Regularização extraordinária de imigrantes da CEDEAO sobe ao Parlamento

PorSara Almeida,25 jun 2018 10:59

​Mais de metade dos imigrantes em Cabo Verde são oriundos da CEDEAO, e, a crer pelos testemunhos, grande parte estará em situação irregular. Uma situação que o PAICV quer resolver, com o Projecto-Lei para a regularização extraordinária dos imigrantes da África Ocidental, que vai a votação esta semana, na sessão parlamentar de Junho. As associações de imigrantes saúdam a iniciativa, mas nem todos têm esperança de que esta venha resolver os problemas de fundo na regularização.

É um tema sensível. De um lado, o argumento da necessidade de um país pequeno, com pouco mais de meio milhão de habitantes e fragilidades estruturais, se precaver contra fluxos migratórios de escala. Do outro, o dever óbvio de proporcionar aos imigrantes uma vida digna e o reconhecimento do seu contributo para o desenvolvimento do país. Outros argumentos se balizam a cada lado. Pelo meio, há acordos internacionais -, entre os quais se salientam, o Acordo de Livre Circulação da CEDEAO, e o Acordo de Readmissão, associado ao Acordo de Facilitação de vistos de curto prazo, com a União Europeia - que alimentam a busca de pontos de equilíbrio.

O tema que exige cautela e que ganhou relevância desde há cerca de uma década, quando Cabo Verde se posicionou como país, não apenas da tradicional emigração, mas também de imigração.Só para se ter uma ideia, de acordo com o Censo 2010 havia no país 14.373 imigrantes, o triplo de dez anos antes. 71,7% eram africanos, com destaque para a CEDEAO: 61,1%.

Entretanto, um estudo diagnóstico de 2014, financiado pela União Europeia com o intuito de identificar as necessidades dos imigrantes no processo de integração social em Cabo Verde, trouxe dados mais actuais: 38,7% são guineenses; 15,2% senegaleses e 4,9% nigerianos.

Outros dados desse estudo é que a “maioria das entradas (55%) ocorre ao abrigo do Acordo de Livre Circulação com a CEDEAO” e que a proporção dos estrangeiros provenientes da CEDEAO com processo pendente na DEF é duas vezes superior à das outras comunidades imigradas.

O Diploma

O cenário real - e o referido estudo salienta-o - é quase impossível de traçar. No diploma que o PAICV apresenta ao Parlamento não se arriscam números, mas salienta-se como “elevado”, o número de estrangeiros em situação irregular, e com pedidos de residência pendentes, destacadamente os originários de países da CEDEAO.

O documento sublinha a pertença do país à CEDEAO bem como o compromisso assumido “com a ratificação, em Junho de 2003, da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes dos Membros das suas Famílias”, que abarca também os imigrantes em situação irregular.

Assim, a integração plena desses cidadãos é, diz o PAICV, “um imperativo moral e político”, pelo que se propõe a implementação, a título ex-cepcional de um “processo especial de regularização da situação dos cidadãos originários da CEDEAO que se encontrem no território nacional sem autorização legal de permanência”.

A medida, válida por três meses, destina-se a imigrantes da região que entraram em Cabo Verde, legalmente, até Dezembro de 2016 e exerçam uma actividade profissional remunerada, por conta própria ou de outrem.

O pedido é encaminhado no prazo de 48 horas e a resposta tem de ser dada em 90 dias, sendo que em caso de deferimento é concedida uma autorização de residência, válida por 1 ano.

“Todos querem promover a integração destes cidadãos que já estão cá e se estiverem regularizados o contributo que poderão dar será muito maior. Não vejo como possamos ter dissonância”, disse a líder do PAICV, a 25 de Maio, manifestando “abertura” para acolher propostas de aperfeiçoamento do diploma.”

Tentamos ouvir o Grupo Parlamentar do MpD sobre o seu posicionamento em relação a este projecto-lei, mas até ao fecho da edição, tal não foi possível.

Entre a Esperança e os Paradoxos

“Em 2006, estavam em Cabo Verde 15000 a 20000 imigrantes dos quais só 1800 eram residentes legais”, lia-se, em 2010, no Plano de segurança do governo. Nesse ano houve um processo de regularização, então só para cidadãos da Guiné-Bissau.

Em 2015, houve um outro processo extraordinário de regularização. Deu resultados positivos? “Mais ou menos”, responde, Matar Sokhar, presidente da Associação de Senegaleses, que não se mostra muito esperançado nos resultados deste novo Projecto-Lei. São iniciativas que ajudam um pouco, mas “não muito”. “90 dias para dizer se vai ter - ou não! - [deferimento]?”, questiona, desconfiado sobre se isso trará ou não mais regularização, em si.

O timing não deixa, no entanto, de ser importante. Todos os representantes de comunidades africanas residentes em Cabo Verde se queixam da dificuldade em regularizar a sua situação. Apontam como maiores dificuldades as informações contraditórias, nomeadamente sobre os papéis a entregar, e o prazo demasiado longo para obter uma resposta. Por vezes dizem, os processos arrastam-se anos, e os documentos entregues caducam, sendo necessário reiniciar todo o processo. Por vezes, as exigências são até já outras.

“Não temos hoje uma definição exacta sobre o que é necessário para a legalização de um estrangeiro”, queixa-se Matar Shokhna.

Fernando Idrissa Baldé, Presidente da Associação dos Guineenses Residentes em Cabo Verde também ainda não viu o texto do documento, mas está mais esperançado. Diz que a iniciativas de 2010, teve “alguns” resultados. Mas… essencial é a questão da documentação exigida e é aqui que surge um “paradoxo”.

Exige-se, e o próprio projecto-lei que vai agora a votação o estipula, que se prove que se está a trabalhar. Ora, em situação irregular não há acesso a trabalho com contrato válido. E sem trabalho, não há como regularizar. Com essa exigência, diz, “o problema vai persistir”.

Baldé defende que o imigrante que já vive em Cabo Verde deve ver a sua situação regularizada independentemente de ter provas de emprego, porque, de qualquer forma “continuará cá a viver”, mas “ilegalmente”. Mais ainda vai “aceitar qualquer coisa, vai-se desenrascando”. A seu ver, o controlo deveria ser anterior: na fronteira.

Quanto à comunidade guineense acredita que hoje deverá ser de entre 8 a 10 mil pessoas. Em situação regularizada, “menos de 50%. A maioria não está legal”, afirma.

Já José Ramos Viana, presidente da Plataforma das Comunidades Africanas, está um pouco mais optimista: qualquer iniciativa para regular a situação dos imigrantes africanos é bem-vinda. Até porque, como diz, muitos deles vivem em condições “deploráveis”, carecendo de maior atenção por parte das autoridades nacionais.

São iniciativas para combater uma situação que “não é benéfica para ninguém”: nem para os imigrantes, que assim vêm vedado o acesso a melhores condições de vida, nem para o país que não consegue gerir tão bem o potencial da imigração, nem arrecadar impostos.

Quanto à necessidade de apresentar provas de estarem a “exercer uma actividade profissional renumerada”, isso passa, considera, pela decência de muitos empregadores em, de facto, passar o comprovativo.

Viana, que afirma ter conhecimento do projecto-lei no âmbito da sua socialização, diz que a estipulação do período de entrada (até fins de 2016) vai abranger a maior franja dos imigrantes da CEDEAO residentes. Para Viana, o número de imigrantes deve hoje rondar os 20000.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 864 de 20 de Junho de 2018.

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Autoria:Sara Almeida,25 jun 2018 10:59

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  25 jun 2018 10:59

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