Estamos a dar um passo firme para o futuro ou a caminhar sobre um terreno instável, correndo o risco de tropeçar?
Uma Língua Viva, mas com Desafios
O crioulo é, sem dúvida, a língua que pulsa nas ruas e nas casas de Cabo Verde. Repleta de história e sentimento, é a alma dopaís.Contudo,aoser inserida nas escolas, não pode ser reduzida a uma simples ferramenta identitária. Para que o crioulo se imponha de forma sólida, precisa ser tratado com o mesmo rigor e respeito que as demais línguas, sem cair na tentação de ser uma disciplina de fachada, sem impacto real na aprendizagem dos alunos.
A verdadeira questão não está apenas na língua em si, mas em como garantir queseja integrada de forma eficaz no processo educacional. Para que o crioulo se torne um pilar da educação cabo-verdiana, é necessário um compromisso sério com a sua norma ortográfica e com a criação de materiais pedagógicos adequados.
Superando Obstáculos: Normas e Formação
A falta de uma ortografia consensualeadiversidade linguística entre as ilhas tornam o ensino do crioulo um desafio complexo. O crioulo é dinâmico e está em constante evolução ,mas é necessário um sistema que consiga traduzir essa fluidez para a realidade escolar de forma clara e eficaz. A ausência de uma formação específica para os professores agrava ainda mais este problema. Sem a preparação adequada,corremos o risco de fragmentar o ensino do crioulo, tornando-o inconsistente e superficial.
Além disso, a formação de educadores especializados nesta língua é crucial. O crioulo deve ser visto como uma língua de estudo sério e não apenas como um meio de comunicação informal. Ensinar o crioulo exige domínio das suas particularidades e variedades dialectais, algo que não se aprende de forma superficial.
Bilinguismo: Harmonia ou Conflito?
A coexistência do crioulo e do português na escola deve ser uma escolha estratégica e equilibrada. O português, sendo a língua oficial, é fundamental para a inserção dos jovens no mercado de trabalho globalizado. Mas o crioulo, como pilar cultural, deve ter o mesmo tratamento. A chave está em garantir que a promoção de um, não prejudique o desenvolvimento do outro. A verdadeira competência bilíngue requer que os alunos sejam proficientes em ambas as línguas, sem que uma interfira no domínio da outra.
O risco de um conflito linguístico, em vez de uma colaboração harmónica, é real.
Assim, a implementação de um ensino bilíngue de qualidade exige metodologias que respeitem ambas as línguas, assegurando que a aprendizagem de uma não prejudique a outra.
Educação: Identidade e Progresso
A educação vai além do ensino das línguas. Deve ser uma ferramenta para construir uma identidade crítica e reflexiva. O manual Língua e Cultura Cabo-verdiana, crilticado por alguns, pode ser um bom ponto de partida, mas não pode ser encarado como o objectivo final. Deve proporcionar uma compreensão crítica da nossa história, sem cair na nostalgia de um passado que já não nos serve. Precisamos de um ensino que valorize o crioulo, mas também ensine a pensar criticamente sobre a nossa realidade social e cultural.
O grande desafio que se coloca diante de nós não é apenas linguístico, mas também cultural e pedagógico.
O futuro da educação em Cabo Verde não pode ser uma escolha entre preservar a identidade ou adoptar novas práticas. A educação deve ser o espaço onde o passado se encontra com o futuro, onde tradição e inovação se combinam.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1215 de 12 de Março de 2025.