Agenda, formulação de políticas públicas e liderança

PorManuel Mendes Garcia,7 fev 2022 7:57

Jurista
Jurista

De campo de pastagens, à ilha cidade! São Vicente(SV) celebrou no dia 22 de janeiro de 2022, 560 anos da sua descoberta.

Nestes cinco séculos e meio de descoberta da ilha, SV venceu vários desafios e hoje a ilha tem um vasto património edificado, ativos tangíveis e intangíveis, muitos projetos em execução, muitos projetos em carteira. É neste cenário que SV está a procura de relançamento definitivo para um outro patamar de desenvolvimento, e assim nasceu o Fórum Pensar SV 2035(PSV 2035) que foi realizado nos dias 19,20, e 21 de janeiro, com a perspetiva de se realizar o Fórum anualmente.

Foi um extraordinário exercício (brainstorming) coletivo para refletir sobre as alternativas de desenvolvimento. Aliás como afirma E.E. Schattschneider1 “a definição das alternativas é o instrumento supremo do poder”.

Definição da Agenda

Ora, segundo Thomas A. Birkland, a agenda “é o processo pelo qual os problemas e as soluções alternativas ganham ou perdem a atenção do público e dos decisores públicos.

O PSV 2035 surge da necessidade de projetar o futuro da ilha a longo prazo, construir um consenso regional para, através de uma agenda de políticas públicas mobilizadora, promover o desenvolvimento e a modernização de São Vicente.

A Câmara Municipal de São Vicente (CMSV) enquanto grupo organizado avançou para a definição da agenda PSV 2035 e face a magnitude dos problemas convocou a sociedade civil, setor público, setor privado, políticos, burocratas, tecnocratas, consultores, para pensar e projetar o futuro de SV a longo prazo, e toda a zona Noroeste (São Antão e São Nicolau).

Esta agenda institucional da CMSV só terá sucesso se os assuntos debatidos nos três dias chegarem à agenda de decisões, definindo assim os limites do debate político que terá que ser feito no pós- fórum.

Formulação de políticas públicas

De acordo com Mara S. Sydney2, a formulação de politicas públicas ocorre normalmente em burocracias governamentais, em jornadas temáticas, processo que se distribui o poder entre interesses sociais, políticos e económicos.

Esta formulação de políticas públicas implicará redigir o “arsenal legislativo” que responderá as necessidades identificadas aquando da definição da agenda para se saber como é que as políticas públicas vão se caminhar no horizonte 2035?

É aqui que entra o desenho da política pública (policy design), mas os formuladores de políticas(policymakers) não devem focar-se só no retrato que é levado as discussões, mas sim ter a capacidade de ver todo o filme (o porquê). A questão central para a perspetiva do desenho de políticas é a noção de que toda a politica pública contém uma estrutura de ideias e instrumentos que o acompanham, tais como a identificação dos objetivos, grupos-alvo, agentes, a estrutura de implementação, os fundamentos, etc.

Neste particular, urge que os técnicos entendam o porquê do falhanço das políticas que foram implementadas no passado (ou omissão delas) e porque determinadas políticas públicas foram bem-sucedidas!?

Ora, ao lado do seu desenvolvimento, SV enfrentou vários problemas sociais, entre os quais, o desemprego e o problema de habitação condigna, apesar que nestes últimos anos fruto de políticas do governo e da cooperação, o problema da habitação tem sido paulatinamente mitigado.

Portanto, a formulação de qualquer politica pública para SV tem que colocar o homem no centro das suas preocupações, considerando que não vale criar as condições para que os investimentos dos privados tenham sucesso se as pessoas não fizerem parte dessa equação.

Atendendo ao horizonte 2035, e considerando por exemplo uma amostra com crianças que tem neste momento cinco anos de idade, e que em 2035 terão 18 anos, creio que é nesta faixa etária que se deve trabalhar(a título de exemplo, mas é claro que as políticas públicas tem que ser transversais a todas as idades) com políticas públicas locais capazes de inverter o ciclo de pobreza, abandono escolar, delinquência juvenil, para que a criança de hoje que está em idade pré-escolar possa vir a sentir os impactos das politicas públicas formuladas. Como consequência teremos uma nova geração comprometida com os novos desafios.

Com a carteira de investimentos para a próxima década, SV terá necessidade de mão de obra especializada em vários setores da economia, desde de técnicos hoteleiros, marítimos, prestadores de serviços, técnicos com formação profissional, e também de gestores, engenheiros, etc. E devido aos parcos recursos da maioria das famílias, um amplo programa de bolsas de estudo é uma medida de política muito importante! Determinante será a necessidade da massificação do ensino de línguas estrangeiras (levar o ensino gratuito aos bairros) principalmente o inglês. Só assim teremos jovens em 2035 com preparação para responder as demandas dos investidores. As leis por si só não fazem um bom ambiente de negócios, mas sim o capital humano bem preparado e que saiba entender a teleologia das normas!

E como formar e preparar a próxima geração? Com planeamento estratégico para o crescimento!

Este exercício vai implicar o alinhamento de todos os setores produtivos, de todas as instituições públicas e das empresas privadas, das creches, da academia, da sociedade civil no geral, ou seja, todos os planos estratégicos de todas as instituições sediadas em SV terão que comunicar entre si. Só assim poderemos em 2035 colher os frutos das sementes ora lançadas. Numa palavra, uma ampla socialização do plano será necessária!

Liderança

Os compromissos geracionais só produzem efeitos com lideranças engajadas, inspiradoras, e com foco nos objetivos.

A equipa que terá esta árdua empreitada de materializar as conclusões do Fórum Pensar SV 2035, tem que ser uma equipa altamente profissionalizada, com todas as condições para formularem as políticas públicas locais assertivas, cumprindo assim todo o ciclo da política pública: Identificação do problema, formulação da política, implementação, avaliação e tomada de decisão no sentido de continuar ou não com o planeado. O monitoramento e avaliação (M&A) é um fator crítico de sucesso de qualquer plano, e só com uso deste instrumento será possível ter dados fiáveis e rever as métricas das políticas e projetos quando justificar.

O ciclo político é uma realidade do qual não podemos fugir em democracia, e no caso concreto, até 2035 serão realizadas eleições em 2024,2028,2032…

Os próximos líderes do município(Mayor) terão que ter o compromisso de acolher o plano estratégico e sustentável que deverá nascer das conclusões do PSV 2035, independentemente da força política que emanar, ou de grupos de cidadãos. O PSV 2035 é um pacto político!

Não menos importante será a recuperação do projeto de regionalização, trazê-lo para a ordem do dia, criar os consensos necessários, e aprova-lo. Acredito que pela demanda que vem aí, um governo regional dará melhores respostas que se querem atempadas face aos desafios. Um novo modelo de governança da ilha é um debate premente, numa perspetiva de desenvolvimento e não de poder.

Por fim, a agenda PSV 2035 tem que levar em linha de conta os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável(ODS) da agenda 2030 proposta pelas Nações Unidas, onde tem que estar no centro as pessoas, prosperidade, planeta, paz e parcerias.

Bem-haja, Câmara Municipal de São Vicente por esta pedrada no charco, e auguramos que traga bons ventos, para que se cumpra o objetivo do fórum, no de transformar SV numa ilha atrativa, dinâmica e competitiva, e assim melhorar a economia do bem-estar para as populações. 

______________________________________________________________

1In The Semisovereign People, 1960/1975 p.66.

2 Policy Formulation: Design and Tools in Handbook of Public Policy Analysis, 1964, p.79.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1053 de 2 de Fevereiro de 2022. 

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Autoria:Manuel Mendes Garcia,7 fev 2022 7:57

Editado porAndre Amaral  em  18 abr 2022 23:20

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