Cabo Verde, descoberto por navegadores portugueses em 1460, foi colonizado por europeus e africanos, resultando na formação de uma sociedade crioula marcada pela mistura de culturas, línguas e tradições. Este arquipélago tornou-se uma nação aberta ao mundo desde os primeiros tempos de colonização, desenvolvendo uma identidade que se expandiu com a emigração.
A emigração cabo-verdiana teve seus primórdios nos meados do século XVIII, com os primeiros ilhéus indo para a América do Norte, especialmente os Estados Unidos, atraídos pela pesca da baleia. No século XIX, as condições difíceis nas ilhas, agravadas por secas e fomes, forçaram muitos cabo-verdianos a emigrar para São Tomé e Príncipe, como trabalhadores contratados nas roças. A proximidade geográfica fez de Dakar, no Senegal, um dos principais destinos no início do século XX, especialmente entre as décadas de 1940 e 1960. O colapso das colheitas em 1947 levou a uma grande onda migratória, com muitos cabo-verdianos a dirigir-se para Angola.
A partir da década de 1960, a Europa tornou-se um destino preferencial, com Portugal sendo o principal destino para emigrantes cabo-verdianos. A guerra colonial, a escassez de mão-de-obra na construção civil em sectores estratégicos da economia portuguesa, como a mineração (Panasqueira e Aljustrel, por exemplo), contribuíram para essa mudança de rota migratória. A emigração para países como França, Holanda e Itália também ganhou força, especialmente a partir das décadas de 1970 e 1980.
Figura 1 - Ilustração da evolução populacional esperada com base no valor dos censos de 2010 (projecção realizada pelo INE), versus a tendência de crescimento populacional observada com base nos valores reais de 2010 e de 2021.
Segundo o INE (V Recenseamento Geral da População e Habitação, 2021), são considerados emigrantes todos os indivíduos não recenseados em Cabo Verde, mas que residiam no país e partiram para o exterior nos últimos cinco anos antes do Censo, ou seja, no período compreendido entre 16/6/2016 e 15/6/2021. Estes emigrantes correspondem a um total de 17.961 indivíduos, sendo que 8.514 são do sexo masculino (47,4%) e 9.447 são do sexo feminino (52,6%). A maioria residia no concelho da Praia antes da partida para o exterior (32,2%). Cerca de 11% residiam em Santa Catarina, e quase 10,0% no concelho de S. Vicente.
Mais de metade desse grupo populacional tinha entre 15 e 29 anos na data da emigração (56,2%), sendo que 26,1% tinham entre 15 e 19 anos. Cerca de 20% tinham entre 20 e 24 anos, e 10,6% entre 25 e 29 anos. No que se refere ao país de destino, constata-se que Portugal é o principal acolhedor desses emigrantes (61,9%). Seguem-se os Estados Unidos (17,8%), a França (6,6%), o Senegal e o Brasil (cerca de 2% para cada um dos países). Quanto ao motivo da emigração, os resultados indicam que a maioria saiu do país para estudar (39,6%). Seguem-se os que saíram do país por motivo de agrupamento familiar (23,4%) e os que foram à procura de trabalho (20%). Cerca de 9,4% saíram do país por questões de saúde.
Comunidades Emigradas e Diáspora
É importante distinguir os conceitos de «comunidades emigradas» e «diáspora». As comunidades emigradas são formadas por aqueles que ainda mantêm um vínculo forte e directo com seu país de origem, com a esperança de um eventual retorno. Este vínculo é mantido por laços familiares e culturais, além de um sentimento de identidade comum. Já a diáspora implica uma dispersão mais prolongada e enraizada em diferentes países, onde gerações subsequentes nascem e crescem fora de Cabo Verde. Membros da diáspora tendem a adoptar uma identidade híbrida, preservando aspectos das tradições culturais cabo-verdianas, enquanto assimilam elementos das culturas locais.
Emigração na Era da Globalização
A globalização, ao derrubar fronteiras e facilitar o movimento de pessoas, tem moldado a migração contemporânea. Melhorias nos transportes e comunicações permitem que os emigrantes mantenham laços mais estreitos com suas terras natais, criando formas de interação entre as comunidades emigradas e seus países de origem.
As remessas enviadas pelos emigrantes desempenham um papel fundamental na economia de Cabo Verde, sustentando famílias e financiando educação, saúde e pequenos negócios. Em 2023, as remessas representaram cerca de 12% do PIB cabo-verdiano, 28.685,01 milhões de CVE (Fonte: BCV), com Portugal sendo o principal país emissor, seguido pelos Estados Unidos, França e outros países europeus.
Além do impacto económico, a globalização também promove o surgimento de identidades culturais mistas. As comunidades emigradas e da diáspora mantêm suas tradições culturais, mas também adoptam aspectos das culturas dos países de acolhimento. Este processo enriquece tanto os países de origem quanto os países de acolhimento, criando uma troca dinâmica de valores culturais.
