O triunfo da aviação civil em Cabo Verde

PorIldo Rocha Fortes,20 ago 2024 7:55

A ilha do Sal e a nação cabo-verdiana, celebram essa quinta-feira 15 de Agosto, Dia da Nossa Senhora da Piedade, os 85 anos da aterragem do primeiro avião no solo do território que, na data do facto heroico e histórico, pertencia a Portugal, e era denominado província ultramarina.

Os responsáveis pelo inédito acontecimento foram os italianos Carlos Tonini e António Moscatelli pilotando o avião Savoia Marchetti, SM 83, procedente de Roma – Itália. Aterrou às 12: 00 horas entre Feijol e Parda, em Pedra de Lume, que também ficou conhecida como Campo di Fortuna. Aconteceu durante o Governo Mussolini, no ano do início da segunda guerra mundial que terminou em 1945.

Se eu fosse dono disto tudo, o mês de Agosto deste ano seria dedicado à celebração desta data redonda, que ficou marcada para sempre na história da nação cabo-verdiana e da ilha do Sal em particular.

Se o avião não tivesse aterrado na ilha do Sal, talvez nos dias de hoje a ilha estivesse num nível de desenvolvimento turístico semelhante ao da ilha da Boa Vista, ilha de origem dos seus primeiros habitantes que, em 1834, começaram o povoamento oficial, na zona Sul precisamente em Santa Maria, hoje capital do turismo cabo-verdiano.

Digo povoamento oficial, porque antes dessa data, na ilha do Sal, já habitavam pessoas oriundas da Boa Vista e São Nicolau, que trabalhavam na extracção do sal para exportação, cuja intensidade aumentara com a abertura do túnel nos rochedos das salinas em 1808.

Esses feitos foram protagonizados por Manoel António Martins, donatário de Pedra de Lume e Santa Maria, que, segundo consta, os terrenos foram adquiridos através de aforamento.

Depois da morte de Manoel António Martins, a 6 de julho de 1845, em Sal-Rei, Boa Vista, Pedra de Lume que convencionamos chamar o berço da identidade salense, ganhou outra projecção com a instalação do teleférico com 1.100 metros de comprimento, que transportava o sal, o “ouro” branco, por via área, num frenético movimento do interior da cratera até à superfície, local do seu tratamento e preparação para exportação, sobretudo para França e suas colónias africanas.

A instalação do teleférico, em 1919, foi promovida pela Salins du Cap Vert, empresa francesa com sede em Bordéus, que comprara as propriedades de Pedra de Lume à família de Manoel António Martins.

É preciso reconhecer que a ilha do Sal ostenta hoje o principal aeroporto do país graças à existência da empresa francesa. Terrenos áridos, clima seco, sem vegetação e biodiversidade, a ilha tinha poucas condições para garantir a fixação humana.

Na disputa para a instalação de um ponto de apoio à navegação italiana para América Latina e Brasil estavam as ilhas da Boa Vista e do Maio, já que São Vicente fora descartada, embora tinha a seu favor a tradição marítima. Mindelo foi um entreposto comercial de carvão que ali chegava em barcos a vapor. A Cidade do Mindelo também foi a base escolhida como ponto de apoio da primeira travessia aérea do Atlântico Sul, pelos navegadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral em 1922, a bordo do avião Lusitânia.

A escolha da Ilha do Sal para instalação do ponto da navegação italiana, neste caso do aeroporto, foi determinada sobretudo pelas condições logísticas que apresentava, graças à existência das Salins du Cap Vert. As lanchas usadas para transporte do sal para os vapores que ancoravam nas imediações da baía permitiram o desembarque de todo o equipamento pré-fabricado para instalação do aeroporto na planície dos espargos, planta abundante na ilha.

Boa Vista reunia, no entanto, todas as outras condições essenciais. Ilha plana mais húmida, maior biodiversidade, produtor de cal e carvão etc, grande exportador de urzela, importante base de apoio à navegação marítima no corredor Atlântico, fornecendo aos navios que ali aportavam água, carne de caprino e produtos agrícolas entre outras mercadorias. Além do palmarés político e administrativo, Boa Vista foi sede da Prefeitura Geral de Cabo Verde, entre 1833 e 1835 liderada, por Manoel António Martins, natural de Braga, nascido em 1772 em Souto, Braga, Comandante da Marinha Marcante, político, Deputado nas Cortes Constituintes em 1821, militar, Conselheiro da Monarquia, Cônsul dos EUA na província de Cabo Verde entre outros. Chegara à ilha da Boa Vista em 1792 devido a um desvio de rota que provocou o naufrágio da embarcação. A partir dessa altura fixou-se na ilha da Boa Vista tornando-se um dos principais comerciantes. Na ilha dos capitães, como Boa Vista é conhecida, em pouco tempo Manoel António Martins passou a ser Dono. Disto.Tudo.

A ilha do Sal, a nação cabo-verdiana celebra o dia 15 de Agosto, data histórica muito importante, mas sem pompa e circunstância. Se eu fosse Dono. Disto. Tudo, determinava o 15 de Agosto, dia religiosamente sagrado, também como Dia da Aviação, tão-somente para festejar, recordar e reflectir sobre a importância do nosso Arquipélago no contexto da aviação internacional, principalmente no corredor Norte /Sul do Atlântico.

No passado, o arquipélago ficou conhecida como Ilhas Afortunadas e no contexto geopolítico actual, um verdadeiro porta-aviões bem posicionado no Atlântico.

Se eu fosse Dono. Disto. Tudo, a efeméride, 85 anos da aterragem do primeiro avião em solo cabo-verdiano, seria um dia de festa com pompa e circunstância: conferências, debates, palestras, com momentos de partilha entre todos os protagonistas da aviação, aeronáutica civil, no meio do povo o verdadeiro Dono. Disto. Tudo. Juntos com o povo poderíamos provocar uma grande erupção harmónica e social no interior da cratera das Salinas para celebrar as nossas conquistas e a luta que ainda temos pela frente.

Se eu fosse Dono. Disto. Tudo. Determinava o acesso imediato a terrenos para construção de casas próprias a todos aqueles que queiram escolher o berço da identidade salense para viver. São quase 250 anos de história, doze gerações a quem sucessivamente foi negado um direito constitucional. Um terreno para construção da casa própria. A todos aqueles que acreditam num futuro melhor para Pedra de Lume o nosso reconhecimento. A luta continua. Sempre, sempre, e é de todos.

Se eu fosse Dono. Disto. Tudo, proclamava a semana 8 e 15 de Agosto como data histórica ligada à aviação. Pois, está na nossa memória colectiva o maior acidente aéreo registado no país. Foi no dia 8 de Agosto de 1999 que morreram 18 pessoas em Santo Antão deixando as famílias e o país em profundo sofrimento. Não devemos esquecer, porque crescemos também com sofrimento e tornamo-nos mais resilientes.

Sendo um país insular que enfrenta muitos desafios, os transportes aéreos e marítimos são importantes para a coesão territorial e social. Ainda bem que o governo tem plena consciência desses factos, e esperamos que a estratégia adotada para os transportes produza os resultados que nós todos desejamos e almejamos a bem da Nação. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1185 de 14 de Agosto de 2024.

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Autoria:Ildo Rocha Fortes,20 ago 2024 7:55

Editado porAndre Amaral  em  20 nov 2024 23:25

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