Esta é a força da palavra Respeito, oito letras que incorporam valores tão fortes que representam a coluna vertebral de um Povo. Violar este sentimento, é transpor uma linha que deveria ser sagrada na ligação entre todos, e, em especial, entre eleitos e eleitores. Essa é uma linha que podemos ter a tentação de dizer que não se vê. Algo que se tem de sentir, ou que depende de cada um. Discordo em absoluto. Permitam-me destacar o que nos representa enquanto Povo e enquanto Nação. Obviamente, que existem fatores que nos tornam a nós, Cabo Verde, únicos. No entanto, algo nos une e nos torna iguais entre nós e define essa “tal linha” que representa o garante da igualdade e Respeito entre todos: a Constituição da República de Cabo Verde.
A Constituição da República de Cabo Verde
A Constituição da República de Cabo Verde não é apenas um texto. Este pequeno livro de pouco menos de trezentos artigos, é a corporização das legítimas ambições de um Povo, da sua liberdade, e, acima de tudo, dos seus direitos e luta pela igualdade. Uma História como a de Cabo Verde, com quase 500 anos de um Povo singular, culminou numa jovem Nação, onde tiques do antigamente não podem ter espaço num regime que se arroga democrático.
No seu preâmbulo, a nossa Constituição define-se como um “factor de identidade e revitalização da nossa condição de povo, sujeito às mesmas vicissitudes do destino”, igualando todos os cabo-verdianos sob uma mesma condição. Este sentimento, é reforçado através da afirmação clara que confere a Cabo Verde “uma Administração Pública ao serviço dos cidadãos”.
Não podemos, em nenhum momento, ferir este fiel igualitário que nos une e nos impede de voltarmos a uma época onde o privilégio de alguns representava o sacrifício de muitos. O Respeito sagrado à nossa Constituição é um Respeito inegociável pelo nosso Povo, e como espelhado no texto constitucional, esse Povo está acima do Estado.
O Presidente da República e a Constituição
No seu artigo 125º, a função de Presidente da República fica definida e clara. O Presidente da República é “o garante da unidade da Nação” e do “cumprimento da Constituição”. Embora, apresente uma aparência simples, este pequeno artigo é de uma importância extrema, confiando o Povo de Cabo Verde a salvaguarda dos seus mais profundos valores nas mãos do seu líder máximo. Este é um ato que honra quem exerce o cargo. O peso de todos aqueles a quem o sangue de Cabo Verde une, pesa nos ombros e na responsabilidade de quem assume o mais alto cargo da Nação.
Importa ressalvar, que este sentimento de servir e de Respeito deve imperar e guiar os atores políticos, e, em especial, o Presidente da República em todas as suas decisões e comportamentos. É imperativo que assim seja, sem que tenhamos a tentação de cair em radicalismos e que não nos esqueçamos da nossa condição humana. Este é um ponto importante porque os políticos não estão acima da lei, mas também não estão acima dos outros cidadãos. A natureza humana dos políticos existe (e ainda bem que existe) e deve aproxima-los do Povo, não devendo existir a tentação de os colocar num Olimpo onde eles nunca pertenceram ou irão pertencer. Os políticos, tal como todos os outros, falham e erram. Os que os distingue é a sua capacidade (eu diria obrigação) de, diariamente, ser melhores e não esconder os seus erros, sabendo assumir as suas responsabilidades e corrigir o que tiver de ser corrigido.
De entre as suas responsabilidades, o Presidente da República tem a função de realizar algumas das mais importantes nomeações da Nação. Em nenhuma delas se encontra a nomeação de uma Primeira-Dama. Isso não faria sentido, e não se espera que o faça. Este é um lugar que existe por inerência social e civil, não sendo um lugar de privilégio ou uma função de Estado.
