Olivier Serot Almeras, Embaixador da França em Cabo Verde : Cabo Verde pode orgulhar-se da sua Diáspora

PorAntónio Monteiro,11 jul 2020 14:45

Em Cabo Verde residem cerca de 700 franceses e a França acolhe uma importante comunidade cabo-verdiana, no seio da qual uma filha de Tarrafal de Santiago acaba de ser nomeada para integrar o governo francês.

Nesta entrevista ao Expresso das Ilhas, nas vésperas da celebração da Festa Nacional da França, o Embaixador Olivier Serot Almeras faz o balanço da cooperação entre os dois países, fala das áreas em que essa cooperação pode ser ainda alargada e regoziga-se com a entrada no governo francês, no dia 6 de Julho, da jurista de origem cabo-verdiana Elisabeth Moreno, como ministra da Igualdade de Género, Diversidade e Igualdade de Oportunidades.

Como é que a França vai assinalar este ano a festa nacional, o 14 de Julho, em Cabo Verde?

Este ano, a celebração da nossa festa nacional inscreve-se no contexto particular que conhecemos e no espírito que presidiu à da comemoração da Independência de Cabo Verde, isto é, uma forma de gravidade e de humildade, individual e colectiva. Como disse o Senhor Presidente da Republica de Cabo Verde, Dr. Jorge Carlos Fonseca, aquando do seu discurso à Nação no dia 5 de Julho na Assembleia Nacional, ‘perante uma crise de tal magnitude, os problemas são imensos’. A França desejou que esse dia, enquanto marco da vida da nação, seja colocado sob o lema da solidariedade: solidariedade para com as pessoas e as famílias atingidas pela pandemia da Covid-19, solidariedade para com todos e todas, sejam eles médicos, profissionais de saúde, voluntários que têm dedicado a sua energia na luta contra a doença. A partir daqui quero testemunhar-lhes a gratidão da França. A crise que atravessamos interpela-nos a reflectir sobre o mundo, seus o caos e sobre as perspectivas que este momento nos obriga a planear para o amanhã. Num mundo que se caracteriza ao mesmo tempo pela sua loucura e incerteza, devemos ser criativos e ousados.

Em Cabo Verde vivem cerca de 700 franceses. Em que ilhas residem e como estão integrados?

Com efeito, há cerca de 700 cidadãos franceses que residem em Cabo Verde, mas também, e sobretudo, há outras centenas que aqui passam uma parte do ano por amor ao arquipélago. Encontram-se franceses em todas as ilhas, inclusive na Ilha Brava, São Nicolau e Maio. Existe na França uma forte vontade de vir a Cabo Verde: no ano passado, mais de 70 000 franceses escolheram o vosso país para passar férias. Os franceses constituem o principal contingente de turistas provenientes da União Europeia; o que é um motivo de orgulho para mim, empenhando-me a título pessoal de elogiar, melhor dizendo, de vender o destino Cabo Verde. Nunca houve tantas reportagens sobre Cabo Verde na televisão francesa. O arquipélago vai de vento em popa: os franceses apreciam não só o encanto das vossas praias mas também o turismo ecológico, nomeadamente o da caminhada e do relaxamento que constituirão no futuro a força do turismo cabo-verdiano. É por isso que os encontramos frequentemente em Santo Antão, Fogo e Maio. Os franceses gostam de Cabo Verde e da sua tradicional morabeza. Com a pandemia da Covid-19, o maior desafio para nós foi de possibilitar o regresso à França de quase um milhar de turistas retidos no início da crise. Isso foi possível através do afretamento de aeronaves e graças à compreensão e ao apoio activo das autoridades do país. Penso particularmente nos nossos concidadãos que estavam bloqueados em Boa Vista.

Qual é a sua percepção da forma como as autoridades cabo-verdianas têm combatido a propagação da COVID-19?

Quero saudar as mais altas autoridades cabo-verdianas pela maneira como têm gerido a crise nos últimos meses: com sabedoria, autoridade e sangue-frio. Numa espécie de aliança entre a “força das armas e a subtileza do espírito” para ousar um paralelo com a alegoria do poder e do saber que sustenta a trama “O Eleito do Sol”, de Arménio Vieira. Cabo Verde enfrenta a evolução da pandemia com uma coragem exemplar e armas constrangedoras, mas sempre com lucidez na salvaguarda do interesse do seu povo e do arquipélago. Que se apague o sofrimento e que o país recupere o mais rápido possível. É o que todos queremos. Penso particularmente no turismo que constitui o pulmão da economia.

Na França vivem cerca de 80.000 cabo-verdianos. Como estão integrados?

