No rescaldo dos confrontos, os grupos em presença acabam, com pequenas variações, tendo comportamentos estereotipados que clamam por uma atenção especial.
Os grupos vencedores, por exemplo, tendem a exacerbar sua importância, assumindo-se como o suprassumo, o nec plus ultra, exaltando os seus feitos e reduzindo o grupo vencido a pouco mais do que nada. Acham-se imbuídos de uma missão quase divina, vêm-se dominando tudo e todos e, não raras vezes, fazem extrapolações que os factos não sustentam.
Já os grupos vencidos tendem, em um primeiro momento, a entrar em negação. Terá acontecido algo paranormal, pois tinham a melhor proposta, o melhor discurso, o melhor candidato e tendem a responsabilizar o eleitor que não soube escolher, o adversário que jogou sujo, o árbitro que não apitou todas as faltas, enfim, consideram-se injustiçados. Felizmente que essa fase não dura para sempre, acabando por avançar para a fase de autocomiseração, de vitimização, mas continuam buscando culpados.
Os grupos vencedores cedo começam a armar-se para outros embates, confiantes de que tudo está ao seu alcance e que o céu é o limite. A euforia instalada leva-os para a estrada, imbuídos do espírito de “TÁ TUDO DOMINADO” e ao som da marcha “JÁ GANHOU, JÁ GANHOU”. Não raras vezes caem na tentação de destacar uma figura, um rei-Sol, a que atribuem poderes místicos, e a quem seguem acriticamente.
Nos grupos vencidos, passado o período das lamentações e após algum tempo lambendo as feridas, os integrantes começam a delinear estratégias para voltar às luzes da ribalta. Há uma grande movimentação no sentido de identificar e alijar, borda fora, os responsáveis pela situação (desta feita já virados para dentro) e de cerrar fileiras à volta do Sebastião escolhido. E, passo a passo, as coisas tendem a voltar à normalidade, mas sempre sujeitos a uma enorme pressão para o retorno às vitórias.
Nos grupos vencedores e vencidos das eleições autárquicas do dia 1º de Dezembro, último, as coisas talvez não ocorram de forma tão estereotipada, mas não estarão muito longe dos padrões.
O grupo vencedor desde a primeira hora que se assumiu ungido para a vitória no pleito que virá a seguir. Sente que está tudo dominado e que a vitória no pleito que se segue serão favas contadas. Tem a razão do seu lado, sente que recebeu uma missão maior do que aquela para a qual lutou (e venceu) e reduz o adversário à sua ínfima expressão. Sente-se tentado a investir em uma nova liderança, apesar de já se sentir vencedor – está tudo dominado, mas convém jogar pelo seguro.
O grupo vencido também não escapou por muito aos estereótipos. Salvo duas digníssimas exceções – O POVO ESCOLHEU ESTÁ ESCOLHIDO, VIDA QUE SEGUE – o grosso dos atores se sentiu injustiçado. Tinham as melhores propostas, tinham o melhor discurso, fizeram a melhor campanha, tinham os melhores candidatos e não aceitam a derrota. As justificativas vão do eleitor que não soube escolher a fenómenos paranormais e mesmo a crimes eleitorais. Felizmente, cedo surgiu uma voz aceitando o facto de que vitórias e derrotas acontecem e que umas vezes se ganha, outras se perde. Reunidos em sede própria talvez tenham começado a aceitar o veredicto popular e se preparem para ajustar a estratégia, refazer o casting e aproveitar o tempo de que ainda dispõem para introduzir as correções que se impõem.
Dois anos parece ser muito tempo, mas não é. Desde logo porque se qualquer dos grupos optar por fazer cair a atual liderança, haverá calendários eleitorais estatutários a cumprir, fazendo com que as diretas e os concílios (Convenção, no MpD e Congresso, no PAI) só aconteçam lá pelo segundo semestre de 2025. As lideranças (se forem, de facto novas) que daí saírem terão pouco mais de ano e meio para se firmarem e comandar as hostes rumo à vitória. Um tempo indubitavelmente curto.
E isso sem contar com a dificuldade que terão para convencer as suas hostes de que precisam, de facto, de novas lideranças e que a solução passa pelo descarte das atuais lideranças.
O grupo vencedor teria que provar, à saciedade, que Rui Semedo não tem canelas para conduzir o PAI à vitória nas eleições gerais. Ele é, nem mais, nem menos, de que o primeiro líder do partido a fazer deste um campeão autárquico. E se Jacques Chirac, Nicolas Sarkozy, Jorge Sampaio, António Costa, Ulisses Correia e Silva pularam diretamente dos cadeirões de presidente da edilidade capitalina (Sarkozy vem de Neuilly-sur-Sene para a chefia do Governo) para o topo, não quer dizer que esse seja o único caminho e que o cadeirão se tenha transformado em um trampolim para tais saltos. As circunstâncias ditaram esse rumo, mas ele há que ter o sentido das proporções e necessário se torna uma aturada análise dos perfis em presença. Há um tempo para tudo.
O grupo vencido transformar-se-á em vencedor se alijar a sua atual liderança? Substituir UCS a ano e meio das eleições gerais (a contar da conclusão do eventual processo de substituição) fará do MpD vencedor das eleições gerais, se outras ações não forem encetadas? O problema será o Ulisses?
E se optarem por forçar Ulisses a fazer uma grande remodelação ministerial atingirão, apenas por essa via, os resultados que pretendem? Os resultados sofríveis em algumas áreas da governação (as sucessivas tentativas e erros em matéria de transportes aéreos e marítimos, alguns delírios na questão da transição energética e não só) resultam apenas de um problema de casting? Não terá nada a ver com o script? Substituir os atores, com o mesmo script melhorará o filme? Haverá tempo para refazer o script? Haverá novos atores interessados em embarcar em uma aventura que pode não dar em nada? Como diria o outro, os ministeriáveis não serão assim tão abundantes; e se se acreditar que o partido do Governo está em plano inclinado, haverá quem se disponibilize para ir para o Governo nessas circunstâncias e se queimar por tão pouco?
A psicologia dos grupos vencedores e dos vencidos é tramada e poucos grupos conseguem se livrar dos seus estereótipos. Mas há que ser inteligente e, de certa forma, patriota. O país aguentará os solavancos derivados de ações de gente que só pensa no seu umbigo?
Entre derrubar Rui Semedo e cerrar fileiras à sua volta, em nome de um bem maior, qual a melhor saída? Entre alijar Ulisses Correia e Silva e cerrar fileiras à volta dele (pelos menos, por enquanto) o que renderá mais ao MpD? E qual seria a melhor saída para o país, a braços com graves problemas?
A “SÍNDROME DO TERCEIRO MANDATO” poderá levar o MpD a agir precipitadamente. O Movimento não consegue ganhar três Legislaturas seguidas e tem pela frente um partido que quer que isso se mantenha assim. O PAI, no tempo dos plebiscitos, governou por 15 anos e, já em plena democracia, voltou a fazer três Legislaturas seguidas.
A pressão sobre o MpD é terrível, haja em vista a síndrome que, tudo leva a crer, já se instalou. Mas já não vai sendo tempo de o Movimento se transformar, em definitivo, em Partido e ir à luta, sem a pressão das estatísticas e, aqui sim, sem “djobi pa trás”? Se as travessias do deserto são duras, custosas e, por vezes, parecem que não vão ter um fim, travessias de 15 (quinze) anos são UÓ e quem por lá passou não quer voltar. Por isso mesmo, não vale stressar-se antes de tempo. Há um tempo para tudo. Felizmente.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1202 de 11 de Dezembro de 2024.