Campus da Justiça germinou no solo da Universidade.

PorLígia Dias Fonseca,14 out 2022 9:44

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1. Hoje, dia 14 de Outubro de 2022, é inaugurado o Campus da Justiça da Praia. Este Campus situa-se precisamente nas antigas instalações da Universidade de Cabo Verde, no Palmarejo e esta realidade serve-me de mote para refletir sobre a importância de termos uma Justiça impregnada do espírito científico, inovador e em permanente busca da verdade, próprio do que se vive no mundo universitário.

Aquelas paredes que testemunharam uma universidade pública a se formar e a crescer, que presenciaram o debate académico, as emoções das conquistas e o desespero de falhar, a permanente inquietação de ideias e a busca constante das respostas aos porquês, deve inspirar todos os que agora por estre elas passarem, trabalharem e decidirem sobre a vida, os bens, as relações e as emoções dos outros.

O antigo PR, Jorge Carlos Fonseca, na abertura do ano judicial, em 2018, exortou os agentes da justiça, suas organizações representativas e o governo a olharem com atenção, ao pormenor, os «pequenos grãos de areia» que impedem o bom funcionamento da Justiça. Dizia ele: “Agora, parece-nos também tempo não de um olhar geral como no passado recente, quando estivemos a discutir o modelo, mas de um olhar mais microscópico, mais particular sobre as diferentes vertentes do sistema, introduzindo-se correcções que, no conjunto, possam vir a ter um impacto global muito significativo”. O espírito científico é esse, buscar o pormenor, não ignorar nada, ter presente que tudo está relacionado e se condiciona e, por isso é causa “sine qua non”.

2. A instalação do Campus da Justiça no espaço onde estava a UNICV também me faz refletir sobre o pensamento do Professor Carlos Bellino Sacadura sobre a «Cultura da Argumentação». Cultura esta tão importante na discussão da causa e na aplicação do direito pelo Juiz. Que neste debate, a tradição e a modernidade da retórica se reunifiquem, e ganhe cada vez mais vida a complementaridade entre o discurso literário e a racionalidade argumentativa, exigindo que os atores da Justiça sejam homens e mulheres de uma sólida Cultura para além do domínio do Direito. Porque só nesta relação se pode tentar compreender a pessoa humana em toda a sua diversidade e contextualidade e, então, ensaiar julgar com ética.

3. Aproveito este momento em que quase acredito que o espírito da academia, que ainda deve pairar no edifício e no espaço onde funcionou a UniCV, vai infiltra-se no mundo da justiça para trazer a público duas ideias que acho merecerem uma apreciação da comunidade.

Somos um país de jovens onde o percurso da carreira é capaz de colocar magistrados no topo da carreira em idades que lhes permitirão ficar no STJ por mais de dez, vinte anos, até serem aposentados. Em termos de carreira é interessante e nada tenho a opor, mas isto pode significar que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ficará décadas e décadas com o mesmo coletivo, para o bem e para o mal, e com pouca capacidade de renovar o seu pensamento. Numa época em que o control T e o control C imperam, ainda mais difícil é deixar penetrar a novidade no pensamento. Claro que a decisão judicial deve ser o mais uniforme possível, mesmo não existindo no nosso sistema o caso precedente. O princípio da confiança, emanação do princípio democrático exige que haja alguma uniformidade nas decisões proferidas no âmbito da mesma lei. Porém, o estar perante a mesma lei não pode levar a ignorar a mudança do tempo, das situações sociais e até do sentir comunitário. E isto pode e deve ter implicação na interpretação e aplicação da lei. Por outras palavras, entendo que é sempre salutar haver uma renovação nos órgãos colegiais de decisão, seja qual for a sua natureza.

Ora, nos órgãos jurisdicionais, onde deve prevalecer o princípio da carreira, entendo que este princípio deve ser complementado com o tal princípio da renovação. Assim, podíamos ponderar se a composição do no STJ não sairia beneficiada com juízes da carreira e também, embora em número inferior, de juízes escolhidos entre juristas de reconhecido mérito profissional com mais de 10 anos de experiência na advocacia ou no ensino do direito a nível superior, que a ele acediam por concurso e com mandatos fixos não renováveis de, por exemplo, 4 anos.

Esta ideia, pressupõe, naturalmente, a alteração do art. 216º/3. da CRCV.

3. A experiência do funcionamento do Tribunal Constitucional (TC) tem demonstrado a importância deste no cumprimento da garantia constitucional do acesso ao direito. O TC é hoje um tribunal que granjeia a aceitação da generalidade dos juristas pela qualidade do trabalho que tem feito. Neste momento é manifesto que o TC não pode continuar a funcional com apenas três juízes, pois sempre que um se declara impedido, o processo fica parado. É preciso afirmar aqui, abertamente, que a nomeação de juízes substitutos para o TC constitui uma violação do artigo 215º da CRCV que não prevê juízes substitutos neste Tribunal. A composição do TC está definida no art. 251º/3 da CRCV e esta não remete para lei ordinária a definição da composição do TC. Assim, não pode a Assembleia Nacional nomear juízes substitutos para o TC.

Tendo em atenção que o mandato dos juízes do TC não é renovável, e que todos os atuais juízes foram eleitos ao mesmo tempo, isto significa que, neste Tribunal, quando os juízes terminarem o seu atual mandato, serão todos substituídos, havendo uma renovação total da composição deste Tribunal. Entendo que uma renovação total e simultânea do TC é muito prejudicial para o funcionamento deste órgão e para a confiança dos cidadãos.

Seria interessante que, ainda estando a quatro anos do fim do mandato, a composição do TC fosse aumentada para cinco juízes este ano, nomeando-se os dois novos juízes. Estes dois novos juízes iniciariam o seu mandato de 9 anos agora, o que significaria que quando os três juízes atuais terminarem o seu mandato e forem substituídos por outros, os dois novos permanecem no cargo, conferindo alguma continuidade e estabilidade. Neste sistema não teríamos nunca uma renovação total da composição do Tribunal Constitucional, mas sim um misto de continuidade e renovação. O melhor dos dois mundos! 

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Autoria:Lígia Dias Fonseca,14 out 2022 9:44

Editado porAndre Amaral  em  15 out 2022 14:44

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