual da operação, as resistências encontradas e as dificuldades logísticas particularmente nos países menos desenvolvidos vieram revelar-se como factores propícios para o surgimento de variantes do vírus e no caso do Ómicron de uma variante mais infecciosa ainda que talvez menos virulenta. Naturalmente que as pessoas ficaram confusas e não espante que por vários países a confiança tenha diminuído e que situações de choque com as autoridades se tenham multiplicado.
O próximo ano de 2022 não dá sinais que vai ser muito melhor. Incertezas quanto ao futuro vão continuar e talvez seja esse estado de coisas o novo normal. Para a revista Economist em editorial desta semana é a era da imprevisibilidade previsível que desponta e que poderá prolongar-se por vários anos ao longo desta década. A corroborar a ideia parece ir o director da Riu Palace na entrevista de domingo à TCV quando alertou que para o próximo ano vai-se trabalhar no curto prazo porque trabalhar no longo prazo é impossível com as incertezas na Europa. Na nova era, assumir que é com um elevado grau de imprevisibilidade que se vai governar, trabalhar e viver será fundamental para se adoptar a melhor atitude na busca do bem geral, ser mais estratégico nas abordagens e dar mais atenção aos resultados.
Para isso, deve estar implícito que em certos sectores ou actividades não se poderá retomar do ponto onde se ficou no início da pandemia. Que em determinados empreendimentos vão-se ver inovações, quanto a produtos e processos afectando profundamente relações de trabalho e relações sociais nem sempre fáceis de antecipar. Que a reestruturação de cadeias globais de valor e de abastecimento irá eventualmente destruir oportunidades de negócios existentes e criar outras, as quais nem sempre passíveis de aproveitamento considerando as valências existentes no país. E que incertezas de outra natureza derivadas de tensões latentes entre potências económicas e militares conjugadas com os desafios constituídos pelas alterações climáticas e pela urgência em se proceder à transição energética poderão tornar mais complexas e sensíveis as relações internacionais de cooperação. Sem essa compreensão de um mundo a entrar numa nova era, a tentação vai ser a de continuar a fazer mais do mesmo, manter o modelo de gestão de “empurrar com a barriga” e deixar-se guiar exclusivamente pelo eleitoralismo na condução dos assuntos públicos.
Não passando para as pessoas a noção de que se está a viver num mundo mais complexo de imprevisibilidade previsível, fica difícil justificar por que a retoma do turismo pode não acontecer nos mesmos moldes do antigamente. Também não se explica por que aumentam os preços dos combustíveis e de energia e por que há deterioração do poder de compra e da qualidade de vida em consequência da inflação importada, dos custos mais altos dos transportes e dos estrangulamentos na distribuição global dos produtos. Sem um entendimento das dificuldades do momento, das suas causas e de como agir para as ultrapassar, para além da proverbial “mão estendida”, fica difícil apelar à contenção nas reivindicações, incentivar a cooperação para se ser mais produtivo e mobilizar o espírito de solidariedade com os mais afectados pela crise pandémica. O sucesso no engajamento das pessoas é essencial para se poder enfrentar as dificuldades actuais com o país altamente endividado e vivendo uma conjuntura rodeada de incertezas.
É evidente que uma mudança de postura do governo e de toda a classe política facilitaria todo o esforço de enfrentar as imprevisibilidades futuras. Mais do que nunca as pessoas precisam saber que se está a agir efectivamente para conter os custos, construir competências e para prestar serviços com qualidade. Aumentar a confiança nas instituições e diminuir o cinismo como são encaradas muitas das acções dos governantes é essencial. Também essencial é dar um enérgico basta ao jogo de apontar culpas em que se transformam todos os debates sobre os problemas do país. As questões ficam por ser esclarecidas, não se criam bases para acordos e compromissos e nas entrelinhas cria-se espaço para que outros interesses se sobreponham ao interesse público.
O arrastar por muitos anos por esse tipo de impasse provoca um mal-estar que para além das disfunções que provoca nas instituições, tem um efeito erosivo nas pessoas e no tecido social manifestando-se em comportamentos anti-sociais. Muito do alcoolismo, uso de drogas, violência contra pessoas e criminalidade estará provavelmente associado de uma forma ou de outra a esse mal-estar. E sem uma resposta compreensiva da governação do país, as reacções ficam pelas denúncias e pelas manifestações de indignação que depois com o passar do tempo e ausência de progresso na resolução dos problemas acabam por desembocar em frustrações e ressentimentos. Em ambiente de pandemia, de incertezas e de vulnerabilidades reveladas, o passo a seguir é para esses sentimentos já exacerbados serem condutas para mais violência como se está a verificar em todo o país.
Pôr um travão a isso passa por uma liderança que não deixe que o país se perca em discussões do passado e se vire decisivamente para confrontar o futuro prenhe de incertezas. Uma liderança que também se distinga pela coragem e realismo, competência pragmática e crença efectiva num futuro de prosperidade para todos. Não há maior prova de liderança do que demonstrar ser capaz de mobilizar a nação para a realização de tal desígnio.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1047 de 22 de Dezembro de 2021.