Ambos os vídeos começaram a ser partilhados, nas redes sociais, essencialmente por mensagens privadas, ontem, dia 18. Mas, pelo menos o primeiro, havia já estado publicado no Facebook, tendo sido entretanto apagado.
Esse primeiro vídeo, que mostra crimes mais graves, terá sido filmado (pelos próprios agressores) antes de 3 de Março. Nele, um soldado imobilizado por outros, é sodomizado com o que aparenta ser um cabo de vassoura. É também açoitado com uma placa de madeira. São audíveis os gritos do jovem e o riso e gozo dos outros agressores.
As Forças Armadas reagiram em comunicado de imprensa, reconhecendo ter tido conhecimento deste vídeo no referido dia 3 de Março deste ano.
Sobre o vídeo, descrevem que “alguns militares agarravam um seu colega, infligindo-lhe maus tratos de forma cruel, desumana e vergonhosa, colocando em causa todos os princípios castrenses e violando todos os regulamentos militares”.
Os agressores foram identificados, acrescenta a instituição, e nesse mesmo dia foi ordenada a “instrução do Processo Criminal aos envolvidos”.
“Pela complexidade da situação e de forma a haver uma averiguação independente foi nomeado para proceder à investigação o próprio Promotor de Justiça junto do Tribunal Militar de Instância”, lê-se no comunicado.
O Promotor realizou, então, a investigação, e a 9 de Abril o Processo Criminal Militar foi concluído. Foi “ordenada a instauração de um processo disciplinar contra todos os envolvidos”. Estes foram “punidos disciplinarmente” de uma forma que as FA apelidam de “exemplar”, sem adiantar pormenores.
Os participantes ficaram a aguardar “as subsequentes démarches judiciais”, sendo que entretanto alguns “já em situação de disponibilidade” já foram “chamados a prestar depoimento e a responder pelos actos cometidos”.
Vídeo 2
O segundo vídeo, também filmado pelos envolvidos, mostra uma situação de abuso naquilo que parece ser uma praxe. Alguns militares obrigam outros a simularem actos sexuais com uma parede, novamente em meio de risos e palavras de gozo.
Quanto a esta gravação, as Forças Armadas dizem só ter tomado conhecimento do “vídeo hediondo”, ontem, dia 18 de Maio. E corroboram que terá sido uma espécie de praxe.
No vídeo “soldados abusam de forma vergonhosa de seus colegas mais novos ordenando-lhes a fazerem actos contra a sua vontade”, descreve o comunicado.
Ontem mesmo, “de imediato”, foi ordenada uma averiguação para “determinar a data dos factos, os seus autores, o local e os factos indiciadores de responsabilidades disciplinares, criminais, e demais responsabilidades inerentes”.
FA repudiam humilhações
Pouca mais informação específica sobre os casos é adiantada no comunicado de esclarecimento emitido esta terça-feira.
O resto do comunicado é atido a informar que se quer prevenir situações do tipo e a manifestar profundo repúdio e indignação pelas acções filmadas.
Refere o esclarecimento, que após as diligências legais do primeiro vídeo “foi de imediato ordenada uma campanha de esclarecimentos a todos os militares no intuito de prevenir futuras situações do tipo”.
As FA recordam também que os “Regulamentos Militares proíbem de forma explícita e veemente todos os comportamentos constantes dos referidos vídeos”, e os mesmos são “puníveis nos termos do Código de Justiça Militar e do Regulamento de Disciplina Militar”. Além disso, desde 2012, por ordem do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, estão proibidos “quaisquer tipo de sevícias, sanções corporais, ofensas à integridade física ou moral, a prisão arbitrária e castigos físicos excessivos nas Forças Armadas”.
Cerca de metade do comunicado lembra, pois, as regras militares violadas, salientando que não ocorreram a mando de qualquer superior hierárquico e que “violam todos os princípios que enformam a instituição militar”.
Por fim, a nota informa que “todos os prevaricadores serão exemplarmente punidos” e medidas serão tomadas “para que situações do tipo não voltem a ocorrer nas fileiras das Forças Armadas de Cabo Verde”.
Caso Monte Tchota
Os vídeos “hediondos” chocaram a sociedade e uma das perguntas repetidas por vários internautas é quantos mais casos do tipo aconteceram (ou acontecem) no seio das Forças Armadas, mas não chegam ao conhecimento público.
Muitos internautas recordam também o “caso de Monte Tchota”, massacre que ocorreu no destacamento militar daquela zona a 25 de Abril de 2016. De acordo com relatos das próprias FA, na altura, o soldado Manuel António Silva Ribeiro, mais conhecido por Entany, terá tido um confronto com um colega, perdido a briga e sido gozado por todos os colegas. O sargento do destacamento, na sequência de derrota terá mesmo o colocado em serviço de sentinela em detrimento do vencedor da luta, que estava designado. Por trás então da matança dos oito militares que estavam no destacamento (e de três civis a quem Entanny roubou o carro), estaria a sensação de humilhação, reconheceram as FA.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1016 de 19 de Maio de 2021.
Assim, a ligação a esse caso foi também feita esta terça-feira por vários utilizadores das redes sociais, em tom de crítica à instituição castrense, que acusam de não evitar uma cultura de abuso e humilhação no seu seio.