Efeméride: A tomada da Rádio Barlavento em S. Vicente em 9 de dezembro de 1974

PorJosé Fortes Lopes,9 dez 2024 11:01

A 9 de dezembro comemora-se uma efeméride em Cabo Verde: o 50º aniversário da tomada da Rádio Barlavento. A Rádio Barlavento, localizada em São Vicente, era uma rádio privada e a principal emissora do arquipélago, simbolizando um importante meio de comunicação. Tratou-se de um evento histórico marcante e extraordinário, que culminou um ciclo de meses de agitação política no arquipélago, na sequência do abalo sísmico representado pela Revolução dos Cravos de 25 de abril de 1974, em Lisboa.

A tomada da Rádio Barlavento poderia ser, sem dúvida, um dos eventos mais debatidos na história contemporânea de Cabo Verde, mas não o é devido ao desconforto que representa atualmente, sendo frequentemente remetido ao silêncio. Este episódio, ocorrido num período de intensas mudanças políticas, esteve — e ainda está — no centro de interpretações clivantes sobre o processo de transição de autonomia para independência em Cabo Verde. A narrativa em torno da tomada da Rádio Barlavento reflete divisões sobre o processo de independência e os impactos do modelo político adotado pelo PAIGC após 1975.

Para os defensores do PAIGC, o evento foi um passo necessário para consolidar a independência e afastar o risco de continuidade de Cabo Verde como território português, como eles descrevem, perpetuando o colonialismo.

Na calada da noite do referido dia, um grupo de imberbes jovens estudantes universitários de Lisboa e liceais locais, simpatizantes do PAIGC, imitaram um pronunciamento leninista e tomaram o controle da emissora, renomeando-a como Rádio Voz de São Vicente. Os jovens que participaram do ato estavam fortemente influenciados pela atmosfera revolucionária da época, cujo epicentro era Lisboa e em menor escala a luta armada da Guiné de Amílcar Cabral . Muitos deles eram entusiastas, mas careciam de experiência humana e política, sendo manipulados para cumprir um objetivo do pequeno grupo mais experiente de paigcistas cabo-verdianos residentes no exterior. Estes últimos moviam-se nos bastidores, aspirando que o “fruto caísse maduro” nos seus regaços, visando as suas aspirações egoístas de alcançar o poder absoluto.

A tomada da rádio foi uma ação simbólica com o objetivo de estabelecer controle sobre o pensamento e discurso público, preparando o caminho para a instalação de uma ditadura de partido único liderada pelo PAIGC, posteriormente PAICV. Este evento proporcionou ao ramo partidário cabo-verdiano do partido guineense de Amílcar Cabral (hoje incarnado no PAICV, herdeiro do PAIGC, e no MpD, atual partido no poder, de ideologia centro-direita) a oportunidade de emergir aos holofotes da população. Assim, a rádio, que não lhes pertencia, passou a transmitir e promover sem oposição sua propaganda e ideologia unilateral.

Simultaneamente, numa estratégia concertada de tipo golpista, silenciaram as forças que se lhe opunham, principalmente aquelas contrárias ao modelo de independência promovido pelo PAIGC, já vítimas de perseguição social e coação política. Este evento foi um passo importante na afirmação do controle político e simbólico do PAIGC em Cabo Verde, conferindo-lhe uma fachada de legitimidade que, na realidade, não possuía, enquanto evitava o reclamado Referendo de Autodeterminação, rejeitado por razões óbvias por este partido em 1974.

O arquipélago, sem condições sequer para uma autonomia parcial, foi catapultado para um processo de independência prematuro, de que ainda hoje sofre as sequelas. O PAIGC era liderado, em sua maioria, por militantes na diáspora ou diretamente ligados à luta armada na Guiné-Bissau. Em Cabo Verde, o partido não tinha uma presença nem expressão significativa na sociedade, o que tornou necessária uma estratégia de consolidação do poder por meio de ações simbólicas, como a tomada das rádios.

A tomada da Rádio Barlavento é vista como um golpe simbólico que manipulou a opinião pública, impondo uma ideologia e afastando a possibilidade de um processo democrático e genuíno de autodeterminação (sobre este assunto ler o artigo: dezembro de 1974, O fim do 25 de Abril em Cabo Verde, Jorge Montezinho, Expresso das ilhas, 4 de Dezembro de 2021). Cabo Verde foi precipitado em uma independência para a qual não estava preparado, enfrentando consequências econômicas e sociais que persistem até hoje.

O evento na Rádio Barlavento, ocorrido em pleno “bloom democrático” nos territórios sobre administração portuguesa, representado pela Revolução dos Cravos, representou um retrocesso político, inaugurando processos de radicalismo, marginalização de vozes críticas, e consolidação da autocracia como forma de poder — algo que ainda hoje ecoa no arquipélago.

A efeméride de 50 anos é, portanto, uma oportunidade para refletir sobre os legados desse evento, suas consequências, e o futuro de Cabo Verde à luz dos conceitos democráticos atuais. A controvérsia em torno da tomada da Rádio Barlavento destaca a necessidade de um debate aberto e inclusivo sobre o passado, para melhor compreender os desafios do presente.

Para mais informações sobre este evento, consulte minha opinião de 9 de dezembro de 2015 no famoso Blogue do falecido amigo Zito Azevedo:

https://arrozcatum.blogspot.com/search?q=radio%20barlavento

https://arrozcatum.blogspot.com/search?q=radio+barlavento

https://arrozcatum.blogspot.com/search?q=radio%20barlavento

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:José Fortes Lopes,9 dez 2024 11:01

Editado porAndre Amaral  em  9 dez 2024 16:06

pub.

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.