Raul Varela foi um dos primeiros magistrados na história da Justiça cabo-verdiana. Deixou o exercício da magistratura em 2015 altura em que se aposentou aos 85 anos tendo sido homenageado por um grupo de Magistrados, oficiais de Justiça amigos e familiares.
Numa primeira reacção à morte do magistrado, Óscar Gomes, antigo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, destacou a figura do homem íntegro e magistrado exemplar que foi Raul Varela.
“É com muita pena que o vemos partir, apesar da sua avançada idade. Para nós todos, ele foi o exemplo de um magistrado isento, com uma formação jurídica muito boa, com um sentido de justiça muito apurado. É uma pessoa que nos deixa muita falta”.
O actual presidente do Supremo Tribunal de Justiça, substituto, Benfeito Mosso Ramos lamentou igualmente a morte de Raul Varela, com quem integrou o primeiro colectivo do STJ logo após a aprovação da Constituição de 1992 e, anos mais tarde, de 2003 a 2009, quando exerceu as funções de Presidente desse órgão.
“A imagem que guardarei dele releva antes de mais no plano da cidadania. Era alguém que denotava um profundo amor por Cabo Verde, que se preocupava muito com a dignidade do nosso país, das suas gentes e das suas instituições. Por exemplo, sempre defendeu que na Justiça devíamos percorrer o nosso próprio caminho, tendo em conta as especificidades do nosso país. Criticava com vigor a tendência, muito comum entre nós, para se fazer a mera transposição para Cabo Verde de soluções concebidas para outras realidades”, recordou.
“No plano profissional, pela sua longa experiência e reconhecida competência técnica, inspirava naturalmente muito respeito, para não dizer uma certa reverência. Era firme nas suas posições, mas encarava com naturalidade a divergência doutrinária na análise e decisão dos casos. Tivemos naturalmente as nossas divergências, mas sempre com fundamentação, elevação e muito respeito recíproco”.
Para Benfeito Mosso Ramos era proverbial e “impressionante a sua capacidade de síntese, o que representa, em especial nos dias de hoje, uma extraordinária virtude. Aliás, essa era uma das razões para a reconhecida produtividade que marcou o seu desempenho no STJ. Nesse aspecto ele não deixa de ser uma incontornável referência”.
“Para mim foi um enorme privilégio ter podido integrar o STJ com um jurista da craveira e com um percurso tão rico como foi o Juiz Conselheiro Raul Querido Varela”, enaltece Mosso Ramos.
Numa nota de pesar chegada à nossa redacção, o Supremo Tribunal de Justiça recorda o “distinto jurista, tratado sempre, aliás a justo título, como o decano dos Magistrados Cabo-verdianos, deixa um legado que concitará, por certo, o mais vivo interesse da Comunidade Jurídica Cabo-verdiana”.
O Juiz Conselheiro que serviu por mais tempo no STJ
“Raul Varela que ainda no tempo colonial se destacou pela sua probidade e verticalidade, viria a ser o Primeiro Presidente da Mais Alta Instância da Justiça do Estado de Cabo Verde Independente, na altura designada por Conselho Nacional de Justiça. Foi igualmente o Juiz Conselheiro que serviu por mais tempo no Supremo Tribunal de Justiça, que também era o Tribunal Constitucional do nosso País, até à cessação das suas funções em Outubro de 2015”, lê-se na nota do STJ.
Raul Querido Varela nasceu a 29 de Dezembro de 1925, em Santa Catarina, de Santiago. Iniciou a sua vida profissional em 1948-1954 como aspirante de Finanças na Praia e em Santa Catarina e posteriormente Tesoureiro de Finanças no Tarrafal de Santiago. Em 1954 foi nomeado Secretário de Finanças no Maio, mas entrou de licença ilimitada para continuar os estudos a nível universitário.
Licenciou em Direito pela Universidade de Coimbra-Portugal entre 1955 a 1960. Depois de terminar o estudo universitário foi nomeado Delegado do Procurador da República (actual Procurador da República) na Comarca de Barlavento; cargo que desempenhou ate1964, ano em que foi destacado como Delegado do Procurador da República junto do Tribunal Criminal da Beira em Moçambique onde acumulou as suas funções com as de Representante do Ministério Público no Tribunal de Trabalho e nas Varas Cíveis até 1968.
Conforme uma nota de pesar do Conselho Superior da Magistratura Judicial divulgada esta terça-feira, Raul Varela foi de 1968 a 1971, Juiz de Direito de 2ª. Classe do quadro da Magistratura Judicial Portuguesa no Tribunal de Moçambique e em 1971 foi transferido e nomeado Juiz de Direito de 1ª. Classe do quadro da Magistratura Judicial Portuguesa, colocado no Tribunal da Comarca da Beira-Moçambique, e transferido para a Comarca de Barlavento.
De 1968-1975, realizou várias inspeções aos Tribunais e inquéritos aos Magistrados Judiciais e do Ministério Público.
Primeiro embaixador nos Estados Unidos
“Como Juiz de Direito de 1ª classe tomou parte na negociação da Lei Eleitoral para Cabo Verde com o Governo Português com base na qual se deu início ao processo de transição para a Independência. Foi o 1º. Presidente do Concelho Nacional de Justiça que hoje é o Supremo Tribunal de Justiça e em 1976 foi 1º Embaixador de Cabo Verde dos Estados Unidos da América e no México, inaugurando as relações diplomatas com esses países. Teve várias intervenções nas Nações Unidas”, lê-se na mesma nota de imprensa.
De regresso a Cabo Verde foi Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, eleito na Sessão Diária do dia 18 de dezembro de 1992, da 4ª. Sessão Legislativa Ordinária da IV Legislatura da Assembleia Nacional e Reeleito em 26 de fevereiro de 1998, conforme Resolução da Assembleia Nacional.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 999 de 20 de Janeiro de 2021.