É um projecto que segue várias “correntes” de cooperação: Sul-Sul, Norte-Sul, Sul-Norte, Norte-Norte. Uma rede que se estabelece, em torno de um oceano partilhado, com base numa agenda científica e tecnológica igualmente comum.
Uma “federação”, como lhe chama o ministro português da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, de centros de investigação, de universidades e outros polos de conhecimento, mas também económicos e de decisão.
O AIR Centre, em processo de implementação, junta “muitos governos e, inclusive, empresas” numa agenda que se pretende que “nasça com as bases”, pelo que o diálogo é fundamental.
Foi neste contexto que, depois de Açores (Portugal) e Florianópolis (Brasil), em 2017, se realizaram os 3.º Diálogos de Alto Nível do AIR Centre. Desta vez o encontro teve lugar em Cabo Verde, num evento organizado pelo governo, através doMinistério da Educação e Direção-Geral do Ensino Superior.
O 3º Diálogo de Alto Nível Indústria-Ciência-Governo, que reuniu cerca de 300 participantes, entre investigadores, operadores económicos e representantes ministeriais, pretendeu analisar os avanços conseguidos na instalação do AIR Centre desde a sua criação, pela Declaração de Florianópolis, em Novembro passado.
Analisar e dar mais um passo. Este encontro em Cabo Verde, no qual foi assinada a Declaração da Praia (ver caixa), deverá ser o último passo da fase conceptual do projecto – no qual foram lançadas as bases para a institucionalização do AIR Centre.
“A próxima reunião já está marcada para as Canárias [em Novembro], onde acabará a fase de instalação”, referiu Manuel Heitor. Até lá, “a ideia é passar do programa científico para projectos e iniciativas concretas para que possam gradualmente ser implementadas", disse o ministro português, país que em 2016 lançou a iniciativa Atlantic Interactions.
Uma Network Atlântica…
“O centro não é português, não é cabo-verdiano. Será de todos os países que participam nele", frisou Manuel Heitor, reiterando que a forma como este está conceptualizado assenta na criação de uma "federação" de uma série de infraestruturas científicas que já existem no Atlântico.
Há uma sede “simbólica” nos Açores, mas o AIR Centre é “uma verdadeira rede com centros em todo o atlântico. Brasil, África do Sul, Nigéria, Cabo Verde e nas Canárias, em Espanha, são países que albergam também esses centros.
Essa rede, acredita-se, trará benefícios sociais e económicos a todos os países atlânticos. Uma das maiores vantagens deste projecto é, como apontou por seu lado Aquilino Varela, director-geral do Ensino Superior (DGES) de Cabo Verde e coordenador deste 3º Diálogo, o facto de proporcionar aos investigadores redes de pesquisas e fontes de financiamento a que sozinhos dificilmente conseguiriam aceder.
Em termos concretos, especificou o DGES, há a realçar benefícios que podem advir das pesquisas oceanográficas, observações atmosféricas e espaciais e de todo o empreendimento que se possa construir sobre essas investigações. Por exemplo, “criar serviços que podem ser úteis para tomadas de decisão ao nível de políticas públicas”, mas também “criar negócios em torno de um conjunto de fenómenos dinâmicos que atravessam o Atlântico”.
E o elo Cabo Verde
Para Cabo Verde, em particular, as vantagens são pois evidentes, até porque este projecto, como vários intervenientes realçaram, vai ao encontro da própria agenda estratégica do país, cada vez mais voltada para o potencial da Economia Azul (ou marítima).
A inserção de Cabo Verde no AIR Centre, realçou a Ministra da Educação Maritza Rosabal no seu discurso de abertura, vai integrar Cabo Verde numa network técnica e científica que lhe possibilitará conhecer melhor e explorar todas as potencialidades do seu espaço oceanográfico e posição geoestratégica.
