Não é só uma nódoa, Senhor Presidente!

PorLígia Dias Fonseca,26 mar 2024 18:17

Ainda nem conseguimos perceber a razão última que levou à morte de uma mulher pelo seu companheiro e já somos novamente assombrados por uma outra morte de mulher, igualmente causada, tudo indica, por um homem com quem ela vivia ou viveu. E nos últimos tempos tem sido assim. Violência atrás de violência contra as mulheres, em muitos casos, seguida do suicídio do autor do homicídio. Uma tragédia que aumenta de dimensão sempre que para trás ficam crianças.

A indignação é geral e aumenta conforme sobem os números destes casos. As redes sociais enchem-se de fotos das vítimas e de declarações fortes de quem clama contra tudo e todos por causa destas mortes. No meio, claro, encontramos todos os aproveitamentos políticos.

Esta violência e apagamento injustificado de tantas vidas jovens, das mulheres assassinadas e dos homens que se suicidam a seguir ao cometimento deste crime, mais do que fortes declarações, têm de nos levar a adotar medidas de prevenção. E como se previne estes comportamentos contra a vida? Acima de tudo com valores que são transmitidos pela família e pela sociedade. Valores de respeito para com o outro, saber olhar para outra pessoa e reconhecer a dignidade dessa pessoa independentemente das suas diferenças, sejam elas físicas ou de outra natureza. Este respeito aliado à solidariedade e à compaixão, é condição essencial para toda a mudança de atitude. Não é a pobreza que incentiva a violência contra as mulheres. É a ideia errada que a respeitabilidade se adquire com os sinais exteriores de riqueza e que homem é aquele que tem bom carro, roupas de marca e correntes de ouro, que está a matar a nossa juventude.

É necessário e urgente fazer um investimento estudado e consistente na formação dos nossos jovens ( já que o exemplo dos adultos está a falhar). Ensinar e fazer com que interiorizem que para vivermos numa sociedade livre, justa e igual é preciso perceber o que é a liberdade, a igualdade e a solidariedade. Que não são meras palavras, mas que determinam toda a forma como agimos connosco e com os outros.

Eu gostaria muito de ver no nosso sistema de educação a exigência dos alunos, nos diversos graus de ensino, de terem de trabalhar em projetos de igualdade e solidariedade e de trabalho voluntário. Quando os meninos crescerem a perceber que as suas companheiras meninas são pessoas iguais a eles, com vontade própria e independentes, também compreenderão que eles homens não deixam de ser homens porque as mulheres e namoradas deixaram de os amar ou porque preferiram ficar com outras pessoas. Quando meninas e meninos crescerem conscientes de que o valor de cada um está naquilo que é como pessoa e que alcança através do seu empenho pessoal e determinação, talvez haja menos violência, porque não se sentirão compelidos a praticar crimes para obter o que os outros têm e eles ainda não conseguiram ter.

Numa sociedade em que as crianças e os jovens crescem imbuídos destes valores, mais facilmente se combate a pobreza, porque os dirigentes percebem que têm de repartir de forma igual as oportunidades, que é mais importante ter políticas públicas de combate às desigualdades e as prioridades passam a ser outras e os exemplos de cima serão , igualmente, outros.

A situação que estamos a assistir de perda de tantas vidas, de destruição de tantas famílias, de tantas crianças privadas das suas mães (e dos pais também, porque ou vão presos ou se suicidaram) e estigmatizadas por esses acontecimentos, não é apenas uma nódoa na imagem. É mesmo um pano social totalmente sujo de sangue e vergonha, é uma ferida que dói e que tem de ser totalmente curada para não alastrar.

Praia, aos 26 de março de 2024

Lígia Dias Fonseca

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Autoria:Lígia Dias Fonseca,26 mar 2024 18:17

Editado porAndre Amaral  em  26 mar 2024 18:17

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