Entre sugestões de envio do documento a organismos internacionais e recomendações de instauração de providência cautelar, há quem defenda que o documento é necessário precisando apenas de alguns ajustes..
A Proposta de Código de Ética e Conduta da RTC (PCECRTC) partilhado internamente pela administração da empresa pública de comunicação social com os seus funcionários – jornalistas e equiparados - chegou ao domínio público e rapidamente suscitou reacções.
O documento nasce sem um contexto explicitado pela RTC, que no seu preâmbulo apenas diz que o público e as partes interessadas “têm todo o direito de esperar que os nossos profissionais sejam competentes e confiáveis, e estejam trabalhando no melhor interesse da RTC”
Os administradores da empresa estatal dizem pretender assegurar que os colaboradores da RTC “actuem no melhor interesse público e da empresa, sem serem parciais relativamente a alguma organização em particular ou aos seus interesses pessoais”.
Num dos pontos denominado “Normas de Conduta” o documento elenca uma série de recomendações e restrições ao pessoal afecto à RTC, naquilo que entendem ser as melhores práticas para servir o interesse público: combater o suborno e a corrupção, postura perante presentes e gratificações, postura perante conflitos de interesse, actividades nas redes sociais, entre outros.
As primeiras reacções até vieram de quem não é jornalista ou outro tipo de funcionário da RTC, alertando para eventuais violações de liberdades consagradas na Constituição da República. Encorajados a manifestarem-se, logo alguns jornalistas da empresa começaram a dar a conhecer a sua posição.
“Iremos repudiar esse documento ultrajante que os seus autores dizem se inspirar nas melhores práticas da BBC, NY Times e outros órgãos de comunicação social credíveis deste mundo. (…) Com esse Código a nossa profissão entra num colete-de-forças sem precedentes numa realidade onde exercer o jornalismo já começa a ser um verdadeiro calvário”, escreveu Margarida Fontes, jornalista da TCV.
Júlio Rodrigues, também jornalista e também da TCV, vai mais longe na sua avaliação: “o documento ultrapassa o limite do bom-senso e da razoabilidade, realçando princípios que parecem extraídos de manuais nazis!”, sublinha na rede social usada para comentar o assunto.
Contudo, vozes também se fizeram ouvir em defesa da proposta, lembrando que em órgãos de comunicação internacional a instituição de códigos de ética e de postura tem se tornado comum.
“Repara que em jornais escritos e em redes televisivas da melhor qualidade: DN, Expresso, SIC e TVI, além da imprensa norte-americana, já existem ou estão em vias de ser implementados códigos de condutas dos jornalistas”, apontou online o jurista João Gomes.
Os comentários negativos ao documento, por parte de jornalistas da empresa e de outras figuras, não chegam a especificar quais e quais pontos consideram ir contra a Constituição da República, violando a liberdade de imprensa e de expressão. O documento parece ser rejeitado no seu todo e essa postura tornou-se mais clara com a entrada em cena do comunicado da RTC em resposta à discussão surgida no Facebook.
Fontes de Inspiração
O CA da empresa de comunicação social frisa que “a PROPOSTA (sic) de Código de Ética e Conduta foi elaborada com base em fontes absolutamente insuspeitas e está a ser socializada de forma absolutamente aberta e transparente”, diz no comunicado que rebate interpretações no sentido de “uma eventual intenção de perseguir, limitar ou ferir a liberdade dos trabalhadores da empresa”.
Porém, no entender de alguns jornalistas, não serve ir buscar as leis e os códigos internacionais como modelos “já que os contextos são outros e o código teria que espelhar primeiramente a Constituição de Cabo Verde”.
O Conselho de Administração da Rádio e Televisão públicas diz ter partilhado, desde 28 de Dezembro, com todos os seus funcionários – e também com a AJOC e o SITTHUR - a proposta que “encontra-se apenas na sua primeira fase, que é a socialização através de e-mails, com vista a se recolher contributos. Haverá uma segunda fase, que passará pela exposição presencial, acompanhada de esclarecimentos”, lê-se no comunicado em que se diz ainda que o objectivo final é fazer chegar a versão final da proposta à Assembleia Geral da RTC para deliberação.
Entretanto, para esta quinta-feira, está agendado um debate na TCV entre as partes interessadas.
O sindicato dos jornalistas avança, contudo, que não está disposto a aceitar este documento-proposta, nem mesmo como base para um futuro Código de Ética e de Conduta da empresa. Para passar pelo crivo dos jornalistas teria que se criar, de raiz, um novo documento (ver caixa).
Este é, de resto, o conselho dado por Gualberto de Rosário Almada aos abrangidos pela proposta do CA da RTC. O ex-primeiro ministro de Cabo Verde e ex-dirigente do MpD comentou o tema num texto publicado na sua página de Facebook e sentenciou: “Acima de tudo, a Constituição da República. Ninguém é obrigado a obedecer a tal norma. Solução: deitar a baixo e ignorar”.
Outra resposta por parte da RTC às reacções manifestadas veio de Humberto Santos, director da RCV. Num texto intitulado “Proposta de Código de Ética e de Conduta da RTC, um teste à democracia cabo-verdiana”, aquele jornalista assume parte da autoria do documento na origem da controvérsia, e defende:
“Digo que (…) é um teste à nossa democracia, porque, ao contrário do que se pretende fazer crer, a sua intenção é exatamente defender a liberdade de expressão e de informação e, com isso, uma melhor democracia. Ao que parece, e a meu ver, não estamos a passar neste teste”, escreve Santos que também acusa haver aproveitamento político da situação já que considera que “mesmo que, hipoteticamente, a PCECRTC trouxesse medidas que poderiam dificultar essa liberdade, o bom senso recomenda que as nossas posições sejam no sentido de propor retiradas ou reescrita dessas medidas, porque a socialização serve é para isso”.
Partidos comentam
Os partidos políticos também se envolveram na polémica, com o PAICV a defender que o código atenta contra o Estado de Direito Democrático e a democracia, e constitui uma machadada nos ganhos a nível de liberdade de imprensa que o país tem vindo a conseguir. O MpD respondeu e lamentou que uma proposta socializada para obtenção de contributos seja “transformada em machadada na liberdade de imprensa”, acusando o PAICV de ter uma estratégia para “denigrir a imagem do governo”, sem olhar às consequências na imagem do país.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 841 de 10 de Janeiro de 2017.