A Logoterapia e o sentido da vida

PorClemente Garcia,17 jun 2024 8:02

​À guisa de prólogo, importa referir que na sequência da assinatura do protocolo de cooperação entre a Assembleia Nacional e a EU Católica de Cabo Verde, as palavras proferidas pelo Cardeal D. Arlindo Furtado na ocasião, inspirou-me a refletir um pouco em torno da temática da Psicologia Positiva, ou seja, na forma como levamos a vida hoje, nesta sociedade desorientada, hiperconectada e perplexa, termo cunhado pelo filósofo francês e teórico da hipermodernidade, Gilles Lipovetsky.

Qualquer filosofia de vida ou religião está direcionada para a felicidade, aliás, é o que defendeu o estagirita Aristóteles, argumentando que o fim último do homem é a felicidade. Assim, é importante saber o que ela significa para cada um de nós. A felicidade, seguindo as pisadas de Aristóteles, não se esgota no prazer. Ela é entendida como o maior bem do homem e identifica-se com o viver bem e o fazer bem. Ninguém pode ser feliz incomodando o próximo, desrespeitando a liberdade do outro ou fazendo algo que parece elástico nos tempos atuais.

Esta tão almejada felicidade se resume em harmonia interior, e isso é percebido em qualquer pessoa que a tenha conquistado, ainda que com as imperfeições humanas. Essa busca frenética ou calma, só pode ser encontrada dentro de si mesmo. É preciso coragem para esse encontro que exige algum ou muito esforço.

Assim, todos os nossos atos prosseguem objetivos e, quando os alcançamos, sentimo-nos satisfeitos, tranquilos, equilibrados, reconfortados. O sentido dos nossos atos é isso mesmo: a direção a seguir, a meta a alcançar, o fim que nos propomos.

Existir possui sentido quando se obtém o que se deseja, quando se atingem as finalidades projetadas, e estas correspondem às expetativas esperadas.

Nesta aceção, a vida carece de sentido quando os homens, como diz Saint-Exupéry, não sabem do que andam à procura… e, por isso, não fazem senão andar à roda…

Não há, de facto, sentido quando se vive à deriva, quando, no dizer de Fernando Pessoa:

“Ninguém sabe que coisa quer.

Ninguém conhece que alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem.

Tudo é incerto e derradeiro.

Tudo é disperso, nada é inteiro”.

Assim entendido, podemos argumentar com Sócrates, utilizando a sua máxima – “conhece-te a ti mesmo” – que conduz o ser humano à reflexão introspetiva para melhor agir: se te conheceres melhor, agirás melhor! Ou seja, dá atenção a ti mesmo, pois a verdade dormita no teu próprio interior. Pode-se também interpretar do seguinte modo; dá atenção a ti mesmo enquanto ser racional e faz com que a razão guie a tua vontade e impeça de se sujeitar aos instintos e paixões que são da ordem sensível.

Com efeito, qualquer pessoa se defronta no decurso da sua vida com situações como a solidão, o divórcio, o crime, o desemprego, a perda de um ente querido, problemas laborais, a pobreza… etc, em que se interroga sobre como deve agir e que não está segura de qual será a ação mais correta, não sabendo ao certo o que é digno ou indigno.

Ora, nos dias que correm, estamos constantemente a culpar o outro ou o mundo, quando cabe a cada um alimentar ou construir o seu destino, apesar dos vários percalços. Em abono da verdade, essas vicissitudes existem na vida de todos, muito embora a ilusão cause a impressão de que o outro sempre tem tudo para ser feliz, nada mais falso!

Recentemente alguém me fez um desabafo dizendo que chegou a pensar em tirar a sua própria vida, argumentando que na sua vida nada lhe estava a correr bem. Ora, quem não conhece a sua vida pode pensar que ali está um modelo de felicidade e tranquilidade. E costuma ser sempre assim! O mundo lá fora aparenta sempre ser melhor do que é. Uma clara alusão à chamada alegoria da caverna de Platão em que ele já alertava sobre o mundo das aparências.

Nestes tempos difíceis em que vivemos, onde proliferam muitas inquietações, assumidas ou não, devemos encarar a vida e combater as causas reais dos males que nos afligem, pode ser o primeiro passo para a mudança, para o projeto de um novo começo e com mais conforto espiritual.

Nas palavras de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (1994), num certo sentido, a Grande Desorientação é motivo de surpresa, pois a verdade é que na história da humanidade raramente os seres humanos tiveram tantas razões para se sentir seguros com tudo o que a sociedade que criaram lhes proporciona.

Na estrada que os conduz à satisfação das suas necessidades e, mais ainda, dos seus desejos, nunca houve tantos semáforos verde: aumento da esperança de vida, eficácia cada vez mais na medicina, lugar reconhecido às mulheres na sociedade, salto em frente do nível de vida, educação para todos, devido aos avanços da ciência e da tecnologia. Contudo, é um mundo muito ansiógeno e depressivo, gerando inquietações de todo o género e, pela primeira vez, menos otimista quanto à qualidade de vida no futuro.

Hodiernamente, é notório que o stresse e a desorientação fazem de nós as suas presas quando perdemos de vista os nossos objetivos vitais. A sensação de «trabalharmos muito para nada» e o esgotamento que a dispersão produz têm o seu antídoto numa meta clara, que dê sentido ao que estamos a fazer, com todos os seus bons e maus momentos.

Sobre esta questão, considerava Viktor Frankl que bastava ao indivíduo encontrar um sentido para a sua vida para conseguir superar a maior parte dos problemas que o afligiam. A logoterapia, na ótica do neuropsiquiatra austríaco, procura fazer precisamente isso: ao invés de se desenterrar o passado do paciente, explora-se o que se pode fazer com o que se tem aqui e agora. Dito doutra forma, o que se pretende é encontrar um motivo para nos levantarmos da cama de manhã.

Procurar o sentido é, pois, ir além dos factos da vida e tentar descobrir o valor que têm para nós, é descortinar na vida aquilo que faz com que ela mereça ser vivida.

O drama de muitas pessoas insatisfeitas com a sua vida, no seu posto de trabalho, no seu lar, no relacionamento interpessoal, etc é nem sequer se perguntarem qual a vida que desejariam viver. E a primeira condição para deixarmos de estar perdidos é saber, pelo menos, onde queremos chegar.

Tal como Frankl faria meio século depois, também Nietzsche realça a importância de se encontrar um «por que viver». Quando a vida se enche de sentido, de repente os esforços já não são sacrifícios, mas sim passos necessários em direção à meta a que nos propusemos.

Em conclusão, podemos dizer que encontrar um rumo e uma finalidade para os atos da nossa vida, descortinar o valor que a vida possui, saber o que ela significa e relacionar as coisas de modo a evitar a inquietações de viver num universo desconexo é, em síntese, o fulcro aglutinador de todas as questões que se nos levantam acerca do sentido da existência.

BOA REFLEXÃO! 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1176 de 12 de Junho de 2024.

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Autoria:Clemente Garcia,17 jun 2024 8:02

Editado porAndre Amaral  em  17 jun 2024 8:02

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