Dress Code

PorLígia Dias Fonseca,20 fev 2023 8:11

Lígia Dias Fonseca
Lígia Dias Fonseca

A vivência em comunidade obriga-nos a conformar a nossa forma de ser e estar aos usos e costumes da sociedade onde vivemos ou visitamos. Desde muito cedo, as crianças são ensinadas como se vestir para ir à missa dominical, à escola ou a uma festa.

Lembro-me muito bem do meu tempo de criança em Moçambique onde os vestidos mais lindos eram usados ao domingo para ir à missa. Era um verdadeiro momento de festa. Os tempos mudaram neste aspeto. Hoje vamos à igreja mais a vontade e sem muita preocupação entre um vestido ou umas calças. Até adultos de calções na missa, hoje, é uma coisa natural quando estamos no verão, principalmente na Europa.

A este propósito, acabei de me lembrar de um episódio, numa cerimónia do Crisma, em que tive de emprestar a minha echarpe a uma crismanda que estava num belo vestido branco, mas com ombros expostos e decote muito acentuado! A moça lá se escapou.

Mas a liberdade de vestir o que se quer, não é muito tolerada em certos lugares da Administração Pública ou nos Tribunais. Nem se pense ir ao tribunal de calções ou de blusa de alcinhas. É logo barrada por um segurança solícito e com capacidade para tirar as medidas da pessoa logo no momento. Depois geram-se situações caricatas: a senhora de calções pelo joelho não entra, mas a amiga de vestido colado ao corpo e curtinho, passa tranquilamente.

Nos palácios, do Governo e do Presidente da República, acontece a mesma coisa. Claro que há exceções. Já vi em eventos muito formais, uns acharem que, porque estão a fazer a cobertura jornalística, podem estar de chinelos e t-shirt (e que ninguém se atreva a impedir a sua entrada). Os muito famosos também parece que ganham a prerrogativa de entrar em todo lado como bem estiverem vestidos, seja de calções ou de camiseta.

Mas a questão é: tem de haver regras sobre o vestuário? Ou a nossa liberdade deve permitir manifestar-nos também através da roupa? Por exemplo, posso apresentar-me de chinelos, precisamente para mostrar a falta de condições de trabalho, para exigir que a empresa me faculte o vestuário necessário para que eu possa fazer o meu trabalho.

Veja-se como alguns homens do mundo do espetáculo se apresentam de vestido longo em eventos muito mediatizados. É uma afirmação que querem fazer e transmitir ao mundo, sobre a igualdade, por exemplo.

Também o movimento Me Too convidou todas as mulheres a vestirem-se de preto para um desses grandes eventos cinematográficos como forma de solidariedade de todas as mulheres na luta contra o assédio sexual.

Na História das sociedades temos, pois, muitos exemplos em que a manifestação a favor ou contra se fez através do vestuário.

E toda esta reflexão se me impôs quando acompanhei as notícias na televisão e nos jornais sobre a recente visita do Presidente da Ucrânia ao Reino Unido. Zelensky discursou no Parlamento e foi recebido pelo rei Charles III com a mesma roupa verde camuflada que usa desde o início da guerra, contrastando com as roupas formais usadas nesses locais.

A Ucrânia está em guerra devido a ilegal, abusiva e imoral invasão russa e Zelensky não quer que isso seja esquecido em momento algum, em circunstância alguma. E esta afirmação através do vestuário do estado em que o seu Povo está (em guerra) tem-lhe sido permitido fazer em todos os lugares por onde tem ido pedir apoio para a Ucrânia. Penso que nunca antes esta atitude tinha sido admitida a alguém. Será que algum dos comandantes das lutas de libertação se apresentava nas Nações Unidas ou em encontros formais com outros Chefes de Estado com a roupa da luta?

Porém, esta roupa de combate não será também um obstáculo à ideia da Paz? Ao ir buscar apoio para a defesa da Ucrânia não devia também o seu Presidente recordar que a Ucrânia quer e precisa de voltar à vida normal?

Parece-me que no mundo em que vivemos totalmente mediatizado, a roupa com que nos apresentamos é cada vez mais uma forma legítima de manifestar uma posição, uma ideia. É uma liberdade de expressão garantida pelo artigo 48º da Constituição. Contudo, como todas as formas de expressão de uma ideia, também o vestuário, como forma de expressão, pode dar azo a interpretações diversas. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1107 de 15 de Fevereiro de 2023. 

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Lígia Dias Fonseca,20 fev 2023 8:11

Editado porAndre Amaral  em  20 fev 2023 8:11

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.