Ordens, Condecorações e Medalhas de Cabo Verde, de Jorge Cólogan

PorBrito-Semedo,21 out 2024 8:58

Comecemos por puxar o fio da memória, num retorno aos séculos XVI-XVII, invocando a figura de André Álvares d’Almada (1555–1650), possivelmente o primeiro homem de cor a ser armado cavaleiro, apesar de carregar o “defeito”, à época, de ser filho de uma mãe mestiça.

Nascido em Santiago, destacou-se como capitão, comerciante, viajante e autor de tratados, entendendo-se “tratado” como um estudo aprofundado de temas científicos. Filho do capitão Ciprião Álvares d’Almada, descrito como “nobre e um dos principais daquela ilha”, e de uma “mulher parda”, André era neto de uma mulher negra pelo lado materno.

Em 1594, foi designado para “impetrar”, solicitar, uma audiência com D. Filipe I (1581-1598), com o intuito de o convencer sobre a importância de se povoar a região da Serra Leoa. Quatro anos depois, em 1598, foi recompensado com o hábito de cavaleiro da Ordem de Cristo, uma das mais importantes ordens militares e religiosas de Portugal, fundada em 1319, após a extinção da Ordem dos Templários.

Receber o “hábito” significava ser formalmente investido cavaleiro da ordem, o que incluía não apenas a concessão do título, mas também a permissão para usar a cruz da Ordem de Cristo (cf. imagem da página 33), um símbolo que representava o poder e o prestígio associados à Ordem.

D’Almada é autor do Tratado Breve dos Reinos de Guiné do Cabo Verde. Escrito por volta de 1594, a primeira edição impressa, de facto, ocorreu apenas em 1841, na cidade do Porto. O livro viria a ser reeditado em 1946, com uma última edição em 1964.

Retornemos ao presente e foquemos em outro ilhéu, desta vez em Tenerife, nas Ilhas Canárias, onde Jorge Cólogan y Gonzales-Massieu nasceu em 1984. Doutorando em fase de defesa de tese em Direito Nobiliárquico e Honorífico, Genealogia e Heráldica pela Universidade Nacional de Educação a Distância (Espanha), Jorge Cólogan actua em Cabo Verde como Delegado da Fundação Canária para Acção Exterior do Governo das Canárias.

Com o livro Ordens, Condecorações e Medalhas de Cabo Verde, Cólogan y Gonzales-Massieu realiza o único estudo até agora a abordar esse tema, tornando-se, assim, um marco importante e uma referência para a história futura do nosso Direito Honorífico.

O livro, de capa dura e ricamente ilustrado com figuras e mapas antigos e fotos das diferentes condecorações, é uma obra de luxo cuidadosamente planeada em cada detalhe. É um estudo minucioso sobre o sistema honorífico cabo-verdiano, focando na origem, evolução e relevância das condecorações ao longo da história.

O Capítulo I explora a origem das condecorações, que remonta à Antiguidade, quando elites usavam joias e amuletos para destacar seu poder e prestígio. Essas práticas evoluíram durante a Idade Média com as Ordens de Cavalaria, como a Ordem da Banda e a Ordem do Tosão de Ouro, que introduziram símbolos como cruzes para distinguir cavaleiros. Com o tempo, esses distintivos tornaram-se peças valiosas de joalheria, usadas pelos soberanos para premiar actos de coragem e serviços exemplares. O autor lamenta o actual desinteresse pelas condecorações em meio à modernidade, mas defende sua relevância para estimular bons comportamentos, promover o orgulho nacional e reforçar os valores cívicos e sociais.

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No Capítulo II, o livro aborda o desenvolvimento histórico e legislativo do sistema honorífico cabo-verdiano. Até 1975, Cabo Verde seguia o modelo português, com ordens como a Torre e Espada e as Ordens de Cristo, Avis e Santiago. Após a independência, o país começou a desenvolver seu próprio sistema de honras. Em 1985, foram criadas as primeiras leis que regulamentaram as condecorações, focando inicialmente na luta pela independência e na defesa da soberania. Em 1996, o sistema foi reformulado para incluir outras formas de mérito, como contribuições ao progresso social, cultural e à defesa dos direitos humanos, consolidando assim o sistema honorífico cabo-verdiano como um instrumento formal de reconhecimento.

