Saúde mental: uma visão teológica e psicológica

Teólogo e Pastor
Teólogo e Pastor

A sociedade vive uma mudança de paradigma psíquica e emocional como nunca antes na história da humanidade. O descalabro das diversas crises de natureza psíquica tem sido respostas permanentes dos que sofrem. Um dos problemas mais acentuados nos últimos tempos, refletindo a presença negativa da saúde mental, é o transtorno neuropsiquiátrico, que é justamente o transtorno da ansiedade.

O mundo precisa mudar e precisamos viver de uma forma diferente. Alterar o quadro sofredor e angustiante. Mudar toda a nossa roupagem mental e alimentar uma visão holística da vida. Quebrar a fixação e renovar o encanto pela existência. Refletir sinceridade sobre os nossos desencantos e jamais cair no desespero da vida. Desfazer as ilusões que alimentamos diariamente, nutrindo novas esperanças e percorrer novos caminhos. O estado deprimente e acentuado da saúde mental, é quando optámos pelo silêncio, tentando dar os nossos próprios passos, mas sem uma direcção clara onde estamos e para onde estamos indo. Mais de 18 milhões de pessoas sofrem com o transtorno da ansiedade. Um número gigante dos que sofrem a dor íntima, e muitas vezes de uma forma silenciosa.

A solidariedade, a sincera empatia, o amor divino e o desapego, devem substituir o egoísmo, a ignorância, o orgulho e a superioridade. Um ponto decisivo para encontrarmos o caminho do bem-estar é reconhecer que não estamos bem, que precisamos de uma mudança urgente. Esta constatação serviria de base para assumirmos uma postura menos simplista e mais consciente. Reconhecer que a situação é real. Nunca vivemos numa sociedade tão confusa e ambivalente como hoje. Uma sombra ambígua e sombria tem vindo a marcar a agenda individual das pessoas. Ignorar seria um caos, encarar é o caminho.

O Estado deve assumir esse desafio, contribuindo em vários domínios. As igrejas devem desempenhar um papel de grande alcance, com ensinamentos claros e uma teologia holística, com participações ativas e sistemáticas. A família deve intervir com eficácia na educação emocional e espiritual dos filhos. A sociedade civil deve ser orientada a exercer uma solidariedade ativa e uma visão humana consolidada. Atitudes para a boa saúde mental. Praticar o amor, exercer uma espiritualidade autêntica. Superar o passado traumático e viver com entusiasmo. Ignorar as críticas destrutivas. Ter a consciência que tudo é transitório. Encarar de frente os desafios e evitar emoções destrutivas. Fazer boas amizades e ter rotinas inteligentes. Ultrapassar as decepções e praticar atividades físicas permanentes. Amar a vida e viver com intensidade, nutrindo a gratidão permanentemente. Um novo cenário social deve ecoar nos bastidores de todos os actores políticos, educadores e famílias. Os sinais apontam para uma sombra escura na alma dos que vêm sofrendo as dores da solidão, do abandono e das perdas não geridas com lucidez. Diante das alarmantes situações que tem vindo a somar negativamente no aspecto comportamental, urge, uma nova política de amparo ou suporte a tantos que sofrem o silêncio da dor e tristeza na alma.

Uma nova leitura social será necessária colmatando as reais necessidades que a sociedade vem tendo em relação ao equilíbrio psíquico e comportamental. A OMS aponta um acelerar de doenças de foro psiquiátrico, com incidência em todas as classes sócias. Concretamente, a OMS considera que em breve trecho teremos uma percentagem elevada de pessoas com a saúde mental debilitada. Aponta a mesma instituição que a depressão será uma das patologias mais acentuadas. Com este dado provável, a visão política e os esforços em vários setores devem ser acionadas com o intuito de prevenir e atenuar esse drama individual e colectivo. Evitando assim um descalabro de grande escala, fechando um mal que poderá trazer consequências nefastas para o setor da psiquiatria, e reflexos sociais de grande proporção. Perceber que algo não está bem e combater com tenacidade para fechar a situação alarmante. Deve ser um passo decisivo e assertivo. Deixar a água correr até perder o seu curso é uma atitude de grande risco e com isso, as perdas serão inevitáveis. Nenhuma sociedade sobrevive sem um acentuado equilíbrio mental, emocional e espiritual.

