Um investigador português que elaborou uma base de dados sobre navios naufragados considera que a exploração comercial do mar cabo-verdiano por empresas de caça ao tesouro, que pilharam legalmente dezenas de navios naufragados, foi uma experiência "catastrófica".
Alexandre Monteiro, investigador da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e consultor técnico e científico do Instituto do Património Cultural de Cabo Verde, estudou os navios naufragados nas águas cabo-verdianas, tendo comprovado a existência de 150 das 300 embarcações que se estima estarem submersas.
Para o investigador, depois de pilhados esporadicamente por cidadãos, mergulhadores e pescadores, os navios foram alvo de caça ao tesouro, primeiro por parte da empresa sul-africana Afrimar e depois pela empresa luso-alemã Arqueonautas Worldwide.
Esta pilhagem estava legitimada pelo Governo cabo-verdiano, porque pressupunha benefícios para o Estado, nomeadamente a recuperação de peças, para a qual não existiam meios de preservação disponíveis, assim como formação, museus, entre outros.
Mas o que resultou desta parceria, apontou o especialista entrevistado pela Lusa, foi que parte do património cultural subaquático nacional foi vendido em leilões da Sotheby's e da Christie's a coleccionadores ricos, sem que houvesse praticamente compensação financeira a Cabo Verde por essas vendas, como também quase nada ficou em museus de Cabo Verde.
"Para cúmulo, os sítios arqueológicos submersos tinham sido intervencionados apenas com o lucro em mira, não tendo sido registados ou preservados de acordo com as boas práticas científicas da arqueologia", adiantou Alexandre Monteiro.
Por esta razão, o investigador concluiu que "financeira, cultural e patrimonialmente, a adjudicação dos mares de Cabo Verde à exploração comercial de empresas de caça ao tesouro foi uma experiência a todos os níveis catastrófica".
"Cabo Verde é um excelente exemplo daquilo que não se deve fazer: permitir a caça ao tesouro, mesmo que legal", disse.
Contudo, Cabo Verde "decidiu juntar-se aos esforços da comunidade científica internacional, no sentido de preservar, estudar, salvaguardar, musealizar e divulgar o património cultural subaquático à sua guarda".
Nesse sentido, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês), anunciou em 08 de Abril que Cabo Verde ratificou a convenção de Protecção do Património Cultural Subaquático, de 2001, juntando-se assim a países como Portugal e Espanha.
Apesar de actualmente já não se registar a actuação das empresas de caça ao tesouro nos mares cabo-verdianos, a convenção agora ratificada impede esse tipo de actividade no futuro.
Alexandre Monteiro refere que há zonas no mar cabo-verdiano que são "autênticos cemitérios de navios", como junto às ilhas do Maio e Boavista.