O Capítulo III trata do sistema honorífico cabo-verdiano na actualidade, destacando seu enquadramento constitucional. De acordo com a Constituição de 1992, revisão de 2010, o Presidente da República é o Grão-Mestre das Ordens e o responsável por conceder as condecorações. As distinções são atribuídas a cidadãos que prestam serviços notáveis à nação, tanto civis quanto militares. A criação de novas condecorações ao longo dos anos, como a Ordem da Liberdade em 2020, reflecte a modernização do sistema, que visa reconhecer não apenas feitos heroicos, mas também contribuições em áreas como o desenvolvimento social, económico e cultural.

O Capítulo IV aprofunda a discussão sobre as ordens civis e condecorações de Cabo Verde. A mais alta distinção é a Ordem da Liberdade, criada em 2020, que visa premiar indivíduos e instituições que contribuíram para a defesa da liberdade e a reforma democrática do país. Entre outras ordens, destacam-se a Ordem Amílcar Cabral, instituída para homenagear os combatentes pela independência, e a Ordem do Dragoeiro, que celebra actos excepcionais de solidariedade e desenvolvimento. O Presidente da República é o responsável por conceder essas honrarias, e o sistema tem se adaptado às necessidades contemporâneas, abrangendo diferentes sectores da sociedade e promovendo o espírito de cidadania e serviço ao país.

No Capítulo V, o livro discute as recompensas civis em Cabo Verde, introduzidas em 2005, com destaque para as medalhas de Mérito Profissional, Industrial e Comercial, e Mérito Turístico, que visam reconhecer contribuições excepcionais ao desenvolvimento do país. Essas medalhas, concedidas pelo Primeiro-Ministro, têm carácter simbólico e são uma forma de reconhecimento público por serviços relevantes em várias áreas.

O Capítulo VI trata das distinções militares, como a Medalha “Jaime Mota” ao Mérito Militar, criada em 1987 para reconhecer os serviços prestados pelos militares e paramilitares de Cabo Verde. Outras distinções incluem a Estrela de Honra das Forças Armadas e a Medalha de Comportamento Exemplar, que destacam o zelo, a lealdade e o patriotismo dos militares cabo-verdianos. Essas honrarias reflectem a valorização das contribuições militares para a defesa do país e sua importância no fortalecimento da identidade nacional.

Por fim, o Capítulo VII aborda a precedência no sistema honorífico, estabelecendo uma hierarquia entre as condecorações e regras protocolares para seu uso. A Ordem da Liberdade ocupa o topo da hierarquia, seguida pela Ordem Amílcar Cabral e outras distinções. O uso das insígnias segue normas rigorosas, devendo ser exibido em eventos formais e de maneira que preserve sua dignidade.

Em jeito de conclusão, o livro de Jorge Cologan y González-Massieu oferece uma contribuição valiosa ao estudo do sistema honorífico cabo-verdiano, um campo que carece de pesquisas aprofundadas.

A obra destaca a importância das condecorações como símbolos de reconhecimento e orgulho nacional, não apenas no contexto militar, mas também em áreas civis, sociais e culturais. O sistema de honrarias de Cabo Verde reflecte tanto a história do país quanto seus valores contemporâneos, premiando actos de coragem, mérito e dedicação ao bem comum.

Através de uma análise detalhada, o autor sublinha que as condecorações são mais do que meros símbolos formais — elas representam a valorização pública de comportamentos exemplares que contribuem para o desenvolvimento humano e social, além de fortalecer a identidade nacional. Com as adaptações modernas e a inclusão de novas ordens, o sistema honorífico de Cabo Verde continua a evoluir, mantendo-se relevante no reconhecimento de serviços prestados à nação. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1194 de 16 de Outubro de 2024.

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Autoria:Brito-Semedo,21 out 2024 8:58

Editado porAndre Amaral  em  21 out 2024 14:35

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