Trata-se, acima de tudo, de uma necessidade que se impõe no sentido de melhorar a eficiência do Estado e reduzir as assimetrias regionais. E, embora reconheça que a discussão em torno da Regionalização e referente proposta de lei ainda vai ser longa, considera que é preciso agir com rapidez, não protelando esta reforma de Estado que na linha do que aconteceu em 1992 com a criação das autarquias, certamente, vai trazer ganhos para todo o país.
A proposta de Lei da Regionalização está pronta e foi já apresentada na Praia e no Mindelo, sendo que irá continuar a ser debatida pelo país, numa discussão aberta.
O consultor Francisco Tavares compara a necessidade de se avançar com a regionalização com aquela que promoveu a criação do poder local em 1992.
Nessa altura, o país “precisava de uma descentralização que foi feita com a criação das autarquias locais, neste momento Cabo Verde está a precisar de uma segunda vaga de descentralização para que o Estado melhore a sua eficiência e se consiga, nomeadamente, reduzir as assimetrias regionais”, defende, em entrevista ao Expresso das Ilhas.
Local e Regional
O modelo proposto cria dez regiões, uma por ilha, com duas em Santiago (Norte e Sul) e cada uma terá uma governação intermédia entre o local e o central. Questionado sobre uma eventual redundância, tendo em conta que muitas ilhas têm apenas um município, Francisco Tavares, que foi também presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina de Santiago, recorre à sua experiência como autarca e demarca: “uma coisa são as autarquias locais, o poder local, outra coisa são as regiões, que são colectividades territoriais.”
As atribuições de ambas são diferentes e servem o país de diferentes maneiras. Actualmente, há um “conjunto de atribuições que estão nas mãos do governo a nível central e que não faz sentido serem enviadas para os municípios, pela sua pequena escala.” Assim, justifica-se, no seu entender, que “sejam descentralizadas para um nível de governação intermédio”.
Isso deverá ocorrer, “emagrecendo o governo a nível central, que deverá concentrar-se nas áreas de soberania, ou seja, é tirar mais poder da Praia, e mandar mais poderes para o território”.
Dez regiões
Sobre se esse modelo de regionalização – que passa para cada uma das dez regiões funções operacionais e competências, num plano regional, em matérias como a saúde, educação ou agricultura – trará maior fragmentação ao país, Francisco Tavares refuta, lembrando que “a política nacional continuará a ser definida pelo governo, com o parlamento”.
“Simplesmente, em todas as decisões de maior relevância com implicação regional, as regiões terão de ser consultadas, o que vai garantir maior eficiência do Estado porque há maior participação dos poderes territoriais nas decisões de carácter nacional”, aponta.
O facto do modelo estipular que cada região será composta por uma ilha e não um agrupamento de ilhas também tem levantado alguma celeuma. Francisco Tavares considera que é a mais natural tendo em conta a geografia do país e o que melhor dá resposta ao que se procura: um Estado próximo, um centro de decisão próximo, mais envolvimento dos cabo-verdianos.
“Traz sobretudo eficiência, porque, por sermos ilhas, boa parte dos serviços já tem de ser multiplicado pelo número de ilhas. Portanto, agora há que ter o poder de decisão mais próximo e é isso que a regionalização faz”, observa.
A regionalização trará uma alocação de recursos. “Quando as atribuições forem descentralizadas para as regiões, vão também os recursos humanos e os recursos financeiros. Ou seja, em vez de, por exemplo, em cada 100 escudos, o uso de 20 ser decidido a nível local, passará a ser muito mais”.
Mas a regionalização, conforme proposta, representará também um custo adicional de 400 mil contos anuais nas contas públicas.
“É 0,2% do PIB e 0,7% do Orçamento de Estado de Cabo Verde”, um valor que no entender do consultor se justifica.
Um tema sempre presente, quando se fala nas condicionantes geográfica do país e oportunidades para as ilhas, são os transportes. Assim, questionado se esse custo não poderia ser transposto para esse sector, com efeitos mais imediatos e efectivos, Francisco Tavares é peremptório: “Os transportes inter-ilhas não levam o poder da decisão”.
É sim um outro problema de fundo que é urgente resolver, para garantir a integração do mercado, mas não “faz sentido” compará-lo com a regionalização.
“Não é um bom transporte que substitui a regionalização. A regionalização é ter o essencial das decisões das ilhas tomadas e controladas pelas suas populações, através dos seus representantes. Em vez de 80% dos recursos aplicados serem decididos e controlados a partir da Praia é melhor serem decididos e controlados” nas ilhas.
2/3 de Proposta aberta
Entretanto, como referido, já foram promovidos dois debates, um na Praia e outro em Mindelo para discutir o modelo de Regionalização. Este fim-de-semana, terá lugar um terceiro, em Assomada, e a ideia é replicar o debate nas restantes ilhas.
Os subsídios aí recolhidos estão a ser levados em conta e de acordo com o consultor, pelas “descrições vindas dos conferencistas tudo leva a crer que há muita abertura de espírito para se discutir esta matéria”.
Mais ainda, denota-se que “há uma convergência alargada sobre a necessidade da regionalização”, sendo que “estão criadas as condições para que se faça um bom debate, para que se discuta ao pormenor e se tome a melhor decisão”.