Mais ainda, o projecto alinha-se e surge num momento em que a aposta na Economia Marítima ganha um papel central no desenvolvimento do país. Basta ver por exemplo, apontou, por seu turno o Ministro da Economia Marítima, José Gonçalves , no encerramento do primeiro dia, a aposta na criação de um Ministério da Economia do Mar “para dinamizar e zelar pela promoção de tudo que diz respeito ao sector, tema hoje consagrado sob o lema da Economia Azul”.
As vantagens que a participação traz para Cabo Verde são pois reconhecidas, mas em sentido bilateral, o arquipélago representa também um parceiro importante, que deverá ter um importante contributo para o AIR Centre.
A começar pela já referida posição geoestratégica, mas também, entre outros aspectos, pelas estruturas que já possui.
O Centro Oceanográfico de Mindelo e o Observatório Atmosférico de Cabo Verde, nomeadamente, podem “constituir elos importantes nessa malha que laboriosamente está em construção”, apontou o Presidente da República, na cerimónia de abertura.
Uma opinião partilhada pelo ministro português Manuel Heitor, que referiu a importância de uma “participação activa” por parte de diferentes instituições cabo-verdianas, destacando a participação do Instituto Nacional de Desenvolvimento das Pescas, mas também do Centro Oceanográfico de Mindelo.
Este último, segundo considera, “é uma infra-estrutura particularmente importante para ser um polo de uma rede de centros de investigação atlânticos”, sendo único no contexto da África subsariana.
Na mesma linha, no entender do DGES, Aquilino Varela, interessam a Cabo Verde, sobretudo, as “dinâmicas costeiras porque os países insulares são os que mais sofrem com as perturbações, quer atmosféricas quer oceanográficas”. É com esse foco que no Diálogo participaram três “speakers cabo-verdianos: um do Instituto de Meteorologia e Geofísica, para trabalhar a questão atmosférica, outro do centro oceanográfico, que é uma das grandes infra-estruturas com as quais estamos a pensar presentear e colaborar no AIR Centre, e um outro do centro oceanográfico que vai falar num dos workshops sobre os desafios oceanográficos costeiros”, especificou.
O que é o Air Centre?
O Air Centre é um projecto que vem implementar a iniciativa intergovernamental Atlantic Interactions, através da criação de uma rede internacional de organizações de investigação oceânica e espacial na zona do Atlântico.
Esta iniciativa, alinhada com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), visa “promover soluções assentes no conhecimento para os desafios do Atlântico e da Sociedade Global que requerem investigação interdisciplinar e inovação em complexos sistemas de observação da Terra, através de cooperação internacional”, conforme a explicação institucional.
O projecto terá a sua sede nos Açores, mas assenta essencialmente no aproveitamento de infraestruturas e meios humanos espalhados por vários pontos do Atlântico, com destaque para as ilhas.
Em seu torno reúne governos, universidades, centros de investigação e empresas, sendo que o papel do sector privado é igualmente importante. Isto porque, com os avanços científicos almejados, há a sua potencial aplicação no mercado, gerando impactos positivos na economia e promovendo o seu desenvolvimento com base numa sociedade de conhecimento.
Quanto ao seu programa científico, assenta em cinco áreas temáticas: Sistemas espaciais e aplicações; Ciência Atmosférica; Ciência Oceânica; Mudanças Climáticas e Sistemas de Energia e Sistemas de Dados.
Em termos de financiamento, embora ainda não haja um valor total definido, estão a ser encetadas várias negociações, com várias fontes, para a criação de linhas de financiamento.
“Estamos neste momento a discutir uma linha de financiamento com a Comissão Europeia”, adiantou o ministro português Manuel Heitor, acrescentando que durante o Encontro da Praia, estariam também em discussão outras linhas com diferentes governos, instituições internacionais e Bancos de desenvolvimento.
Entretanto, Portugal “já está a financiar o AIR Centre”, tendo já orçamentado 10 milhões de euros para o mesmo.
O AIR Centre tem como fundadores Portugal, que lidera o processo, Espanha, Angola, Brasil, Cabo Verde, Nigéria, Uruguai e a região Autónoma dos Açores (Portugal), e como observadores o Reino Unido, a África do Sul e a Argentina.