Há uma tentação, por parte de políticos, comentadores ou jornalistas, de analisar o país como se estivessem num museu, à distância. Como se estas classes pairassem longe da realidade quotidiana dos cabo-verdianos. Devemos inverter isso. O debate sobre o Estado da Nação deve ser, acima de tudo, o momento em que o país se olha ao espelho: onde todos nos colocamos lado a lado e vemos de onde viemos, onde estamos e para onde precisamos de caminhar. Porque todos fazemos parte do Povo de Cabo Verde, e não pode haver outra forma de governar que não seja para o Povo, com o Povo e pelo Povo.
Os números contam parte da história, mas o que verdadeiramente importa é o impacto na vida de cada cabo-verdiano. As estatísticas são um retrato solene, revelando o que se quer ver e ocultando o que se evita confrontar.
Vivemos no tempo das perguntas difíceis e das promessas fáceis. O país cresce, mas quem cresce com ele? A economia respira, mas acompanha a justiça social? Há planos e relatórios, mas o povo quer saber: há pão na mesa? Há futuro para os filhos? Há esperança?
“Nenhuma ilha é uma ilha, por mais rodeada de mar que esteja.” — John Donne
Cabo Verde não está isolado. Sofremos os impactos das guerras, das alterações climáticas, dos mercados. E sentimos também a urgência de fazer diferente e melhor. Se somos poucos, sejamos imensos na ambição. Se frágeis, sejamos firmes na visão.
É tempo de transformar discursos em coragem: coragem para admitir o que não se fez, para dizer o que se quer fazer, para mudar o que precisa ser mudado. Que nunca falte a verdade, esse bem escasso, pois é com ela que se escreve a confiança. E sem confiança, não há Estado que se aguente, nem Nação que avance.
Cabo Verde está a construir o futuro todos os dias, com esforço e resiliência. Os indicadores apresentados não são apenas números: são vidas que melhoram, comunidades que avançam e sonhos que se tornam possíveis. Vivemos tempos desafiantes, mas também de conquistas silenciosas, onde cada passo é uma semente para um amanhã mais justo.
Uma nação mede-se não pelo que sonha, mas pelo que concretiza
Cabo Verde encerrou 2024 com um crescimento económico de 7,3%, impulsionado pelo turismo, setor que representa mais de 70% da atividade económica nacional. Com crescimento acima dos 16% ao ano, o turismo confirma-se como motor de desenvolvimento, com impacto na economia, no emprego e na confiança.
A inflação caiu para perto de 1%, traduzindo-se em aumento real do rendimento das famílias, alívio no custo de vida e redução da pobreza para cerca de 14,4%. O país registou ainda, pela primeira vez em quatro anos, um superavit na balança corrente.
O Estado Digital é já uma realidade. Com o Portal Consular, o tempo de emissão de documentos para a diáspora caiu 85%, e 62% dos pedidos são processados em um dia. Até 2030, mais de 80% dos serviços públicos estarão digitalizados, tornando o Estado acessível a todos, em qualquer lugar.
Somos um país oceânico. O mar não é aquilo que nos separa, mas o que nos liga. Durante décadas, tratámo-lo como moldura; agora ele é o quadro principal. A economia azul é parte central da estratégia de desenvolvimento sustentável. Projetos de pesca sustentável, empoderamento feminino e valorização do pescado mostram uma governação com impacto real. Com mais de um milhão de euros investidos, os programas beneficiam crianças e comunidades frágeis.
O Estado da Nação é também o Estado do Oceano. O mar alimenta-nos, move-nos e dá-nos identidade. É ali que reside a maior oportunidade estratégica de Cabo Verde. Mas essa oportunidade exige liderança, investimento e visão.
A aviação doméstica é hoje um dos rostos mais visíveis da justiça territorial. No primeiro semestre de 2025, o tráfego aéreo interno atingiu níveis históricos. A introdução de tarifas diferenciadas, com descontos até 40% para idosos, estudantes e famílias numerosas, tornou o voo entre ilhas um direito acessível. O aumento de voos e a confiança nos transportes são prova de que, quando se governa com visão, os resultados aparecem e são sentidos no quotidiano.
Na saúde e proteção social, Cabo Verde lidera: foi certificado pela OMS como livre de malária. Mais de 50% da população está coberta por proteção social, e o Rendimento Social de Inclusão apoia mais de 9.000 famílias vulneráveis.
“O melhor modo de prever o futuro é criá-lo.” — Peter Drucker
O futuro exige consolidar os progressos, acelerar os projetos estruturantes e não deixar ninguém para trás. A prioridade é clara: investir nas pessoas, reforçar a proteção social, garantir saúde e educação, promover o emprego jovem e ampliar o acesso à habitação condigna. É também momento de diversificar a economia com base na transição energética, na digitalização, na economia azul e na agricultura sustentável, pilares da soberania económica e climática.
Devemos aspirar a um Cabo Verde mais justo, onde o desenvolvimento não seja privilégio de poucos, mas direito de todos. Um país moderno que projeta as suas raízes no futuro. Um arquipélago com voz firme no mundo, que valoriza a democracia, protege o mar e a juventude, e acredita no diálogo e no trabalho.
Este é o tempo de elevar o debate. De ouvir mais do que responder. De construir mais do que dividir. O Estado da Nação deve ser um pacto de futuro, um momento de verdade, não de vitrine. Porque quando falamos da Nação, falamos de todos nós.
Num tempo de respostas instantâneas, importa lembrar: políticas públicas sérias exigem consistência, paciência e visão. As melhorias que hoje celebramos, nos transportes, na saúde, na economia ou na justiça social, são frutos de decisões corajosas tomadas anos antes. Por isso, não podemos ceder à tentação de retroceder. O que está em causa é o rumo de um país que, passo a passo, constrói um futuro mais justo, inclusivo e sustentável.
E com tudo isto chegamos a uma visão: um Cabo Verde inclusivo, sustentável e soberano. Um país de oportunidades, onde cada cabo-verdiano, em qualquer ilha ou na diáspora, sinta que está a escrever, com dignidade e orgulho, o próximo capítulo da nossa História.