Se, no caso das pessoas, essa insularidade precária leva ao isolamento e, muitas vezes, à emigração por falta de oportunidades e de desenvolvimento, nas empresas ela é um constrangimento, muitas vezes, impossível de ultrapassar. Os custos e horários encarecem muito as operações logísticas e inviabilizam muitas das iniciativas.
Importa relembrar, a este propósito, que cerca de 97% das empresas cabo-verdianas são micro, pequenas ou médias empresas, com uma esmagadora maioria de cerca de 87% a desenvolver a sua atividade no setor terciário, com uma predominância relevante no comércio (45%). Com um tecido empresarial com estas características, e muitas vezes operando com muita informalidade, é fundamental criar condições de circulação de pessoas e bens mais eficientes e mais económicas.
Num mercado com uma dimensão tão reduzida e limitado em termos de potencial, não podemos imaginar um modelo sem subsidiação do Estado, mas podemos, no entanto, imaginar um modelo com inovação, que aposte nas novas tecnologias e que permita aos operadores existentes, e a outros que possam vir a surgir, otimizar as suas operações e adequar a sua oferta à dimensão real do nosso território. Não faz sentido transportar 10 pessoas num ATR, com 6 vezes mais capacidade, ou 100kg de pescado terem de esperar por um navio que transporta toneladas.
Transporte de mercadorias - a aposta nas novas tecnologias
O Mundo assistiu, nos últimos anos, a avanços tecnológicos com impacto transversal em todos os setores, sendo sentido de forma bastante significativa nos transportes, que sofreram uma transformação tremenda. Nesta década, assistimos a softwares que eliminaram os mapas em papel, combustíveis a serem substituídos por novas fontes de energia e a veículos autónomos, sem a tradicional condução humana. A inovação não permitiu apenas transformar a forma como as pessoas se deslocam, mas criou alterações profundas no transporte de mercadorias.
Esta é uma fase digital que aposta na eficiência, mobilidade e sustentabilidade. Com os avanços da inteligência artificial, este novo Mundo caminha para mais uma revolução no setor dos transportes, uma revolução que traga a capacidade de eliminar barreiras, diminuir distâncias e melhorar eficiências.
Num mercado como o nosso, é importante termos em atenção as necessidades e as características dos nossos transportes internos de mercadorias. Dos pequenos pescadores, dos pequenos negócios, dos pequenos produtores ou de encomendas urgentes ou medicamentos. Estes, como outros, necessitam de soluções ágeis, eficientes, mais disponíveis e mais económicas. Acima de tudo, que lhes permitam conectar-se com os seus mercados de forma mais eficiente.
Os drones de carga já não são um sonho ou um efeito especial de um qualquer filme de ficção científica. Os drones de carga são uma visão do futuro que já vive no nosso presente. E se as primeiras experiências tinham limitações de peso e autonomia, o mercado já oferece soluções perfeitamente enquadradas com a realidade de Cabo Verde e dos seus pequenos empreendedores.
Este é um mundo onde as entregas podem ser rápidas e eficientes, tanto interilhas como em áreas remotas ou de difícil acesso, aliviando também o congestionamento nas estradas e substituindo barcos de grande porte, não adequados a um volume de menor dimensão.
Deixo como exemplo a Dronamics. Criada na Bulgária em 2014, esta empresa partiu com o sonho de democratizar as entregas de carga na Europa e tornar esse setor mais eficiente, mais rápido para zonas de maior dificuldade de acesso e com preços mais acessíveis. Portadores de certificação (como a da IATA), que lhes permite operar como uma outra qualquer companhia aérea, esta solução tem a vantagem de conseguir aterrar em locais mais remotos e em pistas com uma dimensão de apenas 400 metros, algo impensável para um avião tradicional de transporte de carga.
Além de rápidos, flexíveis e mais económicos, os drones de carga são ainda mais eficientes e ecológicos, reduzindo o seu impacto de CO2 em mais de 60%. Por último, a capacidade desta nova geração de drones apresenta valores compatíveis com um mercado como o de Cabo Verde. Podendo carregar até 350kg, estes drones são semelhantes a uma pequena carrinha de carga, servindo na perfeição as necessidades de produtores individuais ou pequenas empresas.
Um futuro com Pessoas
A ligação entre ilhas é importante para as empresas, mas é essencial para as pessoas. Sem economia, a vida é muito mais difícil; no entanto, sem pessoas, não existe vida. Numa nação onde 99% é oceano, é imperativo alcançar-se uma capacidade real de ligar as pessoas ao território e ao mundo. A sensação de isolamento resulta num problema social profundo, que se reflete na diminuição grave de população na maioria das ilhas. A falta de oferta em alguns territórios, a falta de oportunidades, as enormes lacunas em bens e serviços essenciais não são colmatadas com uma acessibilidade global a outros territórios onde tais necessidades possam ser supridas.
O problema está identificado, é real e é, provavelmente, um dos três mais relevantes da nossa sociedade e um dos principais motivos para a falta de desenvolvimento do território. Cabo Verde, ao longo da sua história, copiou soluções, adaptou legislação ou importou ideias. O nosso mar é diferente dos fiordes da Noruega. Barcos e materiais que funcionam noutras partes do globo não são os mais indicados para as nossas águas.
Um investimento sério e efetivo em equipamentos é necessário, mas é, acima de tudo, relevante fazer esse investimento em equipamentos que estejam adaptados às necessidades e à realidade de Cabo Verde. Navios mais pequenos, mais ágeis de operar e que permitam rentabilizar as rotas com menos pessoas e carga e com os quais se consigam ter rotas mais regulares. Navios que, pelos materiais utilizados e formas de construção, permitam navegar com maior eficiência e tranquilidade pelos nossos mares.
A ambição de várias ligações diárias entre ilhas, que permitam a todos os cabo-verdianos poder ter várias opções de chegar a qualquer destino do território, ou destinos internacionais, diariamente, deve ser um sonho pelo qual devemos trabalhar e aplicarmos as nossas forças para que se concretize. Para tal, deve existir mais meios, mais rotas e mais complementaridade com os transportes aéreos.
Para atingir este objetivo, é crucial investir em infraestruturas de apoio adequadas às nossas condições e que considerem as alterações climáticas. Situações como a impossibilidade de atracar não devem ocorrer, mas infelizmente são mais frequentes do que o desejável. A engenharia marítima, as estruturas marítimas e as novas tecnologias são elementos-chave para o sucesso desta ambição, sendo o seu desenvolvimento e implementação uma prioridade.
Termino com algo que define uma nação: um povo, uma cultura e um território. Esta identidade coletiva só é possível de ter futuro se lutarmos pela unidade territorial e esta, sendo nós, orgulhosamente, uma nação composta por ilhas, só é alcançada através da criação de uma verdadeira mobilidade e uma estratégia cabo-verdiana e para cabo-verdianos de ligação de pessoas e mercadorias, eficiente, diária e com qualidade. Tenhamos esta visão como objetivo, e o futuro trará desenvolvimento, crescimento das populações e uma maior equidade de oportunidades e rendimento entre as ilhas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1210 de 5 de Fevereiro de 2025.