Sempre tive uma grande fascinação pelo Natal. Hoje em dia, muita gente diz que não gosta desta época porque se tornou muito mercantil, as pessoas gastam rios de dinheiro a comprar coisas de que, na maior parte das vezes, não precisam e são guardadas num armário. Eu sei o que é isso e, há já muitos anos, que digo aos meus amigos que não se incomodem a me comprar um presente. Convidem-me para tomar um café, conversar um pouco ou apareçam em minha casa para uma visita de amigo. A prenda que lhes peço é nada mais nada menos que um pouco do seu tempo. Quando penso nisto das visitas, fico triste porque cada vez há menos tempo e, mesmo eu, faço poucas visitas.
No ano passado, visitei umas amigas virtuais. Aquelas que todas os dias me mandam um bom dia, uma mensagem, um emoji, mas que não conhecia pessoalmente. Foi giro aparecer assim de surpresa. Agora que me lembro desses episódios até me dá vontade de repetir.
Mas, dizia eu, que gosto muito do espírito de natal. Gosto das luzes que iluminam a cidade, dos prédios e casas decorados. Este ano, o edifício do BAI aqui na cidade da Praia tem uma iluminação de natal que é uma verdadeira prenda para a cidade. Está lindo. Gosto de ver as crianças de férias, pensando nos presentes que vão ter. Os cafés enchem-se de odores irresistíveis dos doces típicos do Natal. O meu favorito é o bolo-rei. Gosto de comprar este bolo e oferecer aos meus amigos. E os corações das pessoas, no geral, também se enchem de solidariedade, vontade de praticar boas ações e muitas pessoas até conseguem sorrir mais e gritar menos.
Como vê, Pai Natal, também gosto de conversar e estou aqui a tomar o seu tempo falando do que eu gosto em vez de fazer o meu pedido. É defeito de profissão: nas petições e requerimentos, temos primeiro de apresentar os factos, as razões de direito e só depois fazer o pedido!
Pai Natal, como bem sabe, este foi um ano particularmente difícil, com guerras que nunca mais param em tantas partes do mundo. As imagens que vemos nas televisões e nas redes sociais são tão terríveis, mas cada vez nos impressionam menos porque nos vamos habituando a elas. E receio que esta nossa atitude de algum modo se torne cúmplice desta escalada da violência nos palcos da guerra. Mesmo nos lugares onde se põe fim a ditaduras de terror, ninguém consegue ficar feliz porque receamos que seja apenas a substituição de uma ditadura por outra igualmente má. No meio de tudo isto, o meu olhar acaba sempre por se fixar um pouco mais nas mulheres e nas crianças e, também para estas pessoas, o ano de 2024 não foi muito bom. Em muitas partes do mundo vimos todos os dias crescerem atos de repressão contra as mulheres, retirando-lhes, até, direitos básicos como fazer-se ouvir em público. O discurso de que as mulheres precisam de proteção de um homem, queiram ou não essa proteção, foi sufragado pelo povo de um país que tem liderado o mundo e esse discurso tem, na minha opinião, dado algum suporte à escalada da violência baseado no género pelo mundo fora. Mesmo nesta terra maravilhosa que se chama Cabo Verde somos confrontados com a revelação de já terem ocorrido cinco feminicídios durante este ano (e ele ainda não terminou). As crianças estão, igualmente, a ser vítimas principais das guerras, morrendo ou sofrendo graves ferimentos, ficando órfãs de pais e mães, vivendo cada hora do dia amedrontadas pelo som do horror. E neste mundo de avanços tecnológicos, nem as crianças que têm sorte de viver num ambiente familiar tranquilo e cómodo estão livres de perigo. Acabo de ler que o aliciamento sexual online de crianças aumentou 300% de 2021 para 2023.
Mas, usando uma expressão do Santo João Paulo II, nem tudo são sombras. Há muitas luzes que se acedem e forte e rapidamente acabam com a escuridão do terror e desespero, e há outras que timidamente se vão acendendo, abrindo caminhos de esperança de dias melhores. Em muitos lados do mundo as populações dizem basta e saem a rua reclamando melhores condições de vida e o fim da corrupção instalada no poder em movimentos populares tão grandes e coesos que não podem ser facilmente reprimidos.
Por isso, Pai Natal, o que eu queria é que me trouxesse uma vitamina para fortalecer a esperança e a vontade de continuar a trabalhar para acabar com todas as violações dos direitos humanos que ocorrem junto de mim ou nesse mundo fora. Juntamente com essa vitamina fortificante da esperança e da energia para não cruzar os braços, se possível, traga-me uns pozinhos de sabedoria para não produzir o mal com as minhas boas intenções, para que eu saiba como bem usar esta arma poderosa que é a palavra (dita ou escrita). E nesta lista de pedidos incluo, também, uns grãozinhos de eficácia nas ações que desenvolvo, para que atinjam os objetivos da paz, fraternidade e igualdade pretendidos. Para terminar mesmo, Pai Natal, por favor, distribua estas vitaminas, pozinhos e grãozinhos por todos os líderes mundiais.
Termino, meu bom velho Pai Natal, com a certeza de que os meus pedidos serão todos devidamente analisados e, com certeza, se não forem todos, algum me será concedido.
Com muita amizade e respeito, receba um forte abraço.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1204 de 24 de Dezembro de 2024.