"A cultura do cabo-verdiano é pacífica, mas o desespero, a miséria, as dificuldades da vida, os riscos com a saúde, alcoolismo, consumo de drogas e a própria desesperança que se vai criando, pode levar os cabo-verdianos a terem uma atitude mais pro-activa, mais reivindicativa, que pode descambar em manifestações violentas", alerta Nardi Sousa.
O sociólogo e académico apela, assim, ao diálogo entre governantes e sociedade civil, para repor a esperança das pessoas e responder ao seu descontentamento.
O investigador falava à Lusa a propósito das manifestações, convocadas por movimentos cívicos de várias ilhas, para hoje, dia em que se assinala o 43.º aniversário da independência do país.
Os organizadores dos protestos contestam o que consideram ser centralismo político da capital em relação às restantes ilhas, a "desgovernação" e o "descaso" com as populações.
Nardi Sousa sublinha que, apesar de não ter muitas "benesses", no período colonial, no pós-independência e após o pluripartidarismo, o cabo-verdiano sempre foi um "povo atento", salientando que há hoje um Estado "mais regulador", que continua a "decidir sem muita participação e consulta da população".
O sociólogo admite que o Estado continua a violar princípios básicos, como o da igualdade, discrimina pessoas, não aplica critérios de concurso público, não há justiça social e falha nas políticas para áreas como saúde, transportes, educação, segurança e emprego.
"A população já despertou e considera que temos várias velocidades em Cabo Verde. Temos populações e regiões que não têm nada e onde não há forma de ter se não tomarem uma atitude de exigir e começar a controlar os negócios do Estado", sustenta.
Segundo Nardi Sousa, "não há uma sintonia entre os governantes e a população" em Cabo Verde, onde prevalece uma "política elitista", em que a elite governativa está "completamente desfocada da realidade e sem muito contacto com a população".
"A população já pressentiu, já analisou, já observou que, com este sistema bipartidário, uma elite domina os recursos, fazem e desfazem, não prestam contas, não há transparência. Apesar de Cabo Verde receber elogios internacionais, a população está descontente e os governantes estão contentes", diz, ressalvando que esta é uma realidade que já vem da governação anterior.
Atendendo a que Cabo Verde depende ainda muito do exterior, o sociólogo defende que o país tem de estar atento e promover sectores que possam "revolucionar" a economia e aumentar a produtividade, bem como "gerir e governar com inteligência" e em diálogo.
"O que falta em
"Os únicos que estão satisfeitos com a democracia são os governantes, é estranho. Nem chegam a 0,5% da população", nota Nardi Sousa, considerando que, além das manifestações, é preciso um "activismo diário" e que "pessoas com visão e com responsabilidade" tenham acesso à governação.
"É o momento ideal, para, tanto a sociedade civil, como os governantes, debaterem e discutirem o que querem para Cabo Verde, o que podem dar para este país e tentar repor a esperança na população. É algo que está a perder-se e isso é muito grave", alerta.
Quanto aos movimentos sociais que têm aparecido em várias ilhas, Nardi Sousa considerou que a tendência é para crescerem, estimando que possam levar à perda de hegemonia dos partidos maioritários em Cabo Verde, à semelhança do que já aconteceu em outros países.
"Há um conflito visível entre governantes e populações, e os movimentos sociais surgem quando há um conflito, os grupos que estão em confrontação têm de dialogar, utilizar estratégias, objectivos para resolver esses conflitos", defende o académico.
Nardi Sousa analisa ainda o poder das redes sociais na mobilização em Cabo Verde, dizendo que podem ser usadas para questões que não trazem nenhum ganho, mas notou que têm muitas vantagens, com destaque para a conexão com a diáspora cabo-verdiana.
Para as manifestações, o sociólogo diz que a rede social é um "combustível que tanto a diáspora como os locais usam para manifestar o seu descontentamento e mostrar que as coisas não estão bem e que é preciso tomar medidas urgentes".