São Paulo é considerado um dos bairros mais críticos da capital, quando se trata de alagamento e lamas. Estradas enlameadas e um campo de futebol alagado. São essas as condições deste bairro, após as chuvas que assolaram a cidade da Praia nos últimos dias.
Jamaica, assim como São Paulo, é considerado de alto risco, por ser um bairro que se encontra dentro de uma ribeira.
Por que essa situação se repete nesses bairros?
Segundo o vereador do Saneamento, António Lopes da Silva, a Câmara Municipal da Praia (CMP) fez um trabalho “extremamente profundo” antes das chuvas, de modo a preparar-se para as mesmas. A limpeza das ribeiras, valas e bueiros foram, segundo o vereador, algumas das medidas para permitir que a água corra sem grandes dificuldades.
“Só que nós vivemos numa cidade com planaltos, ribeiras e vertentes muito inclinadas e quando chove, em certas zonas, ocorre a descida de terra que encobre, portanto, estradas e até cria alguns problemas aos moradores. Na maior parte da cidade da Praia, hoje, esse problema é menor”, afirma.
Fontom, Vila Nova, Fundo Calabaceira e a encosta Eugénio Lima/Achadinha, são bairros, onde o vereador diz que parte desses problemas estão ultrapassados, embora, ainda haja alguma quantidade de lodo. Porém, “muito menos” do que há uns anos.
“Não podemos construir uma casa no meio de uma ribeira, ou então numa encosta completamente perigosa para depois dizer que estamos a passar por dificuldades, que a água cria-nos problemas”, elucida.
A acção da CMP face aos alagamentos e lamas da cidade
De acordo com António Lopes da Silva, este ano a CMP fez um plano de emergência para as chuvas que contempla não só actuações pontuais mas também actuações estruturais de cerca de 25 mil contos. Esse plano, segundo o vereador, teria resultados, se os munícipes cumprissem os seus deveres.
“Temos que dizer claramente que não é concebível que uma pessoa construa uma barraca numa ladeira íngreme, depois tire a terra de onde construiu a barraca e coloque ao seu lado e espere que quando chova, aquela terra não lhe vá criar problemas”, discorre.
Nesse momento, segundo explica o vereador, logo a seguir às chuvas, sai uma equipa formada por várias direcções da Câmara e também bombeiros da protecção civil que fazem uma ronda pela cidade para verem onde há maiores quantidades de terra, embora, já saibam onde normalmente estão, para limpar.
“Só que a limpeza, principalmente da lama, só é possível quando a lama estiver minimamente dura, porque se não, não conseguimos. Portanto tem que se deixar que fique um pouco dura, e logo que ficar dura, removemos e fazemos a limpeza. Isto tem acontecido sempre”, garante o vereador que diz que as lamas retiradas são levadas para a lixeira de modo a que, quando voltar a chover, a chuva não as leve para outras zonas.
Segundo o vereador, a CMP soube das reclamações que tem havido em algumas zonas, através da comunicação social, já que, segundo diz, os bombeiros não receberam nenhum pedido de ajuda.
“Talvez foram perguntar às pessoas que disseram “passamos por mau bocado porque a água entrou dentro das nossas casas”, mas também são casas que foram construídas nas zonas onde é impossível alguém não pensar que a água não vai entrar quando chover minimamente”, alega.
Para o vereador, todos “sabem” que se vier uma chuva forte, na Cidade da Praia, principalmente nos bairros informais não consolidados, haverá problemas. A mesma fonte avança que nos bairros informais consolidados onde a CMP fez trabalhos em termos de organização, não haverá dificuldades.
“Mas, nos bairros não consolidados como Jamaica, nas zonas onde as pessoas fizeram casas, principalmente nas encostas declinadas e também no meio das ribeiras, é claro que teremos problemas. E quando for feita uma previsão de que vai chover muito, temos que tirar a população dessas zonas para não termos problemas”, sustenta.
Segundo António Lopes da Silva, a CMP fez um trabalho na área social de levantamento de todas essas pessoas, dando-lhes alternativas. Entretanto, segundo o vereador da área de saneamento, as pessoas preferem ficar numa situação de fragilidade “enorme”, e se vier uma chuva forte terão problemas “graves”.
“ Isto é certo, como 2+2=4. A sua situação é difícil por construírem em zonas íngremes e dentro das ribeiras.
Não é compreensível”, rebate o vereador que garante que as zonas íngremes não são lugares para construir e que as ribeiras são para a água correr.