No entanto, e reforçando que não é da efetiva competência do Presidente a criação de tal cargo, a mesma Constituição, no seu artigo 123º, afirma que “os titulares de cargos políticos respondem politica(mente)...pelos atos e omissões que praticarem no exercício das suas funções”, imputando ao Senhor Presidente a imperativa obrigação de ser responsável pela gestão do tema que envolve a sua companheira e a sua Casa Civil.
Repto ao Senhor Presidente
Já muito foi escrito sobre esta polémica, não fazendo sentido repetir tudo aquilo que, nalguns casos com imensa qualidade e assertividade, foi dito. Todos estamos cientes dos atos e da sua gravidade, e, obviamente, congratulo-me com a confirmação da devolução de parte das verbas pagas ilegalmente. Embora seja feita propaganda de tal ato, não é mais que uma obrigação e de um repor da normalidade que nunca deveria ter sido quebrada. O que não podemos ignorar é que esta devolução surge mais de meio ano após terem sido descobertos os acontecimentos e de uma forma altiva e muito pouco respeitosa para com o Povo de Cabo Verde.
Permitam-me regressar ao início deste texto e à necessidade imperiosa dessa ligação de Respeito entre quem governa e quem é governado. Como em todas as casas de Cabo Verde, também na República quando se ultrapassa essa linha, existem obrigações que são óbvias. Errar é humano, não o assumir é pouco sério. É exigível a todos aqueles que servem a Causa Pública, que saibam estar à altura das suas responsabilidades e que não se escondam atrás de tecnicidades ou silêncios. O Povo de Cabo Verde merece um pedido de desculpas e a Nação merece que se apurem responsabilidades.
Não podemos permitir, que as nossas crianças cresçam com exemplos de impunidade e desconsideração pelas leis e pelo Povo, e temos a obrigação de defender o que de mais sagrado existe numa Nação Soberana - a sua Constituição, livro de Liberdade, Independência e Igualdade.
O futuro é uma Visão de Igualdade
Este triste acontecimento, leva-me a acreditar, ainda mais, na importância do ensino da nossa Constituição e Valores às nossas crianças. Aliás, o direito à informação jurídica fundamental – e em primeira linha à informação sobre o conteúdo da Constituição - a todos os cidadãos é imposta pelo artigo 22º 3 da nossa Lei Fundamental. Se queremos assegurar um futuro próspero e de felicidade, temos de garantir as ferramentas de liberdade, igualdade e de valores a todos os que vão construir as próximas décadas de Cabo Verde. Mais que uma missão, esta deve ser uma obrigação de quem se coloca disponível para servir.
Saber respeitar essa necessidade de igualdade e impedir que, independentemente do cargo ou condição social, alguém se coloque acima de todos os outros, é imperativo nesta minha visão de um Estado de Direito, onde a democracia é a base de todas as decisões. Os políticos são efémeros, os seus cargos são de serviço (e não de privilégio) e os seus valores devem ser inegociáveis e de respeito absoluto e permanente pelo Povo. Devem saber que falham, devem permitir-se a falhar, porque só não falha quem não faz, mas devem ter a coragem e dignidade de corrigir os seus erros, pedir desculpa e assumir as suas responsabilidades.
Termino como comecei. Aretha era uma mulher poderosa. Tal como a nossa querida Cesária, a sua força e a sua música inspiraram milhões. Que o seu grito nos possa inspirar a todos e leve os nossos políticos, onde humildemente me coloco, a elevar os seus padrões e a colocar a palavra Respeito em todas as suas decisões. Porque acredito num Cabo Verde onde o diálogo prevalece sobre o silêncio, onde os lugares não são eternos nem de acesso privilegiado, e onde todos são iguais, gostava de acreditar que temos um Presidente que saberá assumir as suas responsabilidades, saberá corrigir os lapsos cometidos e saberá, acima de tudo, pedir desculpa a um Povo que lhe confiou a mais alta honra que pode ser atribuída a um cabo-verdiano: ser o seu líder e representar em cada ato e palavra todos aqueles cujo sangue grita numa morna eterna CABO VERDE.