Cabo Verde: Os desafios no combate ao cibercrime

PorJorge Montezinho,3 out 2021 7:10

África teve a maior penetração de Internet da última década. É também o continente onde mais dispositivos móveis são usados para serviços financeiros. A evolução tecnológica não atrai apenas empreendedores e investidores, chama também os cibercriminosos. Os crimes, e os seus praticantes, são cada vez mais sofisticados, muitas vezes correm à frente das autoridades nacionais, que enfrentam uma luta cada vez mais desigual.

“Nem a formação, nem a tecnologia que temos na área de cibercrimes é adequada, pois a Polícia Judiciária cabo-verdiana começou a tentar combater esses crimes recentemente; só para se ter uma ideia, a legislação sobre o cibercrime só foi aprovada em 2017. Estamos certos, porém, que estamos muito mais capacitados, tanto a nível de formação como da tecnologia, que há uns anos”, diz ao Expresso das Ilhas fonte oficial da Brigada de Cibercrimes da PJ de Cabo Verde.

“Os principais desafios que enfrentamos, na investigação de cibercrimes, têm por isso a ver com a falta de meios humanos capacitados e recursos tecnológicos adequados e actualizados para seguirmos os rastos deixados pelos criminosos, ou seja, é necessário haver profissionais de polícia que, no mínimo, dominem a tecnologia usada para cometer crimes e meios tecnológicos que ajudem na descoberta e combate a esses crimes, e, em momento algum, descurar de actualização constante por forma a acompanhar os passos dos cibercriminosos”, sublinha a PJ.

A Brigada de Combate ao Cibercrime da Polícia Judiciária cabo-verdiana foi criada em 2019. Os casos que mais aparecem aos investigadores da PJ são os que implicam burla informática, acesso ilícito, atentado à intimidade da vida privada e pornografia de vingança. E, de entre as várias modalidades de cibercrimes que a Polícia Judiciária tem enfrentado, há uma, revela fonte oficial da PJ ao Expresso das Ilhas, que está a fazer muitas vítimas, mesmo entre pessoas bastantes esclarecidas.

“Estamos a falar daqueles casos em que o criminoso cria um perfil falso de facebook ou usa um número de telemóvel pré-pago (sem identificação do titular) para, em nome de um executivo qualquer do Governo de Cabo Verde (normalmente, Ministro dos Negócios Estrangeiros ou Presidência da República), oferecer altos cargos em organismos internacionais (ONU, CEDEAO, etc.) com renumerações tentadoras, mediante pagamento de muitas taxas, através de western union, money gram, etc., taxas que muitas vezes atingem valores superiores a meio milhão de escudos cabo-verdianos. Sobre este modus operandi, temos a esclarecer aos utentes e potenciais vítimas que nenhum membro do Governo de Cabo Verde oferece emprego a quem quer que seja, através de redes sociais”, explica a PJ.

A maior parte das vezes em que as pessoas são vítimas de cibercrimes, reforça a Brigada de Cibercrimes da Judiciária, são as próprias quem oferece os dados de modo a facilitar o trabalho dos criminosos.

O Índice Global de Cibersegurança

Este ano, Cabo Verde subiu 27 posições no índice global de cibersegurança [Global Cybersecurity Index, uma publicação da União Internacional das Telecomunicações (ITU, na sigla em inglês), lançada pela primeira vez em 2015 e que mede o compromisso que os 193 países membros da ITU têm com a cibersegurança]. Actualmente, o arquipélago ocupa a posição 136, com uma pontuação total de 17.74 valores. O ranking é liderado pelos Estados Unidos (100 pontos), seguindo-se o Reino Unido (99.54 pontos) e a Arábia Saudita (99.54 pontos).

Os países africanos melhor classificados são as Maurícias (17º, 96.89 pontos), o Egipto (23º, 95.48 pontos) e a Tanzânia (37º, 90.58 pontos), neste índice que avalia a capacidade das medidas técnicas, organizacionais, legais, cooperativas e de desenvolvimento. Ou seja, mede os mecanismos e as estruturas institucionais a nível nacional necessários para lidar com riscos e incidentes cibernéticos de forma confiável; a postura de segurança cibernética nacional; os quadros legais e regulamentares, que incluem o estabelecimento de legislação que identifique o que constitui actividades ilícitas no ciberespaço, juntamente com a definição das ferramentas processuais necessárias para investigar, processar e fazer cumprir essa legislação; a cooperação nacional, regional e internacional para estender o alcance e o impacto da cibersegurança; e as actividades de capacitação em segurança cibernética, quando se sabe que, todos os dias, um milhão de pessoas liga-se à internet pela primeira vez.

Hoje em dia, 3.5 biliões de pessoas estão online, e as perdas globais devido ao cibercrime foram calculadas em um trilião de dólares em 2020, valor que pode subir para uns estratosféricos 6 triliões de dólares este ano.

