Testemunho “O ambiente das aldeias SOS é verdadeiramente familiar”

PorSara Almeida,17 fev 2019 9:28

A história de Marco, hoje líder dos jovens das Aldeias SOS, não é igual a nenhuma outra, pois cada caso é, como se costuma dizer, um caso. Mas tem semelhanças com a de muitos outros meninos que por aí passaram e permite conhecer, pelos olhos de um ex-interno, o funcionamento desta ONG. Marco nasceu em Lém-Ferreira, na cidade da Praia, em 1989. Era o segundo filho da parte da mãe, primeiro do lado do pai.

Sem ajudas, a mãe saia de manhã cedo para ganhar a vida e voltava para casa à noite. Como não tinha “a quem deixar” Marco, de apenas quatro anos, este ficava todo o dia fechado em casa, sozinho. Foi um vizinho que ao tomar conhecimento da situação, falou à mãe de Marco das Aldeias SOS da Assomada (a de São Domingos ainda não existia). Foi esse vizinho quem tratou de todo o processo. Depois vieram buscar Marco.

Esta é a história da ida de Marco para as Aldeias, conforme a sua mãe lhe contou.

Uma nova vida

Ele poucas memórias tem dessa fase, mas lembra-se que foi acolhido na casa 7, a casa da mãe Lourença. “Estavam lá mais 4 crianças, dois rapazes que eram irmãos biológicos, e duas meninas que também eram”.

Começava uma nova vida para Marco. Havia várias crianças, da sua casa e das outras, com quem brincar e até mesmo à noite podiam brincar um pouco porque o pátio era seguro. Foi, aliás, essa liberdade e companhia para brincar o que o marcou mais.

Sobre o ambiente dentro de casa, a expressão de Marco é a mesma de várias pessoas das Aldeias SOS com quem falamos: “é como uma família normal”.

“A Mãe encarregava-se de fazer as refeições. Tínhamos uma rotina normal, levantar, lavar-se, tínhamos horário para brincar, para ir à escola, para estudar, mas também participávamos nos trabalhos domésticos”.

Cozinhar, lavar, passar, limpar, Marco aprendeu tudo isso antes dos 14 anos, idade em que, passou para o lar juvenil

Mas muito antes disso, logo em 1991 (tinha Marco uns seis anos, portanto) a mãe Lourença casou-se e deixou as Aldeias. “Entrou uma nova mãe.A mãe Martinha que hoje está reformada, mas mantemos o contacto”.É dela, claro, que guarda mais memórias e carinho.

Tinha “toda a atenção e carinho da parte da mãe”, lembra. Aliás, o ambiente das Aldeias, aponta, “depende sobretudo do director e das mães.

“São pilares fundamentais porque são as pessoas de referência para as crianças e jovens que estão ali. São as pessoas que vão marcar a sua vida”.

A passagem

Quando fez 14 anos, contava-nos, deixou pois a casa familiar e foi para o lar juvenil “que é uma outra estrutura, já de preparação mais intensiva para a vida autónoma”. Aí são os adolescentes que tratam de tudo, das lides domésticas à gestão do dinheiro para a compra dos alimentos. Como incentivo ao bom comportamento e bom desempenho escolar há uma outra “casa” onde ficam apenas os três rapazes que se destacam pela positiva. “É como uma promoção”, explica.

Da escola, Marco também tem boas memórias, se discriminação houve no geral foi pela positiva. “ A aldeia era muito acarinhada pelas pessoas de Assomada. Então viam-nos como alguém especial”, a proteger e tratar bem.

Ao longo dos anos Marco foi mantendo também o contacto com a mãe biológica. “Durante o tempo que estive na aldeia, ela poucas vezes teve a oportunidade de me ir visitar. Deve ter ido umas quatro vezes, mas dessas poucas vezes lembro-me de tudo. Depois, a partir dos 14 anos, eu é que passei a vir passar os fins-de-semana e férias com ela. Até hoje mantemos contacto, sem qualquer problema”.

Não se lembra de sentir qualquer revolta contra a mãe ou pelo facto de viver nas Aldeias. “Eu acredito que se pudesse a minha mãe teria ficado comigo. Não sinto revolta, até agradeço. Não tinha condições, então quis dar-me um futuro melhor. Foi a alternativa que teve, mas sempre teve a preocupação de estar por perto”.

Nunca pensou que gostaria de ser adoptado, até porque nem sabia o que isso era. “Só vim a ouvir quando era maior de idade, mas acho que tive sorte de não ter passado pela adopção. Não defendo muito a adopção, porque corta com as raízes”.

Depois de Marco, a mãe ainda teve mais três filhos. Mas dos cinco irmãos, foi ele o único que esteve nas Aldeias SOS. Três cresceram com outros familiares, uns na Praia outros na Calheta, e só o mais novo viveu sempre com a sua mãe.

Laços

Quanto aos colegas que encontrou nas Aldeias, viu poucos casos de total abandono, mas recorda um outro interno que, mesmo após sair das Aldeias, continuou a não qualquer proximidade com os pais. “Até hoje vive com a mãe das Aldeias SOS que é reformada”, conta.

Aliás, dos testemunhos dos outros ex-internos, o laço com as Aldeias e em particular com as mães é algo que se mantem ao longo da vida.

Comparando as Aldeias SOS com outras instituições que acolhem jovens, Marco, que hoje é funcionário desta ONG e líder dos jovens, é cuidadoso nas palavras. “Posso ser suspeito de falar disso, mas o ambiente das aldeias é verdadeiramente um ambiente familiar” e seguro.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 898 de 13 de Fevereiro de 2019.

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Autoria:Sara Almeida,17 fev 2019 9:28

Editado porDulcina Mendes  em  18 fev 2019 11:23

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