Uma questão de saúde para além da economia

PorSheilla Ribeiro,3 abr 2021 8:36

A agroecologia é o estudo da agricultura baseado na análise dos ecossistemas agrícolas, abordando os processos agrícolas de maneira ampla. Visa não apenas maximizar a produção, como também optimizar o agroecossistema total, incluindo suas componentes sócio-culturais, económicas, técnicas e ecológicas. Em Cabo Verde, embora ainda seja um conceito relativamente novo, esta forma de produção vem ganhando cada vez mais força.

Ao Expresso das Ilhas, o consultor da Associação dos Amigos da Natureza e Centro de Estudos Rurais e Agricultura Internacional (CERAI), Guilherme Gonçalves, explicou que a agroecologia é uma ciência, mas que, além disso, é, principalmente, um movimento social frente a uma grande crise agrária dos tempos actuais.

“Trabalha a análise dos temas agrários e propõe soluções no sentido de optimizar a produção agrícola, florestal ou animal, propõe utilizar a produção a partir de recursos locais, considerando não só aspectos produtivos, mas também aspectos económicos, sociais, ambientais”, diz.

Optar pela agroecologia

Guilherme Gonçalves aponta que o primeiro factor para optar pela agroecologia tem a ver com o facto de o planeta estar a passar por uma crise ambiental, social, económico e em diversas esferas.

Da perspectiva dos agricultores, ou de quem vive no meio rural, o consultor diz que a agroecologia é uma resposta à uma agricultura industrial que visa não necessariamente o bem-estar das pessoas, mas, geralmente, o lucro.

“Muitos agricultores acabam seguindo o modelo da agricultura industrial, ou seja, o cultivo apenas para a comercialização, o cultivo de uma planta só, recorre-se à utilização de fertilizantes sintécticos, agro-tóxicos e pesticidas industriais, entre outros”, explana.

Segundo Guilherme Gonçalves, para além da perda da biodiversidade de insectos, plantas e de microrganismos, que são essenciais para o sistema agrícola”, a agricultura industrial acarreta também prejuízos económicos, sociais e à saúde das pessoas.

Para o consumidor, defende, a principal razão para optar pela agroecologia é a saúde. Mas, acrescenta, também há o facto de apoiar uma “agricultura que sustenta” já que é feita a partir de recursos locais que não têm nenhuma ou pouco impacto no meio ambiente.

“Uma agricultura que respeita as pessoas, o trabalhador e que é pautada a partir do trabalho justo, do tipo de manejo que preserva os recursos naturais e que ainda pode trazer um incremento da biodiversidade, é algo mais sustentável de forma geral”, assegura.

Para um país como Cabo Verde, na visão de Guilherme Gonçalves, seria interessante adoptar a agroecologia como principal forma de cultivo, primeiramente, pela segurança alimentar enquanto país que importa muitos alimentos.

“Estamos falando de produzir alimentos mais saudáveis, que pode potencializar as áreas rurais e aumentar a produtividade com baixo custo”, aponta, argumentando que a agroecologia pode potencializar o meio rural gerando empregos ou com a manutenção dos empregos das famílias rurais.

Pragas e agroecologia

Conforme o consultor da Associação dos Amigos da Natureza e CERAI, a pragas são consequências da agricultura industrial em larga escala.

“Vamos imaginar o seguinte, numa floresta tropical há milhares de tipos de insectos, mas nenhum é praga porque há um equilíbrio ecológico-ambiental, há uma cadeia alimentar e nenhum se sobressai sobre o outro. Mas, a agricultura é a simplificação de um sistema florestal e quando se cultiva apenas uma planta é muito mais susceptível haver pragas porque acaba-se perdendo outros insectos que poderiam estar ali alimentando-se uma das outras”, esclarece.

Na agroecologia há diversas formas de trabalhar as pragas e todas estão interligadas, segundo Guilherme Gonçalves. Por exemplo, diz, há uma série de caldas naturais de produtos locais, como a calda do tabaco ou a malagueta, que controlam os insectos.

Aliás, frisa, um dos princípios da agroecologia é observar o porquê dos insectos se transformarem em pragas e como transformar ou redesenhar o agro-ecossistema para que haja o incremento da biodiversidade.

Ao invés de se cultivar apenas uma planta num determinado terreno, são cultivados dez ou quinze plantas diferentes de modo a atrair diferentes insectos, promovendo assim um maior equilíbrio entre eles.

Uma terceira forma de combater as pragas consiste no enriquecimento do solo com material orgânico como restos animais e restos vegetais. Ou seja, transformar toda a matéria orgânica em nutrientes que serão absorvidos pelas plantas.

“Quanto mais rico, mais bem nutrido estiver o solo, mais bem nutrido vai estar a planta. As plantas são como nós seres humanos nesse sentido, porque se nós nos alimentamos mal, dormimos mal e nos faltam nutrientes no organismo, as chances de ficarmos doentes são muito maiores e acontece o mesmo com as plantas. Se no solo elas encontram a matéria orgânica criam imunidade natural contra os insectos”, exemplifica.

Mercado

Guilherme Gonçalves refere que em outros lugares como na América Latina e na Europa os produtos agro-ecológicos são “um pouco mais caros” no mercado, isto porque a oferta vem crescendo, mas a demanda vem crescendo muito mais rapidamente.

