Doidos pela rádio

PorLígia Dias Fonseca,13 fev 2023 11:57

Este seria um bom nome para um programa de rádio porque há, mesmo, muita gente que não vive sem a rádio, esteja onde estiver. Eu sou uma dessas pessoas. Tenho um rádio desses pequenos, que funciona a pilhas ou com bateria recarregável e que já tem mais de 10 anos.

Quando viajo pelas ilhas, nunca me esqueço de levá-lo. Com esse radiozinho, logo de manhã, fico informada das notícias nacionais do dia pelos correspondentes da RCV espalhados pelos concelhos e pelo jornal das 07:00. Até sair de casa para o trabalho, vou acompanhando as crónicas, as entrevistas e as informações transmitidas pelos jornalistas de serviço. Gosta tanto e sigo com atenção que, algumas vezes, atrevo-me a mandar uma mensagem para dar dados que disponho quando oiço alguma informação que não está muito correta.

Há uns tempos, percebi que ficava muito desatualizada sobre o que se passava no país, porque saía cedo para a minha caminhada e não ouvia as notícias. Levar o telemóvel não é aconselhável. Pesquisei na net e encontrei um rádio a pilhas do tamanho de um polegar. Mete-se no bolso das calças ou na bolsa pulseira e com os auscultadores baratuchos posso fazer tranquilamente o meu percurso sem constituir uma tentação para nenhum amigo do alheio e vou ouvindo a informação e também boa música.

Quando viajo para o estrangeiro, é uma alegria poder sintonizar via internet qualquer uma das rádios nacionais e estar sempre a par do que se passa no país. Mas também é muito bom, ouvir as rádios dos outros países e comparar como se faz a rádio lá fora e a nossa. Acompanho muito a TSF e a Rádio Renascença, duas rádios portuguesas. É um mundo diferente.

Os meios técnicos das nossas rádios e das rádios de Portugal, por exemplo, não devem ser muito diferentes. Acredito que os recursos financeiros façam a diferença. A qualidade dos programas, sejam de debate ou de entretinimento, dessas rádios citadas é nitidamente melhor do que das nossas. O nível técnico dos comentadores e analistas residentes é muto bom. Têm gente que fala com informação, com atualidade e que acompanha o assunto ao detalhe. Disseram-me que também são bem pagos! Mas o trabalho destes comentadores e analistas é rigoroso, talvez fruto de uma grande competitividade. Por exemplo, se um membro do governo, presidente da república ou um qualquer responsável de instituição pública diz alguma coisa sobre um tema em debate público, é logo confrontado com o que já tenha dito sobre o mesmo assunto no passado. Isto de se pensar uma coisa quando se está num local e depois pensar diferente porque mudou de posição, tem de ser muito bem explicado e os jornalistas portugueses não facilitam a vida aos políticos, mesmo quando é visível a sua especial afeição por um ou outro.

Mas, também, a nível da participação do público nos programas de debate é interessante perceber a diversidade de intervenções. Não são sempre as mesmas pessoas que telefonam e opinam sobre tudo como acontece aqui entre nós. Compreendo que as rádios aqui não conseguem ter muito controlo nisso. Se o programa é aberto à participação pública, os que telefonam é que têm direito a participar. E são sempre os mesmos, com os mesmos «achismos» e , salvo raras exceções, sem preocupação de refletir previamente e com base em dados concretos antes de emitirem publicamente a sua a opinião. E tantas vezes são ditas inverdades e omitidos factos relevantes, o que podia e devia muito bem ser evitado.

Outro elemento que mereceu a minha análise nesta comparação entre as rádios nacionais e algumas rádios portuguesas mais dedicadas à informação, foi hoje motivo de um curtíssimo, mas muito interessante debate entre Carlos Santos e Júlio Vera-Cruz, dois muito competentes jornalistas, «pesos-pesados» da nossa comunicação social, no final da apresentação do jornal das sete na RCV. A questão era sobre a transmissão na integra dos trabalhos parlamentares. Deve a rádio nacional mudar toda a sua programação nos dias em que há sessão ordinária da Assembleia Nacional, para fazer a transmissão em direto? Como diziam, qual o interesse de acompanharmos as discussões intermináveis sobre a honra de cada um ou sobre a colocação da vírgula?

O que se passa nas sessões do parlamento, os assuntos públicos devem ser acompanhados pela sociedade. É verdade. Só assim é que esta mesma sociedade pode decidir em consciência nos momentos em que é chamada às urnas.

Contudo, essa transmissão integral não esclarece, não informa e muitas vezes é o veículo por excelência de propaganda política, sem preocupação com a verdade. A transmissão de atos públicos pela comunicação social pública deve ser, na minha opinião, sempre acompanhada por um rigoroso trabalho dos jornalistas, que façam a síntese do que se discute ou discursa, realçando as ideias fortes, as várias posições expendidas pelos intervenientes, proporcionando, assim, a possibilidade de todos os ouvintes apreenderem o que se passa e opinarem com informação.

Este trabalho de síntese é das coisas mais difíceis de fazer. Para sintetizar é preciso dominar bem a língua, conhecer os temas, as pessoas, o funcionamento das instituições, a história do país e, muitas vezes, a própria vida pública de quem discursa.

O mesmo se deve aplicar às entrevistas. Há tempo ouvi uma entrevista feita ao músico Dino de Santiago. Uma entrevista fantástica em que se percebia que o entrevistador teve o cuidado de ler tudo o que se tinha escrito sobre músico e, mais importante, o que o próprio músico dissera ao longo dos anos da sua vida pública. Essa entrevista permitiu-me conhecer Dino de Santiago, perceber as suas intervenções, o desenvolvimento das suas ideias. Imagino que deve ter sido um prazer enorme para este músico ser entrevistado por alguém que efetivamente o quis conhecer e não só cumprir uma agenda.

Já fui entrevistada centenas de vezes, especialmente entre 2011 e 2021 e uma coisa que me deixava muito triste era perceber que muitas vezes os jornalistas nem sabiam que evento estava a ocorrer ou faziam perguntas cujas respostas estavam nítidas na intervenção que eu acabara de fazer (e que eles não se dignaram acompanhar) ou, pior, se limitavam a pôr o microfone a frente e a perguntar: o que tem a dizer sobre esta atividade? Divertido era quando o jornalista perguntava uma coisa e eu ia falando sobre outra mais interessante, sem que este percebesse que a sua pergunta sem interesse tinha merecido informação sobre outro assunto mais relevante.

E, no entanto, o importante é que a notícia do evento saísse num dos momentos informativos da rádio. Essa informação do evento só chegaria à sociedade, às pessoas a quem eu estava comprometida a servir, através desse meio maravilhoso que é a rádio. Evento que não é notícia na rádio, é como se não existisse! E, por isso, viva a rádio! Viva os que nela trabalham! 

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Autoria:Lígia Dias Fonseca,13 fev 2023 11:57

Editado porAndre Amaral  em  13 fev 2023 11:57

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