As particularidades do cibercrime

O cibercrime é diferente dos crimes convencionais que se conhecem. Como refere a Judiciária cabo-verdiana, nos crimes convencionais, a polícia vai atrás dos criminosos, procurando provar o crime, encontrando vestígios físicos e muitas vezes, chegando a esses vestígios através do autor. Já no cibercrime, o caminho é diferente, nestes casos, a polícia segue os indícios deixados para chegar aos criminosos. “Nestes crimes, dificilmente conhecemos a identidade dos seus autores”, diz a Brigada de Cibercrimes da PJ.

Não há fronteira e um cidadão nacional pode ser vítima de um crime praticado por alguém que se encontre do outro lado do mundo, “razão pela qual dificilmente se consegue alcançar esta pessoa (o criminoso), sem recorrer a colegas que se encontrem no local onde foi praticado o crime. Para saber a localização do criminoso, é preciso saber, no entanto, como procurar e/ou como seguir rastos ou vestígios, o que tem sido complicado, uma vez que só agora começamos e ainda estamos a ganhar experiências, e, por conseguinte, receber capacitações técnicas para saber como procurar”, refere a PJ.

Por outro lado, mesmo sabendo onde estão os criminosos, “se for fora da nossa jurisdição, temos que recorrer a cooperação internacional e para que isso aconteça, é necessário que haja algum acordo que preveja essa cooperação e, como sabemos, nem todos os países ainda aderiram às convenções que favorecem tais acordos”, sublinha a Brigada de Cibercrimes nacional.

Cabo Verde aderiu, em Junho de 2018, à Convenção sobre o Cibercrime, também conhecida como Convenção de Budapeste, um tratado de direito penal internacional e de direito processual penal, assinado no âmbito do Conselho da Europa, para definir harmoniosamente os crimes cometidos através da Internet e as formas de acção penal, bem como a Convenção 108 para a Protecção de Dados Pessoais. Cabo Verde também ratificou a Convenção de Malabo, uma convenção da União Africana sobre Cibersegurança e protecção de dados pessoais, mas até ao momento apenas dez países africanos validaram o documento. Faltam mais seis aprovações para que a Convenção de Malabo, aprovada pela União Africana em 2014, entre em vigor.

Estas diversas convenções internacionais a que Cabo Verde aderiu funcionam como um Task Force na luta contra o cibercrime. Segundo a PJ, “a cooperação internacional, bem como a disponibilidade em colaborar que os diversos provedores/prestadores de serviços nacionais e internacionais têm mostrado, tem-nos ajudado muito, porém, tendo em conta a escassez de meios humanos capacitados e de ferramentas em constantes atualizações, as dificuldades continuam a ser enormes daí a importância de se apostar na divulgação dos modus operandi dos diferentes crimes informáticos, através das rádios, televisões, websites, etc.”.

“Essa colaboração tem sido boa”, refere ainda a Brigada de Cibercrimes, “apesar de, em alguns casos, tardar em chegar, se calhar muito por culpa da própria complexidade do apoio que solicitamos. Como já referimos, assim como para investigarmos bem os cibercrimes, precisamos de meios humanos capacitados e ferramentas em constante actualização, acreditamos que esses sectores privados, regionais e internacionais, também precisam, por, eventualmente, também eles enfrentarem essas dificuldades. O importante é que dificilmente ficamos sem respostas”, conclui a Polícia Judiciária.

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Os conselhos da Brigada de Cibercrime da PJ de Cabo Verde

  • Nunca se deixe cair na chantagem, porque não temos nenhuma garantia de que quando pagamos por uma chantagem, não venham outras logo a seguir, muito pelo contrário, pagando a chantagem, estamos a dizer ao chantagista que temos como pagar;
  • Mas, para evitar isso, não confie em quem está do outro lado da rede;
  • Não aceite amizade, sugestões ou partilhas de qualquer assunto com pessoas através das redes sociais, ou seja, se for necessário, exija um encontro físico e num lugar seguro;
  • Não responder as mensagens de correio eletrónico, sobretudo quando o remetente é desconhecido;
  • Procurar o quanto antes, denunciar isso à Polícia Judiciária;
  • Tenham em atenção que organismos internacionais ou nacionais, não contratam pessoas através de redes sociais;
  • Nenhum membro de Governo de Cabo Verde oferece emprego aos cidadãos através das redes sociais, ainda mais, mediante pagamento de qualquer taxa;
  • Não aceite mensagens de correio eletrónico não solicitadas, ou então, pergunte sempre ao remetente se foi ele mesmo quem enviou a mensagem;
  • Mesmo no caso das mensagens de remetentes conhecidos, o seu teor deve ser lido de forma crítica, no sentido de confirmar sempre, que se trata de uma mensagem legítima;
  • Não siga hiperligações (também designadas por ligações hyperlinks ou links) sem confirmar o destino efectivo para que o remete;
  • Nunca faculte os seus dados pessoais ou senhas de acesso a espaços reservados que não conhece;
  • E por fim, instale antivírus pagos e actualizados regularmente. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1035 de 29 de Setembro de 2021.

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Autoria:Jorge Montezinho,3 out 2021 7:10

Editado porSheilla Ribeiro  em  4 out 2021 10:46

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