Neste todo cabia toda uma identificação do homem-país…a ilha… o país. Este conjunto de homens idealizavam um país livre, cuja banda sonora que transportavam, traduzia essa liberdade.
Para fazer soar este ritmo os instrumentos eram poucos (…porém os necessários, ou não fossem de ilhas onde tudo é aproveitado numa enorme capacidade de ser assim criado algo que passa a ser nosso…) por entre um herdado e outro criado, o rimo era marca: a marca de um país.
Este grupo de homens, “clandestinamente” souberam transportá-lo pelos mesmos caminhos que transportavam as suas próprias vidas. Orgulhavam-se de o fazer…
Hoje orgulhamo-nos deles. Em caminho honroso trouxeram por entre anos – o FUNANA.
Foram heróis nacionais, numa luta musical.
Um dia, um jovem apaixona-se pelo ritmo e achou que também deveria ser banda sonora da cidade. Saltar do campo para a cidade. Não havia o porquê do “FUNANA ser uma música do camponês e a morna ou coladeira dos outros”.
O espaço-país abria os braços ao FUNANA pois assim se desejava. Todos (ou quase todos) assim o desejava. Era tudo muito nosso, de (quase) todos. Sobretudo a identificação particularmente do Santiaguense com o ritmo. Conforme disse Kaká Barbosa no incontornável “Cabo
Verde & a Música – Museu Virtual”: “o FUNANA não trazia simplesmente o sentimento do camponês, mas toda uma forma de pensar ligada à terra, às nossas coisas, àquilo que nos unia” …
Tais jovens terão jurado junto aos primeiros que aceitavam o legado e prometiam fazê-lo crescer.
O jovem chamava-se Catchás e o grupo BULIMUNDO.
Bulimundo foi provavelmente o grupo que traz consigo uma das maiores revoluções musicais, senão a maior da nossa história musical. O que Silva, baixista dos Bulimundo, chama de estilização do FUNANA – eu iria mais longe. Houve sim espaço para mais do que estilização…houve quase que uma transcrição do ferro e gaita para a bateria e baixo - onde saltam aqui os nomes de Timas e Silva que obviamente é impossível não os juntar aos demais elementos do grupo. Ainda hoje, ao falar com cada um dos elementos do grupo, sente-se que tudo foi criado em grupo e num só grupo com a marca maior da história da nossa música: BULIMUNDO.
Falar de Bulimundo é falar da segunda parte da luta que defendeu o FUNANA. O grupo recebeu as honras dos primeiros nomes que “clandestinamente” mantiveram o FUNANA sempre vivo, onde a responsabilidade em passá-lo em forma de legado era quase obrigação. Fizeram-no. Sim, fizeram-no e se alguns não terão notado, ainda hoje, a importância do grupo, a história – a tal que é feita de factos – faz sempre lembrar isso.
Bulimundo prosseguiu estrada, invadindo a cidade, os palcos nacionais e internacionais e através de heróis, instrumentos eléctricos que sabiam a raiz e vozes que se tornaram mundo, como Zeca.
Sim, meu caro Silva: veio a estilização com todos vós, mas confesso que BULIMUNDO foi alma em música, o tal grupo de jovens que recebeu a flor da revolução e elevou-a bem alto para que o vento espalhasse pétalas que hoje encantam o mundo. Cada ilha recebeu a sua pétala e a última paira mundo fora para que assim o legado siga caminho.
Seria necessário citar todos os nomes que passaram e ajudaram nesta caminhada. Cada um e todos tiveram o seu papel e diamantes como os discos “Bulimundo”, “Ó Mundo Ka bu Kába”, ou “Batuko” foram momentos sérios e meritórios de elevação nacional no panorama da nossa música. São discos superiores da nossa música, enquanto história e obrigatórios em qualquer discografia internacional, enquanto trabalhos que fizeram parte da história dos grupos da famosa geração “África 80”.
Bulimundo foi mundo e os seus discos serão sempre parte do mundo. Em boa altura veio a elevação do FUNANA a património nacional… Isso só aconteceu por reflexo dos Bulimundo que claramente encabeçam um grupo de pouquíssimos intervenientes e que hoje os ensinamentos que trazem dos “mais velhos” furaram a barreira-mundo e …deixaram à disposição de quem os quisesse seguir…ou melhor, quem quisesse continuar o legado.
BULIMUNDO, a vossa missão foi cumprida e não tenham dúvidas de que ritmos, sentimentos de pertença, cabo-verdianidade e datas foram feitos, muito por vossa obra e pela insistência (a mesma que era trazida pelos senhores mais velhos).
Nós…agradecemos enquanto povo e país.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1170 de 1 de Maio de 2024.