Políticas de Apoio ao Emigrante
Desde a década de 1980, os sucessivos governos cabo-verdianos têm implementado uma série de políticas para apoiar os emigrantes, tanto nos países de acolhimento quanto no retorno às ilhas. Em 1985, foi criado o Instituto de Apoio ao Emigrante, que evoluiu para o Instituto das Comunidades, com a missão de apoiar os cabo-verdianos no exterior. A Semana do Emigrante foi institucionalizada, permitindo que as comunidades emigradas mantivessem contacto com Cabo Verde.
Além disso, foram criadas contas especiais para emigrantes, facilitando o envio de remessas e promovendo investimentos no país. Em 2020, foi aprovado o Estatuto do Investidor Emigrante, que concede incentivos para cabo-verdianos que desejam investir em Cabo Verde, reforçando o papel da diáspora no desenvolvimento económico do país.
Desafios e Factores de Integração
A integração dos emigrantes nos países de acolhimento enfrenta diversos desafios, mas também apresenta oportunidades. O nível de escolaridade, a aquisição de competências linguísticas e a validação de diplomas e qualificações profissionais são fatores determinantes para o sucesso da integração. Programas governamentais de apoio ao emigrante, tanto em Cabo Verde quanto nos países de acolhimento, são fundamentais para facilitar o acesso a serviços essenciais, como saúde, educação e habitação, além de promover a participação activa dos emigrantes na sociedade.
O combate à discriminação é outro desafio crucial para garantir uma integração justa e equilibrada. Campanhas de sensibilização e a implementação de políticas anti-discriminação são necessárias para promover a inclusão e a coesão social. A criação de redes de apoio comunitário e a promoção de eventos culturais também ajudam a construir pontes entre as comunidades emigradas e as sociedades de acolhimento.
Realidade e Oportunidade
A migração cabo-verdiana é um fenómeno dinâmico que reflecte as mudanças globais e as realidades locais das ilhas. Os emigrantes cabo-verdianos têm desempenhado um papel importante no desenvolvimento económico de Cabo Verde, por meio das remessas e dos investimentos directos. Ao mesmo tempo, a experiência de migração tem contribuído para a criação de uma identidade cultural rica e diversificada, que combina elementos das tradições cabo-verdianas com as influências das sociedades de acolhimento.
O sucesso da integração dos cabo-verdianos na Europa e em outras regiões depende de um esforço contínuo para promover a inclusão social, o respeito pela diversidade cultural e o apoio ao desenvolvimento pessoal e comunitário. O processo de emigração e diáspora deve ser visto como uma oportunidade para o crescimento mútuo, enriquecendo tanto Cabo Verde quanto os países de acolhimento com a troca de conhecimentos, valores e experiências.
A emigração não deve ser encarada apenas como uma fuga das dificuldades, mas pode ser um ganho a longo prazo com estratégias de desenvolvimento bem desenhadas que reintegrem ou chamem nacionais e estrangeiros para fazer avançar o país com aquilo que se não saíssem nunca saberiam nem conheceriam e integrariam equipas com inovação a usar cá dentro.
Da estratégia tem de fazer parte um forte investimento nas pessoas e no conhecimento incluindo na universidade como polo agregador de tudo isso, pessoas, conhecimento, tecnologia, inovação e investimento privado.
DizCorrendo sobre a emigração cabo-verdiana como uma fuga das dificuldades mas podendo ser um ganho a longo prazo desde que com estratégias de desenvolvimento bem desenhadas.
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Emigrante
Quando eu puser os pés no vapor que me levará,
quando deitar os olhos para trás
em derradeiro gesto de desprendimento,
não chorem por mim.
Levarei numa pequena mala
entre a minha roupa amarrotada de emigrante
todos os meus poemas
– todos os meus sonhos!
Levarei as minhas lágrimas comigo
mas ninguém as verá
porque as deixarei cair pelo caminho
dentro do mar.
Levarei já nos olhos a miragem de outras paisagens
que me esperam,
já no coração o bater forte
de emoções que eu pressinto.
E se eu voltar
se voltar para a pobreza da nossa terra,
tal como fui,
humilde e sem riquezas
também não chorem por mim
não tenham pena de mim.
Mas se eu trouxer esse ar de felicidade
que fica a arder na chama de charutos caros
que cintila empedrarias de anéis vistosos
se anuncia em risadas ruidosas
e se garante na abundância das cifras bancárias,
então chorem por mim
tenham pena de mim,
porque a pequena mala do emigrante que fui,
com os meus poemas – os meus sonhos! –
ficou esquecida como cousa inútil
como peso inútil,
não sei em que parte do mundo!
– Jorge Barbosa, “Emigrante”, in Caderno de um Ilhéu, 1956
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Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1187 de 28 de Agosto de 2024.