“Ou seja, há hoje em dia muitos consumidores, a nível global, bastante conscientes, porém ainda não há tantos produtos agro-ecológicos no mercado. Também estamos falando de um produto diferenciado, que faz bem à saúde, que traz inúmeros benefícios ao consumidor, diferente de um produto que foi trabalhado com pesticidas, com fertilizantes industriais que pode trazer benefícios, mas também pode trazer alguns prejuízos”, justifica.

Em Cabo Verde, Guilherme Gonçalves discorre que a agroecologia ainda é “bastante novo”, mas que se vem desenvolvendo e de forma rápida. Na mesma medida, continua, a procura por produtos agro-ecológicos vem crescendo.

“É preciso organizar a produção, mesmo no terreno, ou seja, identificar onde é possível produzir ecologicamente, onde há produção agro-ecológico, o que é necessário fazer para se transformar a agricultura e a pecuária de Cabo Verde em agro-ecológicas, são longos desafios”, considera.

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Jovem aposta na agroecologia

Influenciado pelos pais, o jovem agricultor, Emileno Ortet, decidiu optar pela agro-ecologia de modo a impactar o menos possível a natureza e contribuir para melhorar a saúde dos consumidores. Hoje, dedica-se à produção de cinco hectares de batata-doce de forma sustentável.

Ao Expresso das Ilhas, Emileno Ortet conta que desde pequeno esteve em contacto com a agro-ecologia, embora de forma diferente.

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“Os meus pais são donos de um terreno em Rui Vaz e eu sempre fui trabalhar com eles, ia aprendendo e ajudando-os com a agricultura. E a forma que eles produziam sempre foi agro-ecológico, sem uso de pesticidas e sem químicos, uma forma mais limpa possível de produzir numa quantidade menor do que produzo actualmente”, narra.

Para aperfeiçoar aquilo que aprendeu com os pais, este jovem agricultor revela que, além de pesquisas, passou a contar com a ajuda da cientista de batata-doce, Maria Andrade. Para a gestão ambiental, conta com Sandro Pereira formado em Ciências Biológicas e de Saúde.

Actualmente, Ortet vem apostando mais na plantação de batata-doce porque ainda produz apenas no sequeiro. Entretanto, o plano é mudar para o regadio de forma a cultivar “de tudo um pouco”.

Emileno Ortet faz a adubação do terreno com o estrume dos animais e através de compostagem que é feito de restos de plantas, cascas de banana, de papaia, de batata.

Por tudo ser feito de forma ecológica, garante que não usa pesticidas. Assim, o jovem opta por fazer a cobertura do solo com estercos e líquidos caseiros para afastar as pragas.

A batata-doce deste jovem custa um pouco mais do que as outras batatas. Conforme justifica, a principal razão é o facto de ser produzido de forma diferente e que requer maior controlo sobre o produto.

“A diferença começa na selecção das sementes que plantamos, até a recolha do produto e o preparo antes de ir para o mercado. Há muito cuidado na forma como o produto é cultivado e como é retirado e tudo isso tem um valor agregado. Por isso, a minha batata custa um pouco mais do que as batatas que são produzidas com outros métodos”, fundamenta.

Apesar de custar mais, o jovem agricultor afirma que há muita procura, principalmente porque as pessoas acompanham todas as fases da produção através dos vídeos que publica no Facebook. Aliás, frisa, as pessoas não reclamam do preço.

“Quando se acompanha a produção de algo há maior confiança porque as pessoas sabem como o produto é tratado. O que é diferente de ir a um minimercado comprar um repolho, por exemplo, sem saber como foi tratado, que produtos foram usados antes de estar nas prateleiras”, diferencia.

Divulgação

Emileno Ortet almeja ser reconhecido como o melhor produtor de batata-doce e derivados a nível nacional. Por esta razão, revela, investe na divulgação através do Facebook para não ter a necessidade de deixar as suas batatas nos supermercados.

“Tenho o meu próprio sistema de entrega, sou revendedor do meu próprio produto. A ideia não é negociar com mini ou supermercados, é de montar eu mesmo uma estrutura. Quando eu coloco num supermercado as pessoas podem não reconhecer o produto e não pretendo vender apenas o produto, quero vender uma marca e fazer a diferença”, declara.

Para este agricultor, é muito importante apostar na agro-ecologia por uma questão de saúde, já que muitas doenças hoje são derivadas dos alimentos que “são cheios de químicos tóxicos”.

“Ao apostar nesse tipo de agricultura todos ganhamos. O nosso terreno é fértil e dá para apostar bem nesse tipo de cultivo que é mais rentável pelo facto de gastar menos água e não usar pesticidas”, mostra.

Conforme explica, gasta-se menos água, devido às técnicas utilizadas como a cobertura do solo para evitar que o sol absorva toda a água.

“Penso que seria bom que mais agricultores dedicassem a esse tipo de cultivo, tentar produzir o mais limpo possível porque agredimos muito a natureza. Por exemplo, a nível mundial há problemas de abelhas devido ao uso de pesticidas que as matam. E sem abelhas há o problema da polinização, como temos tido, o que torna as coisas mais complicadas”, defende. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1009 de 31 de Março de 2021.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,3 abr 2021 8:36

Editado pormaria Fortes  em  3 abr 2021 18:15

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