Não gosto destes concursos porque passam uma ideia de mulher objeto (por mais que agora as ponham a debitar projetos sociais ou ideais de solidariedade), de uma mulher que tem de saber andar de uma certa forma, ter um estilo de corpo, as barbies que continuam a encher o imaginário das nossas crianças e que, são, também, o fruto das suas insatisfações. Fortificam a ideia de que, ao olhar para uma mulher, o que importa em primeiro lugar é ver se é fisicamente bela (agradável ao macho). Quantas de nós não sofremos por causa disto cada vez que vamos para uma entrevista de trabalho, para uma conferência?
O padrão de corpo de mulher que é alimentado por estes concursos internacionais de beleza física é também um fator que tem conduzido ao aumento de problemas de saúde como são os distúrbios alimentares como bulimia e anorexia e até ao aumento de tentativa de suicídio entre as jovens que não conseguem se sentir socialmente aceites por terem corpos bem diferentes desse padrão.
Num país, como o nosso, em que as mulheres belíssimas andam pelas ruas bem equilibradas com o balaio na cabeça e filho pendurado ao colo, pé no chão e têm um gingar único, de todas as cores, feitios de corpos e idades, até podíamos dizer que as ruas deste país são autênticas passareles de beleza pura.
Mas, dizia, eu, neste país em que estamos a desconstruir estereótipos, em que queremos combater os preconceitos contra as mulheres, em que se aprovam leis, regulamentos e fundos para trabalhar a auto-estima destas, em que diariamente dizemos às nossas meninas que elas são lindas e poderosas sejam gordas, magras, altas, de olhos azuis ou castanhos, é, também, neste país que a entidade governamental para igualdade e equidade de género (ICIEG), o Chefe de Governo e o Presidente da República destacam como grande feito e orgulho de um povo , uma vitória num concurso de miss internacional e postam a beleza glamourosa da inquestionavelmente bela eleita Miss Africana nos seus trajes e cenários ocidentais que se distanciam completamente do padrão corporal da mulher africana.
A aparência mediática é a essência destes concursos de beleza. Gostaria que a nossa essência fosse maior do que essa. E é. A nossa liberdade é bem maior, só ela me permite ousar escrever este texto e publicá-lo, neste momento.
Praia, 14 de dezembro de 2022
Lígia Dias Fonseca