A arte de se doar

PorLígia Dias Fonseca,17 abr 2024 10:57

As sociedades, sejam ricas ou pobres, em desenvolvimento ou desenvolvidas, todas elas precisam da solidariedade dos seus membros. O acesso ilimitado à informação sobre o que se passa em qualquer parte do mundo deixa-nos saber como as associações de diversas naturezas estão tão presentes em locais de extrema pobreza, de conflitos armados e de catástrofes naturais, contribuindo com o seu saber, organização e compaixão para atenuar o sofrimento das populações.

Nos países ricos e desenvolvidos, verificamos, igualmente, como a filantropia ajuda as organizações a darem passos de gigante nas áreas da investigação, educação e cultura, no combate às causas do sofrimento humano.

Aqui entre nós, é reconhecido que hoje estamos como estamos no combate à pobreza, na defesa e promoção dos direitos das crianças, no desenvolvimento das mulheres e na educação, muito também devido ao trabalho diário das associações que laboram nesses setores. Sem elas, Cabo Verde não seria a referência que é hoje no mundo. O trabalho destas associações e a sua advocacia permanente contribuem, também, para que o Estado de Cabo Verde melhore nas suas opções de políticas públicas.

A deficiência é uma área em que temos associações muito interventivas, trabalhando diariamente para resolver os problemas das pessoas e das famílias que têm pessoas com deficiência. Não as vou nomear aqui porque certamente cometerei a injustiça de esquecer alguma.

Vou apenas fazer referência a duas associações que nestes dias são aniversariantes.

A Associação ACARINHAR - Associação das Famílias e Amigos das Crianças com Paralisia Cerebral completou, nesta segunda-feira, 17 anos de existência e, com a liderança de Teresa Mascarenhas, tem vindo a fazer um trabalho de louvar no apoio e prestação de cuidados a estas crianças, designadamente com um centro terapêutico. Como prenda de aniversário, a ACARINHAR brindou-nos com o anúncio de que vai estender as suas atividades a outras ilhas.

Outra aniversariante é a COLMEIA – Associação de pais e amigos de crianças e jovens com necessidades especiais, que ontem fez 10 anos de existência. A Colmeia nasceu da ideia, e da vontade de partilhar conhecimento e de mudar o status quo, de uma mãe com um filho com necessidades especiais. Tenho muito presente na minha memória, o dia em que, no final da missa de domingo, fui abordada pela Isabel Moniz sobre o seu projeto de criação esta Associação.

Desde então temos partilhado vários momentos da vida da Colmeia e muito simpaticamente a Isabel me nomeou madrinha da Colmeia. Sei que não tem sido um projeto fácil, porque muitas, mas muitas mesmo, são as famílias que recorrem à Colmeia para aprenderem a lidar com a situação de ter uma criança com necessidades especiais e em busca de auxílio para esta e poucos continuam a ser os recursos de que a associação dispõe ( deixo, por isso, um apelo para que o leitor faça um donativo à Colmeia https://colmeiaapa.org.cv/ ).

Muitas mães só com a Colmeia conseguiram repor o sorriso no rosto e aceitar que a criança, o jovem, que saiu de dentro de si é mesmo especial e por isso deve ser apresentado a todos e não escondido como se fosse um castigo ou uma maldição.

Estive em algumas reuniões de mães (porque são, na grande maioria, estas que assumem todo encargo de um filho com deficiência, não obstante termos conhecido alguns pais excecionais) e pude perceber o quanto estas mulheres se sentiam amparadas por a Colmeia as ter juntado e por promover mensalmente esses encontros. Falam dos filhos, das dificuldades, dos tratamentos e das fraldas que escasseiam, mas falam também do que lhes vai pela alma, da força que um dia falta, mas que na manhã seguinte está de regresso, do coração apertado de medo de faltarem a quem depende totalmente delas e da certeza recuperada de que não deixaram de ser mulheres com direito ao seu momento de felicidade.

A Colmeia tem sido incansável junto dos poderes políticos e das instituições de segurança social mostrando o tanto que ainda falta fazer e que não deve ser adiado porque é possível fazer já. As reivindicações da Colmeia têm sido justas e perfeitamente razoáveis compreendendo sempre que são escassos os recursos que Cabo Verde dispõe. Mas, como uma vez ouvi num encontro com esta associação, a Colmeia preza muito a capacidade de diálogo e essa capacidade não deve ter limites. O diálogo entre iguais, entre os representantes do Estado e os dirigentes associativos, ambas as partes devidamente conscientes da realidade, dos recursos e das demandas, é o caminho para se encontrar soluções que sirvam todos, sem deixar ninguém para trás.

Aos domingos, continuo a cruzar-me com a Isabel Moniz no fim da missa. Já me habituei a vê-la com o rosto totalmente cansado, abatida, umas vezes, outras, resplandecendo felicidade e confiança. Nunca a ouvi dizer: já não aguento. Em cada um destes encontros, renovo a minha fé na bondade humana e a minha certeza de que há mulheres verdadeiramente excecionais que do pouco fazem muito, que nos abrem caminhos e nos conduzem ao bem-estar.

Neste seu décimo aniversário, a Colmeia entrega uma petição à Assembleia Nacional, assinada por mais de duas mil pessoas, onde aponta, entre outras, algumas medidas legislativas na área da saúde e da educação que se mostram essenciais para o desenvolvimento das crianças e jovens com necessidades especiais, mas, também, para qualquer um de nós que, por alguma razão, se veja na condição de deficiente. Que os nossos deputados nacionais tenham a capacidade de doar a sua atenção para fazer o que lhes é pedido nesta petição.

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Autoria:Lígia Dias Fonseca,17 abr 2024 10:57

Editado porDulcina Mendes  em  17 abr 2024 10:57

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