Criadores na Boa Vista perdem rendimento familiar com a morte de suínos

PorSheilla Ribeiro,6 mar 2021 12:05

A Peste Suína Africana é endémica nas ilhas da Boa Vista, Maio, Santiago e Fogo. Recentemente, depois de ter sido confirmado um foco desta doença na ilha da Boa Vista, foram proibidos o abate, de suinos sem autorização. O Expresso das Ilhas falou com alguns criadores daquela ilha que relatam dificuldades financeiras arrastadas pela doença.

Arlindo Sanches é natural da ilha de Santiago, mas há 7 anos que reside na Boa Vista onde vive da criação de animais como vacas, cabras e porcos. Por ser uma pessoa com deficiência física, a única forma que este entrevistado encontrou para sobreviver foi a criação de animais para a venda.

As vacas, segundo narra, dão “muito dinheiro”. Entretanto, devido à seca e a falta de pastos, este animal deixou de ser tão valorizado. Portanto, actualmente a maior fonte de renda são os suínos. Este criador, que antes possuía 16 porcos, conta que hoje já não tem nenhum.

“Todos os meus porcos morreram. Começaram a morrer em Dezembro, morreram aos poucos e hoje já não há nenhum”, descreve Arlindo Sanches, afirmando que, apesar das mortes repentinas, em momento algum desconfiou que se tratava da Peste Suína Africana. Apenas ficou a saber, quando recebeu alerta dos holandeses.

“Quando tivemos a certeza de que era ‘morrinha’ quase todos os porcos estavam mortos. Mas, mesmo antes disso, já não estávamos a comer as carnes. Além disso, quatro porcas estavam prenhas e os outros tinham começado a pelar e quando é assim não conseguimos comer”, explica.

Para Arlindo Sanches, os suínos fazem muita falta já que ao vender um porco grande pode se conseguir 20, 30 ou até 40 mil escudos. Um valor superior ao que se consegue com a venda de duas cabras, por exemplo.

Sem os porcos, o criador pensa em regressar para a Cidade da Praia, assim que conseguir dinheiro para a compra do bilhete de barco. Isto porque terá de deixar o local onde faz a criação de animais até finais de Março. Na Praia, revela, pretende criar porcos em Eugénio Lima, bairro onde vive com a família.

“Agora com a COVID-19 as coisas tornaram-se ainda mais complicadas. Eu estava na Praia de férias, depois voltei para Boa Vista e logo a seguir chegou a COVID-19, então fiquei aqui sozinho com os meus animais porque a minha família regressou para Praia. Agora, sem os animais, se aparecer algo que dê dinheiro para regressar é o que vou fazer. Não tenho mais nada para fazer aqui”, afirma.

Mesmo problema

Por seu turno, Zito Soares conta que ao perder os suínos, perdeu o dinheiro com o qual pagava a escola dos filhos. Foram 28 porcos, sem contar com aqueles que estavam por nascer.

“Algumas estavam prenhas e nem chegaram a parir. No dia 26 de Fevereiro morreu o último porco e lutei muito para que sobrevivesse. Tinha esperança de que pelo menos aqueles que eram castrados sobrevivessem”, lamenta.

Além dos porcos, Zito Soares cria cabras, carneiros, galinhas, patos, pombos, perus e coelhos. Mas, reconhece, são os suínos que levavam mais dinheiro para casa.

“É com o dinheiro dos porcos que eu pago a escola dos meus filhos, se tiver alguma dificuldade basta vender um porco aos italianos por 25 mil escudos que as coisas se resolvem. O meu salário não é suficiente para sustentar a minha família”, frisa.

Por esta razão, este entrevistado admite que daqui a quatro meses, quando tudo estiver desinfectado, pretende comprar novos porcos em Santiago, sua ilha natal.

“Para se ter uma ideia, houve uma vez que eu vendi um porco por 60 mil escudos de tão grande que era. Também já consegui 100 mil escudos por quatro porcos. A ajuda é tanta que não dá para não criar os porcos”, reitera.

De acordo com este criador, a população da ilha tem cumprido a ordem de não matar os animais sem autorização prévia. Conforme aponta, aqueles que pretendem abater os animais devem pagar 400 escudos para a realização de um exame que comprove que o suíno não está contaminado.

“Se estiver contaminado o veterinário manda logo enterrar o animal, se não estiver a pessoa recebe um papel para fixar no local onde vai vender a carne. Mas, mesmo com o certificado as pessoas não têm comprado carne. As pessoas estão com medo de comer carne de porco”, ressalta.