A Diáspora cabo-verdiana está notavelmente bem integrada em França, do Norte a Sul. Soube encontrar o seu lugar na sociedade, no seio do tecido associativo, na economia do país, até mesmo a nível do poder local, e orgulho-me por isso. Abordamos essa temática muitas vezes com o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, da Defesa e das Comunidades, Luís Filipe Tavares. Essa temática da Diáspora é muito importante para o Presidente Macron. O nosso objectivo é de reforçar os eixos da cooperação e de intercâmbios sobre essa matéria. Isso poderia ser feito, por exemplo, através de um dispositivo de apoio junto da administração cabo-verdiana, no sentido de dar vida e acompanhar certos assuntos de interesse comum, nomeadamente o emprego, a segurança social, a formação profissional, a integração, os direitos humanos, o ensino superior. De qualquer modo, Cabo Verde pode orgulhar-se da sua Diáspora. Enquanto grande amador de futebol, estou feliz por  Vagny Dias [jogador internacional cabo-verdiano] ter assinado recentemente um contrato com o FC Metz. Isso é bom para o clube, para Cabo Verde e para a imagem que Cabo Verde tem em França.

Que balanço faz da cooperação entre a França e Cabo Verde?

A França e Cabo Verde têm valores em comum, a democracia, os direitos humanos, a fraternidade, a cultura. Estes valores, devemos dar vida e o meu desejo é levá-los e dinamizá-los através de algumas prioridades, entre as quais, a francofonia e a difusão da língua francesa. Qual não foi a minha admiração aquando da minha chegada a Cabo Verde, nos restaurantes ou ao fazer as minhas compras, de constatar o número de cabo-verdianos que domina a língua francesa. Visitei algumas escolas e fiquei maravilhado pelo nível do francês das crianças que encontrei. A nível do ensino, a França tem apoiado três escolas de ensino do programa francês, sendo duas nas ilhas do Sal e Boa Vista e uma, a escola “Les Alizés”, na Cidade da Praia. Esta ultima é a nossa “Nave-mãe ”que tenho orgulho de acompanhar na sua caminhada, em ligação com a excelente equipa que dirige a escola. No próximo ano lectivo, Les Alizés acolherá mais de 250 alunos e, novos professores virão da França. O bom aproveitamento de todos os alunos candidatos à prova final do ensino secundário está à altura dos esforços desenvolvidos pela escola. Quero realçar o sucesso da Aliança Francesa do Mindelo. Pode ver que a França está presente em muitas ilhas. Devemos também continuar as acções iniciadas com a Universidade de Cabo Verde e a Universidade Jean Piaget. Penso nomeadamente na vitalidade do Instituto de Língua Francesa, não devemos afrouxar a nossa acção em matéria de atribuição de bolsas de estudos. Em fim, quero saudar a presença útil e forte de Cabo Verde nas instâncias da francofonia, cujo 50°aniversário celebramos este ano. É importante que Cabo Verde continue a envolver-se nesta instância de que é membro há 24 anos e cujo papel é essencial no multilateralismo cultural e político, no equilibro do concerto das nações. Neste concerto, às vezes afónico, a posição geográfica e a história de Cabo Verde concedem ao mesmo tempo um papel particular: sabe o que dizia lindamente Mário Fonseca? ‘O francês é a língua da fraternidade com vocação universal, que séculos de civilizações libertaram de qualquer poder chauvinista ou imperial’. Aí é que está a sua ambição.

Em que outras áreas os dois países pretendem ainda intensificar as relações?

Devemos reforçar o nosso diálogo político. Isto é a mensagem que o Senhor Presidente da República me passou quando me fez a honra de me receber aquando da minha tomada de posse. Pela primeira vez em 10 anos, um ministro francês veio visitar Cabo Verde no mês de Outubro passado. Isso foi um sinal forte, mas devemos fazer mais. Isso passa nomeadamente pelas nossas trocas económicas e comerciais. A crise da Covid-19 impediu a realização de dois encontros importantes: a Cimeira África-França de Bordéus, que estava prevista para o início de Junho e era suposto reunir dezenas de milhares de actores institucionais, do mundo empresarial e da sociedade civil à volta do tema cidade sustentável, tema esse que é fundamental no que concerne ao desenvolvimento das nossas sociedades de hoje e de amanhã. Trata-se do mundo que queremos criar para os nossos filhos. Adiado ficou também o fórum sobre o investimento que devia ter lugar na ilha do Sal no início deste mês de Julho. Ao meu pedido, várias empresas francesas tinham previsto vir para sondar as oportunidades do mercado cabo-verdiano, mas infelizmente, pelas razões que se conhecem, ficou também adiado. A França tem um savoir-faire, diria eu, em três sectores que correspondem ao desenvolvimento de Cabo Verde: No sector das infra-estruturas, penso nos portos, aeroportos, energia, na área do digital, e no urbanismo; no sector do turismo, através do turismo de massa, o dos resorts, onde os operadores franceses estão duradouramente presentes, penso nomeadamente nos importantes investimentos feitos pelo New Horizons na ilha do Sal depois da Boa Vista. Devo dizer que fiquei feliz ao tomar conhecimento que este grupo disponibilizou o seu hotel para acolher durante a quarentena pessoas ligadas à Covid-19. E também um turismo mais virado para nichos que corresponde mais à procura francesa, turismo equitativo, basta ver o número de caminhantes franceses em Santo Antão. Em termos de nichos, penso na dessalinização da água do mar, na pesca sustentável, no ambiente, sectores nos quais temos pequenas empresas muito eficientes que desejam investir cá, e eu os tenho encorajado e acompanhado.