Entretanto, a proposta de lei da Regionalização do MpD está já na Comissão Paritária, “mas ainda a título informal”. Só dará entrada formalmente, depois de o fazer na Assembleia.
Conforme anunciado pelo governo, que não adiante datas, a proposta de lei vai ser aprovada em Conselho de Ministros e seguirá para o Parlamento onde “haverá mais implicação dos actores políticos à procura de um consenso”, pois a lei exige 2/3 para ser aprovada”.
A nível do Parlamento, apesar das crispações do momento, Francisco Tavares acredita que será possível encontrar também consenso.
“Essas são questões conjunturais. A regionalização vai ser a segunda maior reforma do Estado de Cabo Verde” e há a consciência da sua necessidade.
“É a regionalização que vai configurar o Estado na perspectiva da territorialização e vai dar ao Estado de Cabo Verde a configuração necessária para valorizar o potencial das ilhas, para reduzir as assimetrias, para melhorar a eficiência do Estado e, sobretudo, garantir maior equidade em Cabo Verde”, reitera.
“Portanto, é uma causa tão nobre que não se confunde com questões conjunturais como, por exemplo, as imunidades”, avalia.
De fora está, como já várias vezes assumido pelo próprio Primeiro-ministro, a ideia de um referendo para aprovação da Regionalização.
“Em Cabo Verde sempre fomos ousados. Em 1992 quando se fez a maior vaga de descentralização da nossa história, quando se criou os municípios, fomos muito ousados. Tivemos uma boa visão sobre o futuro do país descentralizado, avançamos e deu resultados. Portanto, isto não é uma aventura e agora não há que complicar desnecessariamente”, diz Francisco Tavares.
Para o consultor o importante é haver acordo sobre a regionalização e avançar, sem perder tempo com questões que estagnam o processo enquanto “o país aguarda por uma outra configuração do Estado que garanta melhor valorização do potencial económico das ilhas”.
“As ilhas precisam de oportunidades”, exorta.
Rever a
Constituição?
Muito se tem falado também sobre a eventual necessidade de rever a Constituição da República antes de poder avançar com a Regionalização.
No entanto, defende Francisco Tavares que a proposta “em mãos” não necessita desse passo, não obstante haver “implicações que a regionalização traz para o futuro que poderão requerer essa revisão”.
“Mas não na proposta que está pronta”, sublinha.
Entre as consequências da Regionalização está, por exemplo, que o governo “terá de encolher-se. Teremos um governo muito mais enxuto, concentrado na questão da soberania. Eventualmente, poderá ser necessário inclusive reduzir o tamanho do parlamento e quem sabe a longo prazo, tendo em conta o peso das regiões na execução dos programas de desenvolvimento, ter-se eventualmente até uma segunda câmara. Portanto, é um processo longo, mas que só traz ganhos para o Estado de Cabo Verde e para os cabo-verdianos.”
Quanto a datas para entrada em vigor, Francisco Tavares relembra tratar-se de um processo parlamentar pelo que as mesmas dependerão desse órgão. Contudo, na sua opinião, “este ano é suficiente para a lei ser aprovada, por forma a que em 2020 se façam eleições”.
A Lei irá obrigar a um conjunto de medidas “que ficam pendentes, nomeadamente o Código Eleitoral que tem de ser alterado”, bem como o Estatuto dos municípios, sendo que este será “alterado após a decisão sobre a regionalização”.
Interessa, defende o consultor, acelerar essa decisão, efectivando as reformas, “se não, vamos entrar numa onda de discussões infindáveis como foi em Portugal que só mata o processo”, diz pragmático.
Recorde-se que, de acordo com a proposta de Lei da Regionalização, a divisão administrativa e política do país passa a contar com uma Assembleia Regional, que é órgão deliberativo e cujos deputados são escolhidos por sufrágio universal e ainda por uma Comissão Executiva Regional, cujo presidente será o primeiro eleito da lista mais votada para a Assembleia Regional.
O PEDS e a regionalização
Descentralizar tem-se instituído como palavra de ordem em Cabo Verde, está plasmada nomeadamente em todo o Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável (PEDS). E para territorializar “este instrumento de gestão do desenvolvimento”, o governo decidiu regionalizá-lo, sendo que as metas propostas, no seu essencial, já contam com Santiago Norte, Santiago Sul e as restantes oito ilhas, num total de dez regiões.
Quer isto dizer, que “o governo pode executar este plano não pensando apenas no todo nacional mas de forma regionalizada”. E pode fazê-lo de imediato, independentemente da aprovação da lei.
Mas como se relacionam então PEDS e regionalização? Como explica o consultor, o PEDS vem demonstrar que se se assumir a perspectiva da territorialização na gestão do desenvolvimento e na configuração do Estado, se consegue melhorar a eficiência do Estado, reduzir as assimetrias regionais, e consegue sobretudo valorizar o potencial das ilhas e acelerar o crescimento, garante o consultor.
“A regionalização não é outra coisa se não assumir a perspectiva da territorialização na configuração do Estado”, sublinha.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 851 de 21 de Março de 2018.