A mesma fonte enuncia que na Jamaica, por exemplo, a CMP deu a muitas das pessoas que estão nas encostas, terrenos para fazerem as suas casas, mas, que estas continuam “teimosamente” nas ribeiras.
O que diz quem vive em São Paulo
Euclides Monteiro vive com a família numa barraca em São Paulo há quase dois anos. O mesmo profere que já pediu ajuda à CMP, mas que nunca obteve uma resposta. “Maus bocados” é a expressão utilizada pelo morador para descrever a sua situação durante as chuvas deste ano.
“Todos esses dias, durante as chuvas que caíram à noite nós não dormimos, porque tínhamos de tirar a água de dentro de casa. Eu fiz essa barraca porque não tinha como pagar renda e para não ter problemas preferi fazer uma barraca nas rochas, já que o fiscal tentou impedir-me de fazer dentro da ribeira, eu fiz na rocha onde não podiam impedir-me”, diz apontando para a barraca que fica no alto de um penedo.
Por morar numa barraca coberta de plástico, Euclides diz que aceitaria de bom grado ajuda, garantindo que só os “mais coitados” é que ali vivem. No que diz respeito à lama, esse morador diz que não sofreu muito, já que vive num lugar alto.
Natalino, um outro morador deste bairro, diz que foi ele a fundar o mesmo e a baptizá-lo com esse nome. Garante que a CMP não fez uma limpeza, nem antes e nem depois das chuvas. Aliás, segundo Natalino, a autarquia não tem o hábito de limpar o bairro e consequentemente, muitas vezes, sofrem com o mau cheiro.
“Uma vez ao mês podem vir aqui limpar, mas a limpeza limita-se ao redor do contentor. De vez em quando os moradores limpam”, assegura.
Esse morador, conta ainda que quando há cheias, têm que esperar até as mesmas passarem para irem ao outro lado da ribeira, mesmo que isso signifique ficar fora de casa até de madrugada. Natalino diz que já aconteceu perder trabalho por causa desta situação e que apenas arriscam passar a ribeira se a cheia estiver fraca.
“Mas esse ano, por enquanto a chuva está fraca e não tem causado tantos danos quanto os anos anteriores. Ainda assim precisamos de uma ponte para não termos dificuldades de locomoção quando há cheias”, apela.
E quem vive em Jamaica?
Assim como Natalino em São Paulo, Alfredo, morador da Jamaica diz que faz falta uma ponte que facilite a locomoção dos moradores por causa da lama. Também garante que ninguém foi limpar a lama.
“Quando chove não há acesso, porque as estradas ficam enlameadas. Se a cheia estiver a correr nós somos obrigados a ficar aqui, como se estivéssemos num curral”, diz.
Segundo Alfredo são os próprios moradores que têm de dar um jeito. Entretanto, diz que nunca chamaram a CMP para limpar.
O que seria o ideal?
Para o vereador António Lopes da Silva, o ideal seria as pessoas não construírem nas encostas, sendo essa a “causa” da “maior parte” da lama, devido à terra solta. António Lopes da Silva explica ainda que a terra solta acontece porque ao construírem, as pessoas colocam a terra ao lado das suas casas.
“Porque se fosse só a terra mesmo, aquela terra da ladeira, já consolidada, o material transportado não seria tanto. A maior parte, é o material resultante da acção humana que constrói e coloca ao lado, em baixo... A mesma terra que coloca ao seu lado vai prejudicar as famílias que estão em baixo”, explica.
Conforme o camarista, os responsáveis dessa situação são os próprios moradores, pede mais respeito pelas pessoas e melhor compreensão desse problema. António Lopes da Silva diz ainda que é necessário uma política mais acutilante perante esse facto.
“A maior parte das pessoas nesses bairros, vieram de outras ilhas ou do interior de Santiago, parece-me que uma política de desenvolvimento mais descentralizada, de um desenvolvimento mais inclusivo, visto de forma nacional, maior descentralização política e não só seria portanto, uma solução a longo prazo de todos os problemas que temos hoje, na cidade da Praia”, reconhece ao mesmo tempo que afirma que a cidade da Praia todos os anos recebe milhares de novas pessoas, num crescimento anual de 4%.
O vereador aclara que é um problema que tem de ser resolvido, não com política municipal, mas sim global, que implica a descentralização e até mesmo a regionalização.
“Regiões mais fortes, mais desenvolvidos e mais inclusivos, e é isso que é a solução do fundo”, finaliza.