A cultura, nomeadamente a música, continuará a ser uma área prioritária da cooperação entre os dois países? Sabemos que grandes nomes da música cabo-verdiana foram descobertos ou lançados em carreiras internacionais pela França (Cesária Évora, Mayra Andrade, etc.). Acha que essa dinâmica diminuiu com o encerramento dos centros culturais franceses em Cabo Verde.

Tem razão de mencionar a música. Sim, a França e Cabo Verde têm muito para partilhar no plano cultural: a maravilhosa biografia da Cesária Évora feita pela Francesa Véronique Mortaigne, que estou a ler esses dias, sublinha o laço muito especial entre os nossos países, os quais se nutrem um do outro, muitas vezes mais do que realmente sabemos. Há um orgulho compartilhado das nossas tradições, do nosso património, da nossa língua, da musicalidade das nossas línguas, uma vitalidade das nossas tradições orais e da sua transmissão escrita. Enquanto francês, fiquei alegre e orgulhoso de viver a elevação da Morna a património imaterial da humanidade pela UNESCO: o que seria o nosso mundo sem a poesia, dizia um poeta africano. Nesse caso, sim, seria o primeiro a querer centros culturais franceses em cada uma das ilhas. Sabe, a França tem um princípio: manter a universalidade da sua rede de presença diplomática e de influência no mundo inteiro; somos o único país com essa abordagem, uma abordagem nobre mas que tem um preço e… as vezes exige também, infelizmente, desprezíveis arbitragens financeiras…

Cabo Verde e França assinaram na Praia, em Outubro de 2019, um protocolo de intenções para a realização de exercícios militares conjuntos? Qual é o objectivo desse protocolo?

As questões de segurança no seu sentido mais amplo são assuntos de elevada preocupação para os nossos dois países. Sabemos da fragilidade do Golfo da Guiné em termos da segurança e do apoio que convém dar à arquitectura regional definida em Yaoundé em 2013, sobre as questões de segurança e protecção marítima. A França tem navios em permanência nas águas da sub-região, que regularmente fazem escala nos portos de Cabo Verde. A componente marítima é o primeiro pilar desta prioridade em matéria de segurança. Foi nesse sentido que foi assinado um protocolo de intenções sobre a segurança marítima pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Sr. Luís Filipe Tavares e o Secretário de Estado francês, Sr. Jean-Baptiste Lemoyne, aquando da sua visita a Cabo Verde no mês de Outubro de 2019. Com efeito, este protocolo prevê favorecer e realizar acções de formação e de exercícios conjuntos no mar. Esta primeira etapa é o passo prévio para a assinatura de um acordo mais amplo, que poderíamos prever concluir nos próximos meses e cujo processo só foi atrasado pelo contexto internacional. Este acordo permitirá a duplicação das acções conjuntas.

Foi nomeado há quase um ano Embaixador da França em Cabo Verde. Como se sente em Cabo Verde, o que mais aprecia neste país e nos cabo-verdianos e o que acha menos simpático nos cabo-verdianos?

Eis que há já quase um ano que tive a honra de ser nomeado em Cabo Verde. Sou um Embaixador orgulhoso e feliz por servir o meu país, neste país que me acolheu tão bem e que é em muitos aspectos, no sentido forte da expressão, um encantamento. Cabo Verde para quem o ama é um encontro e uma paixão. É o meu caso e é isso que guia o meu quotidiano aqui.

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Almeras regozija-se com nomeação de ministra de origem cabo-verdiana

Antes de terminar, não posso deixar de manifestar vivamente a minha alegria com a entrada no governo francês, no dia 6 de Julho último, de uma filha do Tarrafal, a Senhora Elisabeth Moreno, que foi nomeada para um ministério extremamente importante, o da igualdade entre mulheres e homens, da diversidade e da igualdade de oportunidades. Que símbolo mais bonito de sucesso e assimilação desta família cabo-verdiana que um dia fez a escolha da França. Um verdadeiro sorriso e uma maravilhosa união entre os nossos dois povos. É esta a República que acolhe e assimila. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 971 de 8 de Julho de 2020. 

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Autoria:António Monteiro,11 jul 2020 14:45

Editado pormaria Fortes  em  12 jul 2020 20:33

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