Outro relato

Já Claudino Tavares, também natural da ilha de Santiago, começou a criar suínos depois da crise provocada pela pandemia da COVID-19. Mas, com a Peste Suína Africana, não chegou a obter lucro. Ao Expresso das Ilhas conta que passou a viver nos arredores da pocilga, numa barraca, por falta de dinheiro para pagar a renda.

“Já perdi moral de criar porcos. Gastei dinheiro para comprar quatro porcos e hoje não tenho nenhum. Aconselharam-me a não os criar porque a carne não está apropriada para consumo”, lastima.

Claudino Tavares diz ainda que sempre lavou carros. Por dia, ganhava cerca de quatro mil escudos. Contudo, com a chegada da COVID-19 e a falta de turistas há dias que não ganha nada e há dias que consegue cerca de 700 escudos.

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“Comecei a criar porcos para ver se conseguia um dinheiro para um saco de arroz ou uma garrafa de óleo, nem sequer tive tempo de lucrar com essa criação. Quatro porcos, inclusive uma que estava prenha, morreram todos, um a seguir ao outro. Eu não tenho nem como regressar à minha ilha, com que dinheiro? Não há como, o dinheiro não tem sido suficiente nem para comer, nem para comprar outro porco, muito menos para um bilhete de barco”, compadece.

IGAE pronta para actuar na Boa Vista

Contactado pelo Expresso das Ilhas, o Inspector-geral das Actividades Económicas (IGAE), Paulo Monteiro, avançou que, neste momento, a entidade já está informada sobre a doença. Entretanto, devido a problemas de voos, informou, ainda não chegaram à Boa Vista e, por esta razão, as providências que devem ser impostas estão sendo coordenadas por telefone, com a Polícia Nacional, a Guarda Fiscal e a Delegação de Saúde naquela ilha.

“Neste momento temos um inspector pronto para se deslocar à Boa Vista. Já se encontra na ilha do Sal e vai tomar conta da situação, considerando que é uma função da IGAE averiguar e tomar as medidas, já que não se pode vender carnes impróprias para o consumo, que ponham em causa a saúde pública. É importante e é necessário tomarmos as providências necessárias”, destacou.

Segundo Paulo Monteiro, uma das primeiras providências será avisar quem está a vender carne imprópria para não vender e apreender o produto. Neste momento, a Delegacia de Saúde da ilha está a alertar a população para não consumir carne de porco, até segunda ordem, já que o momento “não é apropriado”.

“Neste momento é uma questão de sensibilização até à chegada do inspector da IGAE. Assim que ele chegar irá seguir um conjunto de diretrizes e tratar de apreender, se for o caso. O inspetor irá tomar as medidas que a lei trata nesses assuntos. Já está tudo preparado para a nossa acção”, garantiu.

MAA identifica espaço para deslocação da pocilga

O Ministério da Agricultura e Ambiente (MAA) revelou na passada sexta-feira, 26 de Fevereiro, que tem definido um projecto para deslocar a actual zona de criação de porcos em Sal-Rei para uma outra pocilga, cujo financiamento será assegurado com recursos do Fundo do Ambiente.

Esta informação foi avançada em conferência de imprensa pela técnica do MAA, Lígia Matos, que se encontra na ilha da Boa Vista para se inteirar da situação da zona da pocilga e auscultar os agricultores.

Citada pela Inforpress, esta técnica afirmou que de momento a prioridade é a monitorização do foco da doença, as condições em que a criação é feita, de modo a evitar o alastramento da doença por toda a ilha.

Na ocasião, Lígia Matos informou ainda que foi criada uma equipa pelo Ministério da Agricultura e Ambiente com a responsabilidade de conceber um “projecto estruturante”, que já foi apresentado à Câmara Municipal da Boa Vista, e que terá como parceira a Delegacia da Saúde.

O projecto terá como objectivo primordial a deslocação da zona de criação de porcos para um outro espaço, tendo sido já identificados três sítios alternativos. A responsável adiantou que o novo espaço oferece todas as condições técnicas e ambientais para a criação suína e que seja vista como uma actividade económica e geradora de rendimentos.

“Os animais, antes de serem colocados nas novas instalações, terão que passar por um rastreio de despiste da peste suína africana, para se poder dar início a uma nova criação, tecnicamente adequada e economicamente viável, ambientalmente sustentável e socialmente aceite”, afirmou.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1005 de 3 de Março de 2021.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,6 mar 2021 12:05

Editado porDulcina Mendes  em  4 dez 2021 23:21

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