O homem é definido como um ser que compõe um corpo, uma mente, um poder inato de interação e por último, uma faculdade espiritual. Um ser bio-psico-social e espiritual. Com isso, deduzimos que a saúde mental deve refletir-se em todas essas áreas mencionadas. Está claro, que ter uma boa saúde mental no mundo atual não é tarefa fácil. A globalização, como um fator de desenvolvimento económico, social e antropológico, incluindo a emergência profunda da Internet, vislumbra-se uma cautela e medidas educativas de grande monta e estratégia.

Não se pode considerar o desenvolvimento económico e social sem incluir as mudanças na esfera comportamental. Significa que as mudanças individuais e colectivas, serão imprevisíveis. É impossível entrar no mar sem se molhar. Não podemos deixar o processo andar para depois correr atrás da situação. A prevenção é sempre o melhor caminho para responder a uma possível crise. Reitero a necessidade premente de um investimento tenaz, de um combate profundo; prevenindo assim, uma das baixas mais incisivas e dramáticas no âmbito social. É preciso frisar que combater a saúde mental, sem dúvida, é evitar uma escalada com efeitos alarmantes. Com certeza, um forte e concentrado investimento, com a sua sede na esfera da boa política na saúde psiquiátrica deve preceder quaisquer investimentos. A alta prioridade deve ser dada neste quesito, antes que seja tarde demais. Protelar, neste caso, é abraçar o perigo e anular o avanço. Já se percebe o descalabro, na lista dos países com uma taxa elevada de má saúde mental entra Portugal.

É evidente que Cabo Verde nos últimos tempos vem desenhando um quadro nada promissor. A crise da ansiedade, a tristeza permanente, a solidão, a depressão e tantos outros sintomas, têm vindo a espelhar a imagem deprimente que se vive atualmente. Um esforço concentrado de todos os actores sociais deve abraçar com profundidade essa causa importante, impedindo que a situação piore ainda mais. Um alto sentido de propósito perante a vida; sem fixação extrema. Um desprendimento natural serviria como base para uma saúde mental saudável. Um alto senso de gratidão que seria uma resposta espiritual, fechando assim uma atitude cíclica que, por sua vez, tornaria a existência um tédio. Nada pior para acelerar o nosso desencanto perante a vida do que uma alma sem propósito e sem um sentido real permanente.

A sociedade atual vem incorporando acessórios desnecessários, os quais servem para manter o trivial e esquecer o essencial. Uma nova luz precisa brilhar no “fundo do túnel”. Uma âncora maior do que nós mesmos precisa ser erguida antes que seja tarde demais. Todo o ser humano precisa viver uma existência radiante. Dizia um pensador: “A vida é tão curta para não ser vivida”. Um despertar da consciência torna-se um imperativo para o nosso tempo que se chama hoje. Manter-se no tédio é ariscado demais, acelerar o processo de uma “metafísica” positiva e transcendente deve ser incluído como um fator preponderante. Uma filosofia pessoal, na perspetiva mais “cogito ergo sum” (René Descartes). Vislumbra-se um entendimento que não seja paliativo, mas completamente inédito e racional. Um despertar para um saber que ultrapasse o imediato. Nada melhor para manter o homem longe do tédio do que ter uma “razão pura”. Quando a mente se divaga, o corpo deleita negativamente. E daí haverá o que não se espera. Se perde o encanto e, na verdade, o encanto é a paixão positiva que emana de uma alma sedenta por uma existência plena e jamais diminuta. É entender as emoções e aquecer os sentimentos de modo que o que estava fora do lugar passe a ocupar a centralidade do ser. Falar da saúde mental, é reivindicar a paz social, com reflexo na perspectiva transversal, abarcando todas as esferas da interpersonalidade. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1070 de 1 de Junho de 2022. 

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Autoria:Lino Magno - Teólogo e Pastor,6 jun 2022 7:56

Editado porAndre Amaral  em  6 jun 